Opinião

INDULTO DE NATAL

Diário da Manhã

Publicado em 19 de dezembro de 2015 às 22:08 | Atualizado há 4 dias

José Fernandes

NATAL

Estou Natal e vejo o mundo recomeçar

nesse fim de mundo em que o menino

olha do fundo da manjedoura os burros

e seus pecados sempre renovados.

Pisando sobre a maçã, ele redime a serpente

fantasiada de Eva com tentações tantas repetidas

pela mensagem de um fim que deveria ser

começo.

Estou Natal e vejo esse mundo esquecer-se

de que tudo começa com o sopro do menino

nas vacas que pastam a manjedoura pensando

o saber do tempo.

Estou Natal e ouço as trombetas anunciarem

um novo tempo aos jumentos que enxergam

apenas os resultados de sua jumenta sabedoria

que os leva a imaginarem-se eternos

não pela força do espírito, mas pela quantidade

da imagem e dos números multiplicando

sete vezes sete a máquina do tempo e suas novas

serpentes.

Mas, como estou Natal, renasço novo velho

de alma e espírito no desejo de que o menino

cresça em cada homem o humano de homem

em sua travessia de tudo e nada ou de nada

e tudo.

 

 

NATAL

Não erre o horário.

A janela está aberta.

O vento é forte, claro o luar.

A noite adormece

na canção dos sinos.

 

Não quero a injustiça

dos sonhos das crianças.

A oferta é pouca

E os sapatos

estão limpos e brilhantes.

A glória noturna á falsa

apenas um estranho na festa:

Jesus Cristo

– pastor das estrelas luminosas.

 

RENASCIMENTO

Volta a estrela,

florejam gestos

e no abraço da prece

restos de riSOS

com marcas da veste

do Cristo que chega.

 

Sonhos se alongam,

o Menino renasce

em rostos sem nomes,

em rastros descalços

de cristos-meninos

cristos com fome.

 

Maria Helena Cheim

REFAZENDO O NATAL

Há um Menino acordado

olhando o mundo: é natal

[…]

Bebo-te em Teu nascer,

para que eu nunca

Te deixe ou Te crucifique.”

 

Aidenor Aires

DÓI ESTE NATAL

Dói este natal vizinho à morte.

E dos vinhos que bebem

escorre a baba para a terra.

O natal não é festa para os sós,

grandes ruídos alarmam as almas exiladas.

Os homens se esquecem falando com Deus

ao pé de si mesmos embriagados.

O que está só porém não teme a morte,

anda pelos seus jardins e hortos ermos,

depois se enrosca entre a poeira e dorme

com sua flor de revolta,

estrela enorme.

 

Edival Lourenço

NATAL DOS VENDILHÕES

Viestes revogar os desvios

Dos escarpados e abismos

Redimir-nos das sombras

Apontar-nos caminhos

Luzeiros, nuvens e glórias.

 

Suspeitamos, vós sabeis,

O propósito se frustrou:

Perigamos retroceder

Ao choco sopro do Senhor.

 

Acaso nos abandonastes?

Ou teríeis encontrado

Terreno mais propício

Para vossas sementes?

 

Andais assoberbado,

Pelos incontáveis planetas

(Bolhas de sabão ao vento)

Onde infinitamente repetis

Vosso auto de tormento?

 

Ainda assim, menino-Deus,

Vossos pios olhos volvei

A este planetinha suicida,

Antes que de vez sucumbe

De ponta-cabeça no pântano

De seus próprios estrumes.

 

Uma vez mais suplicamos:

Quando volverdes os olhos,

Volvei com indulto de natal

Pois vossa lição esmoreceu,

Perante nossa frivolidade.

 

Poupai-nos de vossa ira,

De vosso racumim atômico,

De cataclismos e petelecos,

Ao verdes que em toda parte

Vosso natalício foi apossado

Pelos vendilhões do templo.

 

 

NATAL

Também sei de uma paisagem

onde há carneiros de lã

e árvores cheias de folhas

e muitas estrelas líquidas

e onde a vida não tem nome

nem tem neve, nem crepúsculo.

 

Também sei de uma paisagem

(além da terra do mundo)

que se abre como uma rosa

– Ali nasceremos todos

noutro cartão de natal.

 

 

 

A página Oficina Poética, criada e organizada pela escritora, acadêmica Elizabeth Abreu Caldeira Brito, é publicada aos domingos no Diário da Manhã. Esta é a 199ª edição (desde 08/01/2012). [email protected]

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