Impressões de viagens Capri e Anacapri
Redação
Publicado em 11 de agosto de 2015 às 21:49 | Atualizado há 9 anos“Vagão, leva-me contigo! Navio, carrega-me daqui!
Leva-me para longe, bem longe.
Aqui a lama é feita das nossas lágrimas!”
(Baudelaire)
Já havíamos, Marília e eu, visitado a Itália, porém, não fomos a Capri e Anacapri.
Nas vezes anteriores os nossos roteiros não foram favoráveis e acabamos por desistir; desta vez, no entanto, estava decidido, iríamos!
Antes de iniciarmos esta viagem relemos, aqui em casa, o famoso livro de Axel Munthe: O livro de San Michele. Portanto, já conhecíamos aquela ilha, até com detalhes.
Alugamos um carro em Roma e dali partimos, utilizando uma autoestrada confortável e muito segura, com destino à ilha que no começo de século XX serviu de refúgio ao famoso médico e pensador sueco Axel Munthe.
Com menos de 3 horas de viagem deparamos com a cidade de Nápoles, dominada pelo Monte Vesúvio; dali, até a ilha de Capri, utilizamos uma embarcação denominada “alliscaphe” que rompe as águas do mar em uma velocidade incrível, em vôo rasante.
Desembarcamos no porto (Marina Maior) já com uma sensação indescritível de realização pessoal; aportamos na ilha que foi residência de verão de dois imperadores romanos: César Augusto no ano 29 A.C. e Tibério, que ali residiu dos anos 27 a 37 da nossa era.
Vários táxis estacionados, um barulho ensurdecedor provocado pela discussão dos motoristas, cada um tentando ser mais simpático do que o outro, oferecendo, ao mesmo tempo, o “melhor” serviço turístico da ilha; fomos praticamente empurrados para dentro de uma viatura com capacidade para seis pessoas, além das bagagens.
O ambiente era de festa; permaneci, antes de embarcar, mais alguns minutos olhando para aquelas montanhas; parecia que via Axel Munthe subindo aquelas escadas intermináveis (cerca de 780 degraus) para atingir a antiga porta de Anacapri onde se encontra San Michele; tive a sensação de ouvir o grito de “Maria Porta Lettere” puxando a sua cabra por aqueles caminhos, entregando a correspondência para os moradores.
Hoje as escadas foram substituídas por uma estrada pavimentada e tortuosa; da “Maria Porta Lettere” só restou a lembrança do que Axel Munthe deixou escrito.
Optamos pelo carro do Senhor Humberto, falante como todo italiano; querendo mostrar serviço à menor instigação, dando-nos detalhes de cada acidente geográfico em toda curva da estrada; cada vez que gesticulava, e fazia isto muitas vezes, soltava ambas as mãos do volante, dando-nos uma sensação incrível de insegurança em toda curva mais fechada.
À medida que subíamos, descortinava-se uma paisagem cada vez mais surpreendente; o azul do mar Tirreno, contrastando com o verde das montanhas, deixavam-nos marcas que resistirão o perpassar dos tempos.
Quando atingimos o centro de Capri já havíamos recebido um manancial de informações acerca de tudo sobre a ilha, desde onde viveu Tibério, inclusive com detalhes das festas pecaminosas que aquele Imperador costumava realizar até onde se localiza a igreja em que Axel Munthe costumava rezar.
Sentíamos que o senhor Humberto dava-nos estas informações com tanta satisfação pessoal, parecendo ser ele o protagonista daqueles acontecimentos; sentia-se orgulhoso de ter nascido naquela ilha tão famosa.
Daqui para frente, sentenciou o falante motorista, deixo-os e quando chegarem ao hotel, já encontrarão suas bagagens aguardando-os!
A procura do hotel fizemos a pé, pela impossibilidade de circular automóvel na zona mais central da cidade, pelo acúmulo inacreditável de pessoas, mas, também, e principalmente, pelo fato das ruas serem estreitas.Acho, no entanto, que a razão principal é levar os turistas, em andando por aquelas ruas tão alegres e tão floridas, se apaixonarem, definitivamente por Capri.
Sente-se uma sensação tão agradável da vida, uma vontade de que aquelas horas não passem, que a procura do hotel torne-se bem difícil para aproveitar-se, ao máximo possível, daquelas alamedas, de ouvir e ver uma multidão de italianos queimados pelo sol, conversando alto e gesticulando, todos ao mesmo tempo.
Chegamos ao hotel La Vega, onde fomos recebidos com cordialidade e carinho, o calor, àquela hora, estava sendo substituído por uma brisa agradável e amiga que o mar Tirreno nos presenteava.
Jantamos em um restaurante situado nas imediações do hotel, degustamos um delicioso risoto de camarão, acompanhado pelo vinho Montepulciano d’abruzzo, que havíamos adquirido no caminho, ao passarmos próximo da região vinícola de Abruzzi; todos os nossos assuntos versavam em torno da indescritível felicidade de estarmos sentados ali, naquela hora.
Voltamos para o hotel discutindo no caminho a programação a ser cumprida no dia seguinte; gostaríamos de multiplicar o tempo disponível por um coeficiente de expectativa; sabíamos que não conseguiríamos ver tudo que desejávamos em um único dia, precisávamos dormir cedo para despertarmos cedo.
No entanto, naquela noite, Marília, José Paulo nosso filho, e eu, não conseguimos dormir! Sentamos, os três, na varanda do apartamento, vimos a madrugada chegar e praticamente o dia nascer.
A visão da paisagem à nossa frente deixou-nos praticamente sem ação. A lua, saindo por “debaixo” do Tirreno, clareando as montanhas que formavam vales, todos floridos, dava-nos tal sensação de encantamento que decidimos, tacitamente, que não iríamos perder aquele espetáculo inusitado que a natureza havia reservado para nós três naquela noite.
Concluímos que se não aproveitássemos aquele momento, dificilmente teríamos a oportunidade de recriá-lo em outra oportunidade; solicitamos uma garrafa de um bom vinho; cada gole descia pela garganta com uma suavidade que não se consegue exprimir com palavras.
O Mar Mediterrâneo, que ali formou o mar Tirreno, é de cor azul celeste durante o dia, porém, sob o reflexo da luz das estrelas, adquire coloração mais escura; ao longe visualizamos uma luz movendo-se sobre a sua superfície: deve ser um pescador que já se levantou para cuidar da sua vida ou uma embarcação trazendo Tibério para o seu repouso?
Dia seguinte reiniciamos nossas andanças pela ilha; cedo o senhor Humberto já nos aguardava; viu-nos de longe, acenando com insistência e hilaridade, mostrando-nos algo embrulhado em um jornal.
– Trouxe-lhes um “vino” que vocês nunca hão de esquecer, fábrica própria da nossa família!
Axel Munthe deve ter sentido a mesma sensação que sentíamos agora, quando ele, praticamente ao aportar na ilha pela primeira vez, recebeu do padre Dom Dionísio uma garrafa do vinho “Capri Bianco”: sensação de fraternidade universal!
O espaço não permite que lhes conte sobre a vila de San Michele, casa de Axel Munthe, localizada em Anacapri; fica para outra vez!
(Hélio Moreira, membro da Academia Goiana de Letras, Academia Goiana de Medicina, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás)
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