Opinião

“Casa-grande & Senzala”, mesmo vigor polêmico do tempo em que foi lançado

Diário da Manhã

Publicado em 9 de dezembro de 2015 às 21:52 | Atualizado há 9 anos

Desde meu tempo de faculdade, um livro, que me deixava vidrada e intrigada, é “Casa-Grande & Senzala”, lançado em 1933, tornou-se um clássico do pensamento social brasileiro por ser a primeira parte de uma vasta obra sobre a sociedade patriarcal no Brasil. Na obra escrita pelo sociólogo brasileiro, são estudadas as características gerais da colonização portuguesa, a sociedade agrária e escravocrata na técnica de exploração econômica e híbrida em sua composição. Étnica e cultural. Gilberto Freyre mudou a concepção da miscigenação. E a gente pode dizer que a concepção que vigora em parte do Brasil, em que o país é um país mulato, em grande parte, foi concebido pela sua obra. A formação da sociedade brasileira a partir das contribuições das raças branca, indígena e negra é abordada no livro. Também é tratada a figura do Senhor do engenho como uma pessoa fundamental para o processo civilizatório, não deixando de falar sobre as brutalidades com seus escravos e a arrogância com as mulheres. A partir da sujeição do africano ao português, tanto nas relações de trabalho como sexuais, foram produzidas as bases do que seria a sociedade brasileira. Através da relação entre os primeiros portugueses e as índias, deu-se início da povoação. Elas seriam a base da família brasileira por serem procriadoras, devido à falta de mulheres brancas. Outro ponto importante é a abordagem dos índios como vítimas, não apenas dos colonizadores, mas também dos jesuítas que teriam praticado uma espécie de extermínio indireto das populações locais. Gilberto Freyre não ignora o fato de portugueses, mamelucos e os bandeirantes paulistas escravizarem os índios e matarem-nos. Admite  que os jesuítas defenderam-nos contra essa violência, mas insiste no caráter artificial das missões jesuítas. Em “Casa-Grande & Senzala” é explorada a arquitetura, vestuário, mobiliário, fotos de família, utiliza a privacidade e a vida sexual do brasileiro. Foi considerada por muitos uma obra pornográfica. Existem trechos no livro falando sobre o grau de oferecimento das índias e comentários feitos sobre as negras, em proporção aos corpos, seios, nádegas, tudo com muitos detalhes. Isso fez com que vários exemplares tivessem sido queimados em praças públicas, diversos escritores consideraram a obra como sendo obscena. A obra dele acaba funcionando como uma espécie de reabilitação da ordem agrária. O legado mais importante, além da visão positiva da miscigenação, a gente pode dizer que é a ênfase no histórico do cotidiano. Um dos trunfos dele foi ter atentado para o estudo da história miúda, da cultura material, investiu muito no estudo da culinária e da moda. Gilberto Freyre veio de uma família rica e teve a oportunidade de estudar em uma universidade americana. O saudosismo em relação ao passado social, escravocrata e social, que a gente vê nas obras dele está relacionado um pouco à história de vida dele e com a própria época em que o livro é publicado, quando as oligarquias agrárias estavam em decadência em virtude do momento político do ano 30. A posição social dele também está relacionada com o momento em que essas oligarquias estão no período de definição dos seus lugares em virtude do processo de industrialização. Revolucionário e progressista nos anos 30 e 40; conservador e reacionário a partir dos anos 60, Gilberto sempre foi uma pessoa polêmica. Nos anos 30 foi chamado pelos usineiros, nordestinos de soviético e comunista. Suas obras abriram novas áreas de investigação e possibilitaram estudos de figuras que eram consideradas marginais. A partir da visão do cientista em “Casa-Grande & Senzala”, o povo brasileiro passou a se ver como resultado de uma fusão harmoniosa entre raças e cultura. Gilberto Freyre ensinou o brasileiro a ter orgulho de si próprio, elevando a autoestima do povo.

 

(Caroline Vieira, jornalista)

]]>

Tags

Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

últimas
notícias