Homossexualidade é doença? (artigo V)
Diário da Manhã
Publicado em 13 de janeiro de 2018 às 21:43 | Atualizado há 7 anosDamos aqui continuidade à discussão sobre o tema da homossexualidade e doença, que já temos feito há 4 domingos ( artigos disponíveis em impresso.dm.com.br ). O sofrimento causado pela doença é diferente daquele sofrimento causado pelo “livre-arbítrio”. Uma coisa é eu estar sofrendo porque minha “poligamia natural” me empurra para trair minha esposa e filhos, outra coisa é eu sofrer porque não consigo refrear este instinto por causa de alguma disfunção biológica. O “instinto da poligamia natural” pode ser vencido pelo amor, pelas regras sociais, pela convivência salutar num ambiente de trabalho. O “instinto hipersexual” patológico está além das capacidades cognitivas/volitivas do doente. As “regras sociais” existem , e são “sociais”, exatamente porque podem ser “obedecidas” pelos cérebros de pessoas normais. Quem trai a esposa com outra, prejudicando a família, e consegue fazer isso “escondido”, não é um hiperssexual patológico. O patológico é aquele que, apesar de todos os prejuízos, apesar de ser descoberto, apesar de fazer à luz do dia, de modo compulsivo, se auto e hetero-prejudicando, não consegue fazer diferente, não tem o livre-arbítrio, não tem a “liberdade de escolha”. No entanto, como já foi especificado acima, mesmo este “instinto poligâmico natural”, quando excercido de forma continuada, indiscriminada, ou quando fortalecido pelo processo da senescência ( envelhecimento ) , ou por outra alteração fisiológica cerebral, pode vir a patologizar-se , virar uma compulsão, um “vício irrefreável”. Assim como aquela pessoa que , de início, bebe todos os dias por puro prazer , mas que acaba tornando-se um alcoólatra porque o cérebro moldou-se a acostumou-se patologicamente ao vício. Substâncias neuroquímicas cerebrais repetidas, continuadas, podem mudar a própria estrutura anatômica das células, e é onde o hábito vira doença. Quanto ao critério de “doença por estar sofrendo”, isto não vale em psiquiatria. Na maioria das doenças psiquiátricas graves, aproximadamente 80% dos pacientes simplesmente não sofrem com isso. Em alguns casos, como na mania bipolar, o paciente , inclusive, sente-se “tão bem quanto nunca”. Em casos de paranóia querelante-reinvindicatória-erotomaníaca, o paciente simplesmente sente-se “correto”, “injustiçado”, “discriminado”, mas jamais doente. Como já dito acima, muitas crianças passam por um período “homossexual normal”, no qual a incidência dos hormônios, a incidência da excitação genital, não é acompanhada de uma “maturidade sexual” suficiente para fazê-los dirigirem-se a uma pessoa do sexo oposto. Ou seja, ao desejo genésico , falta aquele componente “psicológico” da sexualidade, p.ex., ir em busca de uma garota meiga, gentil, doce, passiva, complacente, receptiva, frágil, etc. Muitas pessoas podem ficar “presas” neste momento de sua evolução psicossexual, e isso acontece com muitos pedófilos, que preferem o sexo com crianças. Mesmo muitos homossexuais adultos sentem-se, de alguma forma, excitados pelos momentos homossexuais que compartilharam na infância. Estudos neuroanatômico-funcionais têm apontado para alterações biológicas nos casos de pedofilia, e talvez isso explique a “parada do desenvolvimento” nessa fase da evolução psicossexual. Por outro lado, fatores psicológicos, sociais, familiares, podem interferir nesse desenvolvimento, p.ex., uma de nossas pacientes que sentia-se atraída também por homens, mas optou pelo lesbianismo porque sentia o pai como truculento, incestuoso ( “não precisa me esconder sua bundinha” ), rejeitante, “nojento”, e também porque havia sofrido agressão sexual por parte de um ex-namorado. Assim como existe esta “homossexualidade mais funcional”, essa dos adolescentes, ou essa de nossa paciente lésbica, há, provavelmente, uma outra homossexualidade mais biológica, aquela na qual o neuroanatomista LeVay ( ele mesmo homossexual ) achou alterações cerebrais nas regiões da sexualidade. Em alguns de nossos pacientes transsexuais, também bipolares ( há uma agregação importante de transtornos do humor com essa situação homossexual ) , encontramos as alterações especificadas por LeVay na região do hipotálamo, uma região do diencéfalo também relacionada à regulação e desregulação da hormia e da timia ( humor e élan vital ). A contaminação ideológica pela qual atravessa a ciência, aqui no caso a psiquiatria, confunde enormemente as coisas. Por exemplo, para as modernas classificações de doenças, não seria “doente” aquele sádico que prefere enfiar uma faca num masoquista, no momento do ato sexual, desde que os dois estejam de acordo com o ato. O “moralmente correto” faz com que algo que seria claramente patológico torne-se “apenas uma variação voluntária do que é normal” : preferir causar ou sofrer dor do que relacionar-se sexualmente; mutilar alguém gravemente, ou ser mutilado gravemente; tomar aquilo que deveria ser apenas uma parte da relação sexual ( “joguinhos de dominação/submissão”) como se estes fossem o “todo” da relação sexual ; deixar de levar o outro como um “ser total” para transformá-lo apenas num “objeto de própria dor”, ou de “infligir dor”. A dor, moderada, sofrida ou infligida, na relação sexual, de algo “fisiológico”, transforma-se, nesse caso, em algo intenso, exclusivo, compulsivo, totalitário, levando, assim, a auto-destruição ou à hetero-destruição daquele objeto que deveria ser amado. Não é por ser consensual ( um critério “político” ) que o ato deixa de ser patológico ( um critério médico ). Confusão de planos. A se pensar assim, o próprio ato pedofílico deixa de ser “anormal” se a “criança consentir”. Fazer isso é trabalhar na direção da patologia, pois é exatamente assim que o pedófilo pensa : “a criança quis isso”, “a criança gosta disso”. Com este artigo damos por finalizada esta série sobre a questão homossexual e a doença.
(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra ( hospitalasmi[email protected]))
]]>