Cuidado: ele está armado! O estatuto do desarmamento em xeque
Diário da Manhã
Publicado em 2 de março de 2018 às 22:30 | Atualizado há 7 anosOs índices de violência, a falência do sistema penitenciário, a rotina de homicídios no país, têm deixado a população alarmada, insegura e assombrada. As estatísticas são chocantes, preocupantes e a incompetência, companheira inseparável do descaso estatal e da falta de políticas sociais, eximindo os ordinários que deveriam combater esta barbárie. Aqui, mata-se ou morre por muito pouco ou nada. “A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota”, afirmou Jean-Paul Sartre.
As armas de fogo – responsáveis pela grande maioria dos crimes no país – são adquiridas sem maiores dificuldades, contrabandeadas por nossas imensas fronteiras, por preços e condições módicas. Debaixo dos olhos de um Estado cretino, oligárquico e moribundo, com aval de alguns agentes públicos e uma sociedade perplexa e sedenta por sangue. Condições férteis e históricas para as ações do crime organizado, das milícias justiceiras, do Estado paralelo terrorista, sobrepondo a soberania republicana de bananas com nome de corruptos. Canalhas não menos odiosos e maléficos a sociedade, institucionalizado e criminoso. Alimentando um mercado gigantesco ilegal do tráfico, fomentando encarniçadas guerras urbanas, guerrilhas, dizimando em grande parte, cidadãos de bem, anônimos e ignorados pelas estatísticas oficiais. É a indústria bélica vomitando armas, munições e bombas, numa demonstração irracional da grandeza e da eficiência humana de exterminar, de se autodestruir em nome da “legítima defesa”.
Se o argumento mais inteligente e louvável de quem levanta pela manhã, faz suas preces em nome de Deus e da paz, deleita em um balsâmico banho, um apetitoso desjejum e coloca uma 9 mm na cintura como se estivesse indo para guerra, sob o “ingênuo” pretexto de se defender, não está saindo de casa, em hipótese alguma, com um espírito de paz, desarmado de corpo e alma! O suposto faroeste que permeia mentes delirantes e insaciáveis de “justiça” de jagunços, só espera o primeiro a atravessar seu caminho e olhá-lo de qualquer forma. Armas foram inventadas com uma única finalidade: matar.
A violência nossa de cada dia, provocada por bandidos – de qualquer laia, nas tribunas ou nas alcovas – não são menos violenta e bestial, do que aquela provocada por pessoas de “bem” que andam armadas e atirando até na sombra. Sob a alegação equivocada de “legítima defesa”! Discussão de trânsito, doméstica, em festas, escolas, em qualquer lugar ou ambiente, se tem alguém armado, o desfecho quase sempre é temerário, um só: mortes, assassinatos. Uma espécie de “Guerra Preventiva” instituída na Doutrina Bush, após os atentados de 11 de setembro, “atacar, antes que me ataquem”!
Dados oficiais e alarmantes dos órgãos de Segurança Pública revelam que a maioria esmagadora das vítimas que morrem durante um assalto, é porque reagiram – com ou sem uma arma na cintura. Inclusive, os próprios agentes das forças policiais, fora do horário de serviço, lamentavelmente, engrossam essa estatística.
Será que os honrados homens públicos do nosso país – raríssimos – realmente acreditam nessa tese que armar a população “de bem” em nome da autodefesa, será verdadeiramente a solução para o combate da violência? Mais armas em circulação, mais pessoas armadas, não resultará num efeito contrário? Será que de fato armar um povo que o Estado sempre ignorou, não será cortina de fumaça, camuflando outra realidade não menos dura, que a miséria? Em grande parte, pessoas que não possuem nem o que comer, que não são municiados nem de direitos básicos, que nunca tiveram acesso nem ao mínimo! Como educação de qualidade – em um país de analfabetos -, um sistema de saúde que contemple suas verdadeiras necessidades, geração de emprego, moradia digna, saneamento básico, oportunidades equânimes e justiça social, não seriam as melhores armas que um povo lutador mereceria? Ou esse discurso de “armar o cidadão de bem”, é o melhor fundamento político da “bancada da bala” para cevar seu curral eleitoral? Aspirações eleitoreiras, jogando para o povo uma solução, que em tese, seria do Estado. Ou a questão é outra? Estão fazendo lobby para a indústria bélica, e muitos estão ruminando a ideia, embebidos do primitivo desejo de justiça com as próprias mãos? Os maiores defensores hoje no Brasil do fim do Estatuto do Desarmamento são exatamente parlamentares sem nenhuma expressão no parlamento, em defesa de projetos de lei consistentes, que combatam de fato a miséria e a violência. Já dizia Nelson Rodrigues, “invejo a burrice, porque é eterna”.
Quem disse que andar armado é sinônimo de segurança? Quem anda armado, mata o bandido em legítima defesa, como também, mataria qualquer outro, se fosse o caso – iria depender do seu estado de espírito. Quem anda armado, não está disposto a dialogar, conversar, quase sempre não raciocina, frente ao instinto perverso, aperta o gatilho e pronto. É a expressão máxima de seus argumentos, desrespeitarem um direito natural. Não se mata por falta de vontade, talvez, oportunidade.
