Opinião

Crisálida número dois

Diário da Manhã

Publicado em 28 de junho de 2017 às 01:09 | Atualizado há 8 anos

Não sei de on­de me veio aque­le fu­ror fa­min­to re­pen­ti­no. Ca­sa­da há dois anos e de­ci­di­da a ter um fi­lho, es­ta­va de fa­to grá­vi­da, e pas­sa­do o en­jôo ini­ci­al, sur­ge uma ga­na des­con­tro­la­da por co­mi­da, de tal or­dem, que me fez en­gor­dar 30 qui­los em seis mes­es. Após uma ce­sa­ri­a­na, tor­nei-me, en­fim, mãe. Es­ta­va re­a­li­za­da, ape­sar da ame­a­ça que o des­co­nhe­ci­do ope­ra. Fe­liz no meu pa­pel, após qua­tro mes­es vol­tei ao tra­ba­lho de pro­fes­so­ra. Ti­nha quem cu­i­das­se do meu fi­lho, as­sim, mi­nha vi­da con­ti­nu­a­va or­ga­ni­za­da. Nu­ma pe­le­ja glo­ri­o­sa, vol­tei aos meu 65 qui­los an­te­rio­res a gra­vi­dez, mas en­gra­vi­dei de no­vo, des­ta vez por des­cui­do. E lá me vêm no­va­men­te os trin­ta qui­los, que, de­pois do se­gun­do par­to, não con­se­gui eli­mi­nar. Du­ran­te a ama­men­ta­ção ga­nhei mui­to pe­so. A che­ga­da aos cem qui­los foi fa­tal, por­que daí pa­ra fren­te o li­mi­te ine­xis­te. Fui a vá­rios en­do­cri­no­lo­gis­tas, ini­ci­ei mu­dan­ças no es­ti­lo de vi­da, aban­do­nan­do o se­den­ta­ris­mo, piz­zas, san­du­í­ches, cho­co­la­te e re­fri­ge­ran­te, mas mi­nha ade­rên­cia lo­go se ar­re­fe­cia, e eu via o mar­ca­dor da ba­lan­ça su­bir. Per­dia cin­co qui­los e ga­nha­va dez, so­fria pa­ra ven­cer a von­ta­de de co­mer, pa­ra de­pois de­sis­tir, pen­san­do: ama­nhã re­co­me­ço. Ven­do que não con­se­guia fa­zer dar cer­to, sen­tia-me es­go­ta­da, sen­do con­fron­ta­da com a cul­pa. Es­ta­va imen­sa di­an­te do es­pe­lho, na­da me ser­via. Não me re­co­nhe­cia nas fo­tos, o mun­do fi­cou pe­que­no pa­ra mim quan­do ul­tra­pas­sei os 120 qui­los. Era um gi­gan­te, sem es­pa­ço nem mo­bi­li­da­de. A vi­da boa e o em­pre­go não me sa­ci­a­vam, en­tão pre­ci­sa­va co­mer. Eu, uma mu­lher ple­na, com vi­da afe­ti­va e pro­fis­si­o­nal bem es­ta­be­le­ci­da, ma­ri­do com­pre­en­si­vo, fi­lhos sa­u­dá­veis, mãe co­la­bo­ra­ti­va, vi mu­dar, com a obe­si­da­de, o jei­to de as pes­so­as me olha­rem. Até nu­ma re­u­ni­ão de tra­ba­lho, des­pre­za­vam mi­nha opi­ni­ão, não me da­vam tem­po pa­ra me ma­ni­fes­tar, em re­pre­sá­lia ao enor­me es­pa­ço fí­si­co que eu ocu­pa­va. Re­pa­rei nas ami­gas, que após o se­gun­do par­to me es­ti­mu­la­vam, olha­rem-me com des­dém, co­mo se eu fos­se pre­gui­ço­sa, não ti­ves­se amor pró­prio e nem co­ra­gem pa­ra ti­rar o que me dei­xa­va in­fe­liz. Usei re­mé­di­os pres­cri­tos pe­lo mé­di­co e clan­des­ti­nos em al­tas do­ses e lon­gos pra­zos. Che­guei a per­der 