Crônica de um desastre anunciado
Diário da Manhã
Publicado em 4 de outubro de 2018 às 23:08 | Atualizado há 6 anosMarchamos em direção às urnas como uma boiada rumo à degola. É estranho, uma vez que eleições, numa Democracia, são momentos de expectativas de melhora. Qual a origem da cautela, do receio, do medo? Qual o motivo de tamanha desconfiança?
A razão principal, escancarada, vem de décadas. Está no comportamento da classe política, dominada pela banda podre. Os privilégios dos detentores de mandatos são visíveis, porque aos poucos foram sendo expostos. Indicações para altos cargos nas empresas públicas, com a missão de arrecadar propinas; verbas de gabinete, chamadas indenizatórias, para atividade eleitoreira no decorrer do mandato; distribuição de obras mediante licitações com cartas marcadas… até desaguar, desavergonhadamente, na criação de um fundo partidário bilionário. Numa época de crise, em que faltam até vacinas nos postos de saúde, não falta dinheiro para campanha política que na prática é, na maioria dos casos, garantir a corrupção futura.
É o povo patrocinando o ladrão que o assaltará durante os quatro anos seguintes. Não é de admirar que o bandido dito comum (porque sem colarinho branco), veja nisso um incentivo para também viver do crime. Furtar sentado numa confortável cadeira, num gabinete com ar condicionado, usando uma Mont Blanc? Isto é sonho para poucos. Então esse bandido faz o que dá conta, usando a arma ao seu alcance. O revólver, a faca, o cassete.
É num quadro desse que desponta como esperança para os incautos um despreparado tipo Jair Bolsonaro. Há 28 anos instalado numa cadeira de deputado federal, ligou-se fraternalmente a alguns meliantes conhecidos. Nunca denunciou corrupção ali existente. Ao contrário, aliou-se a ela. Entre os nove partidos aos quais filiou-se, está o PP, do qual desligou-se a partir do momento em que seu colega Paulo Maluf foi destituído, sob seu protesto, do mais honroso posto daquele partido, o de presidente de honra. De honra!
A banda podre do Congresso domina a Câmara Federal há muito tempo. Num momento de clímax, supremo deboche: deliberou eleger Severino Cavalcante para a presidência da Câmara Federal.
Não tardou e o jornalista-deputado Fernando Gabeira descobriu e denunciou um mensalinho que Severino recebia de um restaurante terceirizado da Câmara, cujo cessionário era extorquido por sua excelência. Nessa hora, para que direção Bolsonaro mirou sua arma?
E assim, entrincheirando-se sempre ao lado de bandidos poderosos e criticando os bandidos comuns, chegou à condição de forte aspirante à Presidência da República. Não é de admirar. Essas coisas não são novidade na História. No período imperial um certo senador Vergueiro detinha alto prestígio defendendo o tráfico de escravos. Que fique claro: Naquele tempo a corrupção superava a atual. Ou alguém supõe que o poderoso traficante de escravos que cedeu o imóvel onde agora é o museu que pegou fogo, propina escancarada, o fez tão somente por apreço à Monarquia que ali se instalou?
Foi no apoio instintivo aos poderosos e combatendo os fracos que Bolsonaro, um indigente sob o ponto de vista de preparo intelectual, construiu uma grife do agrado da direita brasileira.
E a ousadia da direita, num crescendo, adquiriu status de competitividade. O terreno tornou-se fértil, porque adubado pelo desgaste da classe política e pelo aumento da violência. Hoje, a direita tem seu novo Jânio Quadros. Seu novo Collor.
Nem precisa mais dizer-se liberal. Perdeu a vergonha nas redes sociais, tem pobre fazendo propostas em nome de “nóis da direita.”
Não é raro ver-se no Facebook ou nos grupos de Whatsapp, proclamações como esta:
“Nóis de direita quer os militares no puder”. E querem mesmo. Os militares com formação democrática, creio que a maioria, não querem. Os melhores formados, estudiosos da História, enxergam quais foram os beneficiários da ditadura de 64. Gente como ACM, Sarney e Maluf, por exemplo. Então, estão na deles. Ficar com o ônus da tortura? Só Bolsonaro e uns poucos outros.
Não é que o eleitor esteja sem alternativas. Amoêdo, Meirelles, entre outros: competentes, fichas-limpas. Ao conjunto da sociedade tanto faz ser direita, esquerda ou centro, desde que dotado de ampla visão do Brasil. Competência, capacidade, espírito público. Honestidade? Bem, aí já é obrigação. No contexto da atual crise, mais política que econômica, precisamos de um presidente que reúna qualidades tais como as de Juscelino, administrativamente; Itamar Franco, na honestidade, e Luiz Inácio Lula da Silva, na capacidade de liderar. Como veem, tá difícil.
Um outro nome palatável: Geraldo Alckmin, por exemplo. Vereador, prefeito, deputado. Governou São Paulo, economicamente maior que a Argentina, quatro vezes. Mas, não. Quem está em primeiro lugar nas pesquisas é Bolsonaro.
Quem não o conhece, que o compre.
Creio que não será eleito. Mas, numa hipótese remota, se ganhar, estará escrita a última palavra de triste crônica, a crônica de um desastre anunciado.
(Valterli Guedes, jornalista e advogado)
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