Independentes alimentam cinema e realizam Quinzena em Cannes
Diário da Manhã
Publicado em 29 de março de 2017 às 02:41 | Atualizado há 8 anos“Estou cansando de viver, tenho medo de morrer, não tenho mais amor pelo cinema e tenho vergonha de ser francês”. Assim o consagrado ator francês Gérard Depardieu expressou-se no palco da Quinzena dos Realizadores, no ano passado, em Cannes. Foi aplaudido por todos, entre risos e gargalhadas. Ele subiu ao palco para promover o filme “Tour de France”, uma produção quase independente. A Quinzena dos Realizadores é uma mostra de cinema paralela ao Festival de Cannes, nascida em 1969, no calor do agrupamento de cineastas dentro de uma associação (Sociedades dos Realizadores de Filmes).
A mostra se distingue pela sua liberdade de espírito, não possuindo caráter competitivo, apresentando também uma abertura para os expectadores não profissionais que frequentam o festival. Nasceu influenciada pelos acontecimentos do ano que não queria terminar, o famoso 68 dos protestos estudantis que a partir da França alastraram-se pelo mundo. Foi criada com o objetivo de descobrir filmes e diretores a princípio fora do circuito de grandes festivais internacionais e grandes redes de distribuição.
A 49ª edição acontece de 18 a 28 de maio de 2017 em Cannes. Depois ela promove outras mostras dos filmes selecionados em importantes cidades como Marselha, Paris, Genebra, Roma, Milão, Florença e Bruxelas. No dia 25 de abril os organizadores anunciam os filmes selecionados.
A seleção da Quinzena, através dos anos, revelou nomes como George Lucas, Ken Loack, os irmãos Dardenne, Michael Haneke e Spike Lee, entre outros, quase todos depois premiados também no oficial Festival de Cannes.
Mesmo com os protestos violentos que dominavam a França, o Festival de Cannes de 1968 chegou a começar. Mas os cineastas Jean-Luc Godard, François Truffaut, Milos Forman e Claude Lelouch invadiram o Palácio onde deveriam ser projetados os filmes e obrigaram o diretor do festival a anular o evento daquele ano, em solidariedade aos estudantes.
Os cineastas apresentaram uma pauta de exigências incluindo o fim dos trajes formais nas solenidades do festival e uma votação dos melhores filmes também pela plateia, entre outras. Algumas das reivindicaçoes foram aceitas, mas mesmo assim eles resolveram criar a Quinzena dos Realizadores como alternativa ao que denunciaram como “censura e manipulação por parte dos organizadores” do Festival de Cannes.
O diretor atual da Quinzena dos Realizadores é o crítico de cinema Édouard Waintrop, que durante 26 anos escreveu sobre cinema no jornal Libération. Ao longo dos anos a mostra que nasceu para contestar acabou por se adequar a uma convivência em harmonia com o Festival de Cannes, colaborando para que a cidade tenha se firmado como capital da sétima arte na Europa.
Nos principais países é o cinema independente que alimenta o circuito oficial, produzindo obras afinal incorporadas ao mercado e aos acervos. Mesmo nos EUA existem centenas de festivais independentes e até mesmo canais de TV especializados nos “alternativos”. Produto caro, que exige grande equipe na produção e todo um sistema de lançamento que inclui publicidade e distribuição, um filme acontece através de diversas etapas.
Os países mais avançados possuem mecanismos de apoio à produção local, eis que um filme funciona como vitrine para vendas desde destinações turísticas até produtos e conceitos. Além dos festivais, e às vezes inseridos neles, existem oficinas para produção de roteiros, feiras e espaços para busca de apoios e patrocínios às produções. Grande parte das cidades dos países desenvolvidos possui comissões para atrair e servir como cenários de filmes, oferecendo facilidades ou procurando desburocratizar necessidades operacionais dos produtores.
A França realiza uma cerimônia anual para oficializar a escolha dos melhores do cinema francês, com a entrega do troféu chamado “César”. Não tem, claro, a mesma repercussão internacional que o “Oscar” norte-americano. Os franceses comemoram que em 2016 foram vendidos cerca de 213 milhões de ingressos para as salas de cinema, o que significa uma média de quatro por habitante. Foi o segundo melhor ano depois nas duas décadas passadas, o primeiro lugar na Europa e o terceiro no mercado mundial. Na semana passada levantamentos indicaram que o Brasil, por exemplo, voltou a fazer parte dos dez primeiros mercados de cinema no mundo. Os dados indicam que apesar dos DVDs, dos canais de TV, das redes sociais, a mágica da sala escura continua operando e correspondendo às expectativas onde todo um sistema trabalha para isto.
Como exemplo deste sistema, na terceira semana de março acontece todo ano a Primavera do Cinema na França, com ingressos ao preço de um terço do que é cobrado normalmente, durante três dias. O que colabora para cultivar a cultura da frequência às salas. Nada acontece por acaso.
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