Opinião

In illo tempore – A percepção de temporalidade

Diário da Manhã

Publicado em 1 de outubro de 2016 às 02:42 | Atualizado há 8 anos

“Era uma vez em um reino mágico distante… “Quantas histórias de nossa infância não tinham este início? Bela Adormecida nos bosques, Pinóquio, Pedro e o Lobo… Trata-se de uma característica da narrativa dos contos de fada hoje cultuadas e usadas pelas mídias, da televisão ao cinema. “Era uma vez” eram as palavras mágicas para que se abrisse a imaginação, o desdobramento da percepção, a projeção. Da oralidade à palavra escrita, na qual nos tornamos viajantes, turistas, introjetando o mítico na vida psíquica.

História boa, uma boa narrativa envolve a capacidade de um leitor ou ouvinte de participar, ter empatia, interagir, sentir a emoção alheia como se esta fosse a sua própria emoção. Nas terras “distantes” do imaginário não distinguimos bem fantasia e realidade. Ambas fazem parte do mundo, as duas metades de um universo indivisível. Por isso adoramos contos, novelas, filmes, matérias culturais, letras de música, ficção científica, seriados, dramas humanos desdobrados e agenciados pela sociedade em vários meios e formas de manifestação cultural.

A percepção psíquica de tempo e espaço é desafiada pelo imaginário. Ponto para a teoria da relatividade. Todavia, na era do virtual, o desdobramento entre as manifestações do real se contrapondo ao virtual tornam a vida humana um paradoxo. Hoje em dia é difícil e confuso falar de realidade. Qual o norte desta bússola?

A vivência do virtual agencia a realidade como manifestação concreta e objetiva. Hoje falamos de vida virtual, “second life”, como se fosse real. E novamente, pelo mecanismo de projeção psíquica, vivemos a vida em uma tela.

Passamos com facilidade de 4 a 8 horas na frente de um PC. Trabalhando, nos divertindo, matando a curiosidade, lendo este artigo, paquerando, enfim até a religião está projetada nas mídias.

Não é de se estranhar que nesse cenário sociocultural o conceito de ansiedade se desdobre, tornando-se comum. Embora o lado mítico seja necessário à vida psíquica, a imersão neste estado pode ser catastrófica, gerando alienação, apatia, psicose, fuga da realidade, problemas de ordem afetiva, quebra da sociabilidade. Tem muita gente trocando beijo na boca pelo MSN. Vivendo longe da realidade, na fantasia, na ilusão do mercado de consumo, tentando alugar um palácio nas terras mágicas do faz de conta.

A dificuldade em se gerenciar tempo e espaço, fantasia e realidade, tem sido um dos cenários mais comuns nos dias atuais. Um ponto convergente na vida social. Diariamente vejo isto em meu consultório. E o resultado são os transtornos de ansiedade. Pudera: como estar inteiro num mundo mágico? Como adequar instinto e vida psíquica? Como delirar e alucinar sem enlouquecer? Como administrar a realidade e o virtual na mesma proporção?

 

(Jorge Antonio Monteiro de Lima, analista, pesquisador em saúde mental, psicólogo)

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