Décio dos Santos e a literatura de cordel
Diário da Manhã
Publicado em 10 de outubro de 2018 às 00:14 | Atualizado há 6 anosAntônio Décio dos Santos Matos, filho de Francisco dos Santos e Maria Moreira dos Santos. Nasceu em Mineiros, Goiás, em 27 de julho de 1950, onde reside. Aqui fez curso de contabilidade, ninguém podendo imaginar o que enfrentou para manter os estudos, demonstrando garra, coragem e a mais rara honestidade nos mais difíceis tipos de serviços, de servente de pedreiro até frentista de posto de gasolina. Curioso é que não faltou-lhe tempo para o amor. Casou-se com Magna Maria Mota dos Santos, com quem concebeu Mateus e Débora Mota dos Santos, dos quais são cativos admiradores.
Traz certamente na origem nordestina – baiana – dos pais, a vocação pela poesia popular, chamada Literatura de Cordel, originária de Portugal, sediada essencialmente na Paraíba, Pernambuco e outros estados do Nordeste brasileiro, despalhada país afora, com representação em Goiás, a partir da Academia Goiana de Letras, na pessoa do extraordinário cordelista, Paulo Nunes Batista, nascido em João pessoa, residente em Anápolis, do qual tenha a alegria de dizer ter sido uma das pessoa lembradas nos seus belos versos, que guardo carinhosamente.
Notem que Décio optou pela Literatura de Cordel muito antes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tê-la reconhecido como Patrimônio cultural imaterial do Brasil em setembro de 2018, fato que mostra que Décio já escrevia e defendia sua arte há mais de 40 anos. Sem contar “O ódio e a vingança”, em elaboração, por certo relatando desventura criminosa, o epigrafado já publicou e distribuiu 26 livros, apelidados folhetos, cada qual registrando um fato, um sentimento, uma história, uma denúncia etc, mais vezes silenciados pelas conveniências da História Oficial.
Notem também que bem anterior à fundação da Academia Brasileira de Literatura de Cordel em 1988, sediada no Rio de Janeiro, Décio já escrevera e publicara, só Deus sabe como! Os 26 folhetos que já repartiu com os amigos, de rua em rua, onde vive e preambula como se fora um “errante”, “vadio” ou somente o Flâneur francês, que Walter Benjamim, após leitura de Charles Baudelaire, converteu em objeto de interesse acadêmico. Quem sabe, tão só um caminhante observador, o nosso tipo literário mais comum da cidade, impondo ser lembrado, reconhecido, admirado. Por que será que até Clio, a Deusa da História, que defende todas as artes e ciências, o teria esquecido? Vejam que ela nunca aceitou que nenhum viés de sua nobre função fosse esquecido?!
Além da influência dos pais, Décio foi orientado sobre rima com Universo José da Silva, esposa Vacilda Fernandes e Moisés José de Moura, filho do garimpeiro Purcino Moura, entusiasta e defensor da poesia popular. Aprendeu certa técnica do seu sagrado ofício e começou a observar os fatos do cotidiano, assim exprimindo os seus sentimentos poéticos na admirável Literatura de Cordel, de que Mineiros passou a fazer parte e a ter a sua história relatada em versos melodiosos, cadenciados, curiosamente sem estarem expostos nos barbantes como antigamente.
O brilhante, Drummond, reconhecido como um dos maiores poetas brasileiros do século XX, definiu, certa feita, a literatura de cordel:
“A poesia de cordel é uma das manifestações mais puras do espírito inventivo, do senso de humor e da capacidade crítica do povo brasileiro, em suas camadas modestas do interior. O poeta cordelista exprime com felicidade aquilo que seus companheiros de vida e de classe econômica sentem realmente. A espontaneidade e graça dessas criações fazem com que o leitor urbano, mais sofisticado, lhes dedique interesse, despertando ainda a pesquisa e análise de eruditos universitários. É esta, pois, uma poesia de confraternização social que alcança uma grande área de sensibilidade”.
Creio que os versos que transcrevo, se não bastasse os escritos em prosa, estão identificados com o lúcido pensamento de Drummond.
Em “Foi Erguida” – 27/06/1999
Não sou um telegrafista
Nem tão pouco um locutor,
Quero apenas fazer um relato
Mesmo não sendo um bom escritor,
Escrevo sobre uma casa de oração
Com todo o meu pequeno fulgor.
Essa casa de oração
Pelo Pastor Zizi foi erguida.
Foi levantada com dificuldade
Lá na oitava avenida,
Ajudante do Pastor Zizi
Era a sua esposa querida.
“Na Sala do Auditivo” – 25/12/2016
A doutora Cintia é de pequena estatura
É gentil “Paulistana”
Ela fez medicina em São Paulo
Com o Décio foi superbacana
Ela medica em Trindade-Goiás
E ressude nossa Goiânia.
Em “Os Rastros de Célia” – 2009
Então ouça Pastor Divino, e irmã Célia, da viola, ouça a imã Renata, que gosta de tocar flauta de taboca, que eu mesma faço, com muito e muita cautela ouça-me.
Me escuta nobre casal
O que eu quero falar,
Para vocês dois agora,
O que eu falo, é bom cada um guardar,
Nos corações de vocês dois,
Nessa hora que vou relatar.
“Minha Vida, Minha História, Mariana e Jhon” – 04/05/2018
O Antônio Ribeiro da Costa,
Também veio me dizendo,
Que a Mariana Ferreira,
Que é essa moça, que eu estou escrevendo,
“esse livro”, estava mais que bonita,
Ele todo calado, essa cena linda, ele estava vendo.
De “O Alvorecer de Jesus Cristo”
Um ano depois que o irmão
Da Nonata morreu,
A mãe deles ficou doente
A Nonata escutou com o próprio ouvido seu,
A mãe dela expressar dizendo firme e forte
Nessa hora “a alma de Nonata doeu”.
E ainda um pedaço do rico talento poético de Décio para o escriba e esposa, intitulado
“Um casal Bonito”
Decerto por causa da beleza da Chica.
Na feira da nossa cidade
Que é a nossa Mineiros Goiás,
Um casal já casados
Um a outro a cumprimentar
“esse casal é a dona Chica
E o doutor Martiniano que é especial para advogar.”
O doutor Martin da dona Chica
No seu jeito de expressar,
Com o cabelo dele parecendo um apóstolo
Essa é a maneira que gosto de narra,
A dona Chica perecendo a Santa Madalena
Ao esposo dela humildemente acompanhar.
Para esses senhor que gosta de escrever contos e poesias.
A dona Chica disse eu tenho umas pastas para utilizar,
Essas pastas o Martin usava
Se ele quisesse ela gostaria de doar,
O que escreve essa literatura pobre disse:
Eu aceito sim dona Chica, segunda feira eu irei buscar.
(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro do Movimento Negro Unificado (MNU), da Academia Goiana de Letras, IHGGO, UBEGO, Mestre em História Social pela UFG, professor universitário, articulista do DM (martinianojsilva@yahoo.com.br))
]]>