Finalmente
Diário da Manhã
Publicado em 30 de agosto de 2018 às 23:27 | Atualizado há 6 anosFinalmente desesperaste amigo.
Antes, porém, que a aflição te aninhasse na alma, muitas foram as advertências que, primeiramente, te buscaram a consciência.
Enquanto te entregavas às extravagancias, sugestões prudentes te alertavam do perigo. Entretanto, rias e debochavas de tudo. Querias, mesmo, era continuar gozando a vida, em todos os seus lances de ventura, alheio, completo, à transformação necessária.
Enquanto te esbaldavas, inconsequente, bebericando e comentando futilidades sem conta, urtigando, com palavras impensadas, a vida do próximo, advertências te chegavam à alma, através de amigos bondosos, ou de lições atuais, que te surgiam aos olhos. No entanto, rias dos lúcidos conceitos e continuavas à sombra do teu comodismo, a viver segundo os teus impulsos.
E quando pequeninas perturbações te experimentavam o espírito, concitando-te à meditação e à prudência, houve mesmo quem se aproximasse de ti, estendendo-te o remédio do entendimento, buscando sanar, do teu “eu”, as espessas trevas que nele há. Então, porque te encontravas aflito, ouvias em silêncio os preceitos de luz, e não mais rias. Nem debochavas.
Mas porque as bênçãos de Deus, distendidas a ti pela dedicação de amigos e parentes, te aliviavam os padecimentos, voltavas aos teus arroubos milenares, satisfazendo os teus caprichos e dando larga aos teus defeitos, contraindo débitos incontáveis com a tua consciência, sempre indiferente aos conclames de retidão que, bilhões de vezes — te ilustraram o pensamento.
Agora, finalmente, aumentando os teus sofrimentos, e sentindo debalde o amparo de amigos, porque não fizeste por onde merecê-los, compreendeste que tudo dependia de ti mesmo, mas frágil e incapaz de lutares sozinho, em detrimento dos teus impulsos infelizes, então, amigo, te desesperaste!
Falta de advertência não foi. Mil vozes fraternas te falaram do precipício, tentando te mostrar a estrada reta — que conduz à vida.
Falta de entendimento da tua parte não foi. Mil vezes a tua genialidade construiu ardis, com espantosa habilidade, vencendo a todos os teus adversários, com escusos processos. Bem poderias ter utilizado, para o bem, a tua inteligência.
Agora desesperaste. Ótimo!
“Deus escreve certo em linhas tortas”. E faz com que o culpado estabeleça a sua própria sentença, pois deixa que a consciência de cada um julgue a cada qual segundo as suas obras. Aí é que funcionam as advertências: “quem com ferro fere, com ferro será ferido”. “Quem planta, colhe”, tudo o que se faz a outrem é a si mesmo que o faz. Portanto, o delituoso é punido com as próprias armas.
O Supremo Juiz não castiga ninguém. A criatura é que castiga a si mesma: “se semeia vento, é justo que tempestade colha”, sofrendo as consequências de todos os seus erros tal como gozaria a ventura, se ventura houvesse plantado, segundo a lei de causa e efeito.
Desesperaste amigo. Estou satisfeito: finalmente te vejo lutando contigo mesmo, tentando eliminar “o homem velho que és para que te revistas com o homem novo que deves ser”, rogando, para tanto, o amparo certo que vem de Deus.
Se não tivesse sido abordado pela Dor cruciante porque passas, não estarias, tal como te vejo agora, a recorrer à Providencia do Alto, através de apelos sinceros, estudando os preceitos do Grande Mestre, para o teu soerguimento espiritual, salvando-te a ti mesmo, uma vez que ninguém — a não seres tu próprio podia te salvar, pois cada um já trás, sobre os ombros, a própria cruz.
Só a Dor aprimora o homem. Só ela fá-lo raciocinar. Só ela fá-lo humilhar-se e voltar, a Deus, o seu coração, eliminando, assim, o seu orgulho, destruindo, finalmente, o seu “eu” inferior, para que lhe vibre, somente, o seu “eu” superior.
Bem aventurados, pois os aflitos, os que choram, e os que buscam, porque — buscando, acharão, e chorando, serão consolados…
(Iron Junqueira, escritor)
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