Decididamente, não dá para entender esse STF que agora terceiriza a Justiça
Diário da Manhã
Publicado em 23 de novembro de 2017 às 01:24 | Atualizado há 7 anosA cada hora, vemos um Supremo cada vez mais descaracterizado como nossa Corte Maior, em que, em tese, deveríamos depositar nossas derradeiras esperanças.
Basta alinharmos alguns pontos para que o leitor entenda aonde chegamos.
A Primeira Turma do STF impôs ao senador Aécio Neves duas das nove medidas cautelares diversas da prisão, previstas no artigo 319 do Código do Processo Penal: o afastamento do mandato parlamentar e o recolhimento noturno.
A Constituição Federal, no seu artigo 53, e a Constituição do Estado do Rio de Janeiro, no seu artigo 102, rezam apenas que cabe à respectiva Casa Legislativa decidir sobre a prisão de seus integrantes em caso de flagrante de crime inafiançável, como ocorreu no caso do ex-senador Delcídio do Amaral; mas o plenário do STF, numa verdadeira distorção da lei, com votos dos ministros Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Cármen Lúcia, que geraram uma inaceitável e desnecessária confusão jurídica pelo país, decidiu que cabe à respectiva Casa Legislativa resolver, também, sobre medidas cautelares diversas da prisão aplicadas contra parlamentares, quando elas interferem “direta ou indiretamente” no exercício de seus mandatos; isto não está escrito em lugar nenhum.
Remetido o caso Aécio para o Senado, por mera e inaceitável comodidade do Supremo, que agiu como um Pilatos da magistratura, o Senado, como era de se esperar, revogou as duas cautelares aplicadas ao senador mineiro, numa flagrante “ajeitadeira” para agradar o Planalto.
O inusitado e imperdoável julgamento gerou um efeito cascata: aproveitando-se da decisão do STF, a Assembleia Legislativa do Mato Grosso revogou não só a prisão preventiva, mas também o afastamento do deputado estadual Gilmar Fabris, filmado recebendo propina de R$ 50 mil entregue por um membro do governo estadual; o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) determinou a prisão dos deputados Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, todos do PMDB do Rio, por envolvimento na máfia dos transportes, bem como o afastamento dos mandatos de deputado estadual; mas como havia o perigosíssimo precedente da Corte Maior, o TRF-2 encaminhou o caso para aval da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) apenas a decisão sobre a prisão do trio peemedebista, como mandam as Constituições Federal e Estadual, não a que se referia ao afastamento dos mandatos. E – cúmulo dos cúmulos – o mafioso Albertassi, foi indicado para conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.
A Alerj revogou a prisão dos deputados e, aproveitando-se da decisão do STF decorrente do caso de Aécio Neves, decidiu revogar também o afastamento dos deputados, o que gerou polêmica entre os partidos, que chegaram a expulsar deputados por terem votado a favor dos três meliantes.
Vale, por oportuno, lembrar que o acórdão da decisão do STF do caso de Aécio ainda não foi publicado, e, diante da repercussão negativa do efeito cascata nas Casas Legislativas do país, o STF parece que vai “consertar” a lambança, para delimitar textualmente seus efeitos para parlamentares federais.
E evidente que o MPF vai recorrer para garantir o afastamento dos três deputados e, como até comentou o ministro Marco Aurélio Mello, o assunto fatalmente vai cair no colo do STF para, mais uma vez, decidir sobre o tema. Isto, sem prejuízo de alguma ação direta de inconstitucionalidade que pode estourar.
O MPF era contra o envio do decreto de prisão à Alerj. No entanto, o TRF-2 decidiu que, quando medidas cautelares impostas a parlamentares pelo Judiciário impedirem o exercício do mandato, o Legislativo deve dar a última palavra, seguindo o entendimento do Supremo no caso do tucano. Antes de o Plenário da Alerj votar, a Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia deliberou sobre a questão e concordou com o TRF.
Para especialistas, e com eles concordo, o caso do senador Aécio Neves gerou insegurança jurídica, pois foi aberto um perigosíssimo precedente para Casas Legislativas discordarem de decisões judiciais e, com isso, a prisão de parlamentares deve ser dificultada. O fim do foro privilegiado poderá ser a solução.
Esse “imbróglio” criou um ambiente em que as Casas Legislativas se sentem à vontade para anular decisões judiciais, porque o casuísmo e a falta de conveniência de algumas decisões, por parte do Judiciário, geram esse embate, e vai ficar mais difícil prender esses larápios.
Esse caso do Rio de Janeiro foi só mais um episódio na série de confrontos entre o Judiciário e a classe política. No final de outubro, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte e a de Mato Grosso devolveram mandatos a deputados afastados pela Justiça – um deles estava preso. Existe um indisfarçável corporativismo cada vez mais acentuado entre os parlamentares, pois o grupo investigado for o majoritário, a chance de ele ser preservado em votação no plenário é enorme.
Onde está a autoridade do Supremo, que se submete a uns refinados vigaristas para fazer valer suas decisões, cujo descumprimento está desmoralizando a Justiça? Todos se lembram do episódio em que Renan Calheiros afrontou o Supremo, descumprindo uma decisão do ministro Marco Aurélio, até que o plenário tratou de desconstituí-la.
Conhece-se o Legislativo, e, salvo raríssimas exceções, saber-se que é um refinado antro de vigaristas, rapinadores do Erário, impunes devido a um inadmissível corporativismo, que se esparrama por todos os Estados.
Mas esta de ver a Justiça ser terceirizada para ser aplicada ao talante de vigaristas é o fim da picada!
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa – AGI e da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas – Abracrim, escritor, jurista, historiador e advogado, liberatopo[email protected])
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