Opinião

Coisas do Tocantins: a nomeação nula de um desembargador que ainda está na ativa

Diário da Manhã

Publicado em 1 de junho de 2017 às 01:26 | Atualizado há 8 anos

Existem coisas que só acontecem no Tocantins.

Aposentando-se o desembargador Osmar José da Silva no dia 14 de agosto de 1989, chantageado pelo desembargador José Neves, que ameaçava tornar públicos fatos pretensamente atribuídos a Osmar, assumi provisoriamente a Presidência e fui eleito presidente no dia 29 de novembro. Para o lugar do desembargador apo-sentado, foi promovido por antiguidade a desembargador o juiz tocantinense José de Moura Filho, tomando posse no dia 1º de janeiro de 1990, como o primeiro desembargador escolhido pelo Tribunal empossado na nova Capital.

O critério de escolha era o da antiguidade, mas Moura Filho não era o mais antigo, pois precediam-no na lista os juízes Daniel de Oliveira Negry, Bernardino Lima Luz e Dalva Delfino Magalhães.

Para a escolha de Moura Filho, ultrapassando os três mais antigos, desenrolou-se uma história:

Quando da nomeação dos primeiros desembargadores, os juízes Daniel de Oliveira Negry e Bernardino Lima Luz ingressaram no STF com o Mandado de Segurança nº 20.946, distribuído ao ministro Célio Borja, em que questionavam a nomeação de quatro desembargadores: Osmar José da Silva, José Liberato Costa Póvoa, Carlos Luiz de Souza e Amado Cilton Rosa e, em consequência, pleiteavam duas vagas de magistrado, que entendiam serem suas, mesmo porque Osmar viera da Justiça Federal, e eu contava com apenas dez meses de magistratura.

A competência foi do STF porque envolvia mais da metade dos integrantes da Corte, e, nos termos do art. 102, II, “n”, da Constituição Federal, o MS deveria ser julgado pela Corte Suprema.

Aliás, a inclusão do nome do desembargador Amado Cilton Rosa foi um lance de inteligência do advogado Celso Barros Coelho, amigo e ex-colega de Siqueira Campos na Câmara dos Deputados, pois, como oriundo do quinto constitucional, Amado não tinha legitimidade passiva nem ameaçava a vaga dos impetrantes (tanto é que, depois, o Supremo o excluiu da relação processual); ele fora incluído, estrategicamente, para que o Supremo julgasse, pois seguramente – e com razão – faltava confiança na nossa Corte, que ainda estava muito vinculada ao Palácio Araguaia.

Os juízes Daniel de Oliveira Negry e Bernardino Lima Luz, como estavam litigando com a maioria dos componentes da Corte, foram recusados na lista de merecimento, restando a juíza Dalva Magalhães, que, por ser na época companheira do desembargador João Alves da Costa, também foi recusada, por razões éticas, restando o juiz José de Moura Filho, que foi sufragado. Na época, a votação era secreta (não havia o CNJ, que exige motivação para a recusa). Moura Filho foi surpreendido pela nomeação, pois, diante de vários na sua frente, jamais esperava ser escolhido e nomeado naquela ocasião.

Escolhido desembargador – eu era o presidente – e, cumprindo a Constituição Federal, assinei um decreto judiciário nomeando Moura Filho para a vaga deixada por Osmar José da Silva. Logo depois da nomeação de Moura Filho, o governador Siqueira Campos mandou o secretário-chefe da Casa Civil, Clarismar Fernandes, conversar comigo para tornar sem efeito a nomeação de Moura pelo Tribunal de Justiça, argumentando que a nomeação de desembargadores nos primeiros dez anos do Estado era prerrogativa do governador do Estado, convencendo-me a revogar o decreto judiciário que nomeara o novo desembargador e, em 23/12/1989, o governador editou o Decreto Governamental nº 2.728/89, nomeando-o, embora pertencesse à classe dos magistrados, quando ao Chefe do Executivo competia nomear apenas os integrantes do quinto constitucional.

Assim, Moura Filho foi o único juiz de carreira no Brasil nomeado desembargador por ato do Executivo após a Constituição de 1988 (talvez para também ficar devendo-lhe o favor). Culpa alguma lhe cabia, é claro, pois ele não participou do caso e ninguém questiona um ato que aparentemente é legítimo, e Moura Filho, na verdade, até foi surpreendido com a nomeação, que ele supunha caber a Daniel, Bernardino ou Dalva, que eram mais antigos, e ele era o quarto na lista. Mas a nomeação era nula por ter sido efetivada por autoridade incompetente.

Ninguém reclamou, o tempo passou, e o fato se consolidou. Era fato consumado.

Coisas que só aconteciam no Tocantins. E no meu baú há muitos casos, que o público desconhece. Mas vai tomar conhecimento.

 

(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa – AGI – escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])

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