25 qui­los, mas ine­xo­ra­vel­men­te ul­tra­pas­sa­va o pe­so an­te­ri­or. Era al­go in­con­tro­lá­vel, que me do­mi­na­va. Pro­cu­rei fa­zer te­ra­pia com­por­ta­men­tal com psi­có­lo­ga, por di­ver­sas ve­zes fiz ma­trí­cu­la na aca­de­mia, mas o exi­bi­cio­nis­mo e o des­fi­le de be­los cor­pos por lá, não me per­mi­ti­am fre­quen­tar o lu­gar. Nu­ma ca­mi­nha­da, pas­sar na mes­ma por­ta du­as ve­zes era in­cô­mo­do, pois no­ta­va que as pes­so­as me olha­vam e pen­sa­vam: não vai adi­an­tar. Exaus­ta, sen­tin­do o per­ma­nen­te mas­sa­cre da obe­si­da­de, que ti­ra­va meu fô­le­go e a li­ber­da­de de ir e vir che­guei a pen­sar em mor­rer, mas, aca­bei por me de­ci­dir, após inú­me­ras pes­qui­sas, ser sub­me­ti­da à ci­rur­gia ba­ri­á­tri­ca. Foi um ano de pre­pa­ra­ção, par­ti­ci­pan­do de gru­pos nas re­des so­ci­ais, con­ver­san­do com gen­te que fez e deu cer­to, além dos de­sas­tres, das ine­fi­cá­cias e até das mor­tes. Co­mo atin­gi IMC de 49, 6 – 135 qui­los em 1m e 65 cm -, meu pla­no de sa­ú­de co­bri­ria meu tra­ta­men­to. Pas­sei por vá­rios pro­fis­si­o­nais, fiz inú­me­ros exa­mes e após ver o la­do fí­si­co e emo­cio­nal, en­trei no blo­co ci­rúr­gi­co. Se­ria uma ci­rur­gia pe­la via la­pa­ros­có­pi­ca. Quan­do acor­dei, es­ta­va tu­do ter­mi­na­do. Foi nor­mal, e não sen­ti gran­des do­res. Daí, pas­sei pe­lo pé­ri­plo da di­e­ta lí­qui­da, de­pois pas­to­sa e por fim só­li­da, ao lon­go de três mes­es. A per­da de pe­so no 1º mês foi mo­nu­men­tal, qua­se um qui­lo por dia. Com exer­cí­cios, ao fim de um ano es­ta­va com 85 qui­los. Pro­gra­mei e pas­sei pe­la re­cons­tru­ção do meu cor­po. Fiz a re­ti­ra­da de pe­le no ab­dô­men e ti­ve re­fei­tas as ma­mas. Re­nas­ci pa­ra o mun­do, e pa­ra mim mes­ma. Saí do ca­su­lo que me es­ma­ga­va. Com 45 anos, eu, que não era acei­ta, ago­ra era con­vi­da­da e elo­gi­a­da. Vi­rei re­fe­rên­cia.  Não que eu quei­ra di­tar nor­mas, – já di­tan­do-, ou achar que o obe­so não po­de ser fe­liz, mas eu, que pas­sei pe­lo “gor­do”, “ma­gro”, qua­se co­mo o “mor­to, vi­vo”, das brin­ca­dei­ras in­fan­tis, pro­cla­mo a to­dos que ter a chan­ce de re­nas­cer em ou­tro cor­po, que ain­da sin­to es­tra­nho, pa­re­cen­do não ser meu e nem mes­mo ser eu, é uma es­tra­nhe­za agra­dá­vel. Não te­ria ou­tro jei­to de ema­gre­cer sem ope­rar o es­tô­ma­go? Não, não ti­nha. Meu ma­ri­do gos­tou de tu­do, es­pe­ci­al­men­te do amor que sin­to por mim e por ele, con­cre­ta­men­te. Com es­sas no­vas asas, ago­ra eu que­ro vo­ar mui­to!

 

(Ma­ra Nar­ci­so, jor­na­lis­ta e mé­di­ca)

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