Opinião

Crônica de nossos tempos

Diário da Manhã

Publicado em 5 de novembro de 2016 às 01:35 | Atualizado há 8 anos

Comemorei o impeachment como se fosse o oitavo gol do Brasil nos últimos minutos do segundo tempo sobre a Alemanha. Durante esses últimos treze anos, número cabalístico esse para o PT, nunca aceitei os desenganos governamentais, muito menos a condescendência de alguns artistas, que insistiam em fazer apologias aos erros, simplesmente porque eram os erros de um amigo, erros coloridos com o matiz da ideologia política de sua preferência. Nessa esteira cheguei a parar de ouvir o grande Chico Buarque por desgosto, um ou dois anos, até que em meados de 2013 percebi que suas canções, como filhas que são, não se vinculam à sina do pai, são livres. Estão prontas para serem interpretadas e, havendo concordância mútua, devoradas pela mente daqueles que lhe cortejam. Uma vez unidas, raciocínio do intérprete e canção (como criação independente que se descola do criador), todos os caminhos são possíveis. Assim, cantarolava “vai passar” para o governo Dilma, como Chico entoou contra a Ditadura Militar, ambas passaram. Nesse momento, novos caminhos se apresentam e outro gênero de enganos começam a ser tecidos.

A sociedade anceia por mudanças, por sinceridade e honestidade, o único poder a lhe responder é o judiciário, as eleições municipais e o esvaziamento das urnas não deixam dúvidas sobre a profundidade de nossas crises. O novo governo está lidando com pontos delicados e polêmicos, mas discutir a reforma da previdência (quebrada por rombos governamentais), ou estabelecer tetos para gastos públicos, não é tão difícil quanto debater o que realmente importará em mudanças de grande magnitude. Qualquer cidadão inteirado da situação de nosso país sabe verdadeiramente quais as reformas que urgem, aquelas que significariam um “turning point” na história dessa nação, a reforma tributária e a reforma política. Na primeira descobrir-se-á de onde realmente se deve levantar fundos e como incentivar a economia, já na segunda se responderá aos anseios populares, mas nenhuma delas terão de soluções fáceis ou sem desgastes. A reforma política prescinde de amplo e irrestrito debate, vários caminhos são possíveis, particularmente não me aventurarei nesse texto.

A reforma tributária, essa é lugar-comum, todos que já se puseram minimante a estudá-la sabem que necessitamos desonerar a atividade empresária, mola propulsora e vital dessa nação. O estranho é que todos sabem a solução, mas ninguém a suscita, coincidência? Ouvi certa vez de um fiscal, honesto e cumpridor de seu dever, que nesse país o sistema tributário é feito para onerar os mais pobres e desonerar os extremamente ricos. Literalmente no meio dessa história, não é necessário dizer como fica a classe média, uma palavra de baixo calão resume o quadro. Para dissimular toda a situação criamos um sistema tributário quase tão complexo quanto a física quântica, mas achamos bastante normal. Afinal, boa parte da sociedade nem se quer o conhece e uma outra significativamente grande só o entende para desrespeitá-lo, endossados pela punição seletiva. Sem perceber, a imensa maioria dos brasileiros, provavelmente mais de oitenta por cento, podem ser postos na condição de criminosos, simplesmente por olvidar uma ou outra regra tributária, é surreal.

São inúmeras espécies de impostos, um sem-número de regras e institutos extremamente rebuscados. O escopo único é onerar o pobre, de forma que ele nem sequer perceba, e desonerar monumentalmente os bilionários. É como se aqui, em terra tupiniquins, socializássemos a pobreza e capitalizássemos ainda mais a riqueza. Agora, Milton Friedman que me desculpe, apesar de achá-lo essencial, uma geração não pode ser perdida. Assim, somente a tributação pesada dos extremamente ricos, pode propiciar a redenção daqueles renegados pela história, inclusive com a tributação sobre “grandes fortunas”. Ao grosso do empresariado, pequenos e médios um mercado totalmente livre para que desenvolvam suas potencialidades. A partir do empresariado médio-grande começa-se a tributação diluída em uma escala ascendente e ampla de alíquotas, para que não desincentive a produção, até alcançar aqueles menos de um por cento de brasileiros detentores de 22% das riquezas desse país. A essa minoria extremamente abastada, tributação pesada “a la welfare state”, para que retribuam, aos filhos esquecidos de sua nação, a generosidade desse país que lhes   oportunizou a criação de tamanha bonança.

A história da acumulação de riqueza, além disso tudo, como toda história da humanidade, não é linear e nem se resume a fórmulas prontas, boa parte das grandes fortunas desse país não vieram só de “self-made man’s”, mas tem raízes em um histórico de apropriações nem sempre legítimas, uma vez que envolveram não só suor, mas também sangue, deslealdades e muitas imoralidades. Antes que digam, não se trata de “punição da riqueza” ou algo dessa espécie, mas só um lembrete de extrema importância. De qualquer forma, a conta irá até mesmo para os virtuosos e probos “self-made man’s” multibilionários. Dificilmente quem fatura em bilhões será desincentivado pela tributação, pois a continuidade de seus faturamentos dependem do giro da roda econômica e, geralmente, essa roda tem raízes bem fincadas no Brasil. Quanto ao mais, se a elite nacional for menos mesquinha, saberá não só da necessidade de pagar os impostos, como de auxiliar na fiscalização de sua correta aplicação, denunciando os desvios.

 

(Pedro Augusto Teles de Almeida Barbosa, advogado e bancário)

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