“Eu queria ser civilizado como os animais”
Diário da Manhã
Publicado em 4 de janeiro de 2018 às 22:37 | Atualizado há 7 anosEm minhas elucubrações sobre a vida, às vezes, fico imaginando o que ocorreria com o ser humano se todas as leis existentes fossem automaticamente revogadas? Chego a conclusão que a nossa condição de civilizados decorre de circunstâncias exógenas, por exemplo, as regras de condutas e os agentes de fiscalização do cumprimento dessas regras, ainda que cada ser humano carregue consigo a consciência do que é certo e do que é errado, do justo e do injusto, do bem e do mal. Observo o caos da sociedade potiguar convivendo com a greve da polícia, agentes encarregados de fazer cumprir as leis e punir os infratores. É uma excelente oportunidade para a reflexão que conduziu à minha conclusão de que, se todas as leis existentes fossem automaticamente revogadas, voltaríamos a viver, não igual, mas piores que animais em uma selva. Desejando possuir o que não lhe pertence? Toma do proprietário. Mais de uma pessoa deseja o mesmo item? O mais forte aniquila o mais fraco e desse item se apodera. Despertou o desejo pelo sexo oposto? Subjuga e satisfaz o lascivo. Por que pagar? Por que respeitar? Por que levar desaforo para casa? Já imaginaram o trânsito? Não podemos olvidar que as leis humanas estão estruturadas em leis naturais e essas de leis eternas. São Tomás de Aquino apresentou uma detalhada classificação dessas leis. O ser humano deveria ter conduta exemplar e irrepreensível no cumprimento das leis humanas, naturais e eternas e não somente pela possibilidade de fiscalização exterior, mas como consequência da centelha divina que carregamos em nós em harmonia com nossa consciência, igualmente Divina. Curioso é que nem mesmo a filosofia de agremiações gregárias a que pertencemos, nem mesmo os grupos religiosos, nos qualifica ou garante tenhamos no cumprimento da lei e na convivência em harmonia, a motivação de nossos atos, o que é lamentável, pois vivemos a “essência da forma” e não na “forma da essência”. Na vida natural primitiva, condicionada somente à natureza, a lei é do mais forte e a regra é a da convivência, sobreposta pela regra da sobrevivência, entretanto, livres da consciência e dos sentimentos humanos, na natureza a motivação é diversa. Se um predador voraz ataca o filhote indefeso de outra espécie, não tem como motivação a vingança ou a maldade, tudo faz parte e se enquadra dentro da mais perfeita harmonia universal. Mas o ser humano? No universo material, ao menos aquele delimitado por nosso conhecimento, o homem é dotado de consciência e de inteligência, das quais outras espécies são desprovidas, o que deveria proporcionar aos homens a convivência mais equilibrada e harmônica da face da Terra, mas não é isso que se observa. Subvertemos os ensinamentos filosóficos de São Tomas de Aquino e elegemos a lei positiva humana como a única precursora de nossas condutas, tendo como consequência o caos, em caso de levante dessas normas positivas, ou pelo menos a possibilidade de fiscalização. Talvez seja por isso que o rei Roberto Carlos, no refrão de um de seus sucessos do passado, apresentava sua aspiração de “querer ser civilizado como os animais”.
(Edson Veras, advogado trabalhista, sub-procurador estadual do Grande Oriente do Brasil-Goiás, membro do Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo – Coetrae/GO)
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