Um ex-Secretário de Segurança Pública de Goiás, quando esteve no comando da pasta, sabiamente determinou que policiais fora do seu horário de trabalho, estariam proibidos de portarem armas em recintos fechados. A pergunta é: será porque, demoraram tanto para tomarem esta decisão? Alguns pistoleiros, na sombra de membros de uma das mais respeitáveis instituições deste país, tornam-se foras-da-lei quando não estão em serviço e sempre dispostos a colocarem a vida de outrem em risco, tomados por um superpoder exterminador.
Incorporam a jurisdição do gatilho, para resolver toda e qualquer conversa. Os outros, que se danem. Imagino o nível de mendicância intelectual, de quem pega uma arma e começa atirar em um ambiente fechado com várias pessoas e sob quais argumentos alguém faz isso? Quase sempre, quem grita e usa a força bruta como seu maior fundamento, demonstrando uma capacidade intelectual limitada, rudes e uma ameaça constante para a sociedade. Medíocres, que buscam num irresponsável bang-bang, se afirmarem como “machões”, “valentões” que não levam desaforo para casa, jogando pelo ralo, qualquer possibilidade de convivência social, numa espécie de fetiche.
Armas deveriam estar somente nas mãos de profissionais capacitados das forças de segurança e em serviço. Infelizmente, nas mãos de bandidos, também tem sido inevitável. Já as pessoas de bem e do bem, buscam a paz e usam outras armas. Sigmund Freud afirmou que “não se cogita a repressão total das tendências agressivas do homem: o que podemos tentar é canalizar essas tendências para outra atividade que não seja a guerra”.
E quantos casos vergonhosos, envolvendo policiais fora do horário de serviço, cometendo assassinatos e se escondendo como ratos atrás da instituição e do corporativismo, para se safarem? Bandido é bandido. Seja de farda, de terno, de toga ou a paisana. O que alguns chamam de defesa, talvez, seja ataque. Quem não se lembra do trágico episódio ocorrido durante uma confusão em um show, quando um policial assassinou a tiros um jovem na pecuária? E a briga e tiros em uma boate na mesma pecuária, envolvendo um delegado da Polícia Civil do DF? E dos polícias militares – também fora do horário de serviço – que trocaram tiros em uma casa de dança, também em Goiânia? E na capital paulista, que durante uma briga de trânsito, outro policial, matou e em seguida, cometeu suicídio? Detalhe, todos os casos noticiados pela imprensa. Estamos reféns de indivíduos neuróticos, psicopatas, despreparados psicologicamente, com ou sem porte de armas, legal ou ilegalmente, colocando a sociedade em risco constante e iminente. Como qualquer outro que são considerados “oficialmente” bandidos. Quem usa uma arma, seja em serviço ou não, policial ou não, sempre fará usa dela. Ou se “defendendo” ou “atacando”. Arma não tem outra finalidade a não ser destruir. Vidas, sonhos, famílias, projetos. Ou seja, se em tese, os agentes policiais, são e estão preparados, capacitados, habilitados, laudados para usaram armas de fogo e ainda cometem insanidades, imaginem o grande e afoito público nessa odisseia de vampiros desdentados, sanguinários e justiceiros?
Portanto, quem defende armar a sociedade até os dentes, não está em defesa da vida nem da paz. Como um patético pretenso candidato à presidência da república para o pleito de 2018, declaradamente cristão e grande entusiasta das práticas de torturas, extermínios e armamentos. O grande paradoxo nacional de quem hipocritamente professa o amor cristão e pratica o que muitos de seus néscios imitadores, esperam ser a solução. Encabrestando seguidores, que aos zurros clamam pela truculência e uma sela, em um espetáculo vergonhoso de tilintar de ferraduras. Quem anda armado e não está em serviço em que o uso é necessário e nem é bandido, está propenso, a se tornar um. Assim nascem os assassinos. “Heróis”, covardes, contumazes e justiceiros.
Entendo e acredito, que a sociedade deverá se guiar, por outros princípios, por caminhos alternativos e razoáveis. Abrindo a possibilidade do diálogo contínuo e da busca de soluções inteligentes e que tenham na preservação da vida, sua prioridade. Que conduza a sociedade para uma justiça legal e não vingança. O respeito à condição humana, pautada em princípios éticos e que possam contribuir para um processo mais justo e soberano. Sem justiça social, o combate à corrupção e o respeito ao cidadão brasileiro, jamais teremos uma sociedade pacífica. Precisamos de muito mais respeito por parte dos legítimos representantes do povo, comida para quem tem fome, educação, moradia, de qualquer calibre. Pois “a felicidade é uma arma quente” já dizia o imortal Belchior.
A História tem exemplos categóricos, de grandes líderes, de grandes estadistas, que realizaram profundas transformações, sem dispararem um só tiro! Mahatma Gandhi, Luther King, Nelson Mandela, Madre Tereza de Calcutá, pacifistas e exemplos a serem seguidos. “Eu sou contra a violência porque parece fazer bem, mas o bem só é temporário; o mal que faz que é permanente”, afirmou Gandhi.
A tolerância deveria ser a única arma letal da humanidade. A paciência e o respeito como munição na defesa pessoal. O bom senso e a racionalidade o escudo da legítima defesa.
(Marcos Manoel Ferreira, professor, pedagogo, historiador, escritor. marcosmanoelhistoriageral@hotmail.com e www.vozesdasenzala.blogspot.com.br)
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