Opinião

Jesus e a natureza íntima de Deus

Diário da Manhã

Publicado em 22 de novembro de 2015 às 00:37 | Atualizado há 9 anos

“Nada posso fazer de mim mesmo. Julgo segundo o que ouço, e o meu juízo é justo, porque não procuro a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou.

Se eu der testemunho de mim mesmo, o meu testemunho não será verdadeiro; mas há outro que dá testemunho de mim, e sei que é verdadeiro o testemunho que ele dá de mim.

Vós enviastes emissários a João e ele deu testemunho da verdade. Eu, porém, não dependo do testemunho de um homem, mas digo isto para que sejais salvos.

Ele era a lâmpada ardente e brilhante, e vós quisestes vos alegrar, por um momento, com sua luz. Eu, porém, tenho um testemunho maior que o de João: são as obras que o meu Pai me encarregou de consumar. E essas obras que eu faço testemunham que o Pai me enviou.

O Pai que me enviou também dá testemunho de mim. Jamais ouvistes a sua voz, nem vistes a sua face, e sua palavra não permanece em vós porque não credes naquele que ele enviou.

Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna. São elas que dão testemunho de mim e não quereis vir a mim para terdes a vida. Não recebo a glória que vem dos homens. Mas eu vos conheço e sei que não tendes em vós o amor de Deus. Vim em nome de meu Pai e não me recebeis; se vier outro em seu próprio nome o recebereis.

Como podereis crer, vós que recebeis glória uns dos outros e não procurais a glória que vem do Deus único?

Não penseis que vos acusarei diante do Pai; quem vos acusa é Moisés, em quem pusestes a vossa esperança. Pois se crêsseis em Moisés, teríeis fé também em mim, porque ele escreveu a meu respeito. Mas se não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas palavras?”  (Evangelho de João, cap. 5, vv. 30 a 47).

Depois disso, Jesus percorria a Galileia, não querendo circular pela Judéia, porque os judeus procuravam matá-lo.  (Evangelho de João, cap. 7, v.1).

Durante a Festa da Páscoa, ainda no Templo de Jerusalém, Jesus prossegue a demonstrar a sua perfeita sintonia com Deus. Como fazia habitualmente, o Mestre usa de uma linguagem figurativa para facilitar o entendimento dos que o ouviam. Contudo, a sua mensagem incomodaria ainda mais os religiosos do seus tempo, ao ponto de desejarem matá-lo, forçando-o a evitar a Judeia. Nesta segunda parte do seu discurso, Jesus revela e reforça sublimes verdades para que compreendamos ainda mais a natureza do seu vínculo com o Pai.

Inicialmente, o divino Rabi evidencia que veio em missão para cumprir fielmente a vontade de Deus e não a sua, demonstrando a existência do seu livre-arbítrio. Jesus alcançou elevado nível perfeição espiritual que o mantém em perfeita sintonia com os desígnios de Deus. O Messias demonstra que a sua força, os seus conhecimentos, o seu amor e a sua sabedoria provêm de uma permanente convivência com o Criador. O Mestre adquiriu condições evolutivas suficientes para ser um modelo espiritual da vontade de Deus.

O divino Amigo também explana a respeito dos testemunhos quanto à natureza de sua missão. Ele elucida que o seu testemunho diante de sua missão, sem a autorização do Pai, não é verdadeiro. Até mesmo o testemunho de João Batista ocorreu segundo a vontade de Deus. Jesus ainda esclarece que o seu maior testemunho são as suas obras, sempre autorizadas por Deus, confirmando ser um emissário do Pai. Ninguém pode curar milhões de enfermos, portadores de diversos tipos de enfermidades, obter pleno domínio sobre todos os elementos da Natureza material e da Natureza espiritual, ser portador de muitos conhecimentos, de elevada sabedoria, de infinita compaixão e de incomensurável amor, se não estiver em perfeita comunhão com Deus.

Nesse episódio, Jesus, ao realçar e reconhecer os testemunhos de João Batista, assevera: “Vós enviastes emissários a João e ele deu testemunho da verdade”. Contudo, o Mestre considerou que a salvação não depende do testemunho de outrem, mas de uma consciência pacificada pelo cumprimento do dever, o que representa o testemunho de Deus.

Devido a incredulidade dos seus ouvintes, o Mestre aprofunda a sua mensagem, ao considerar a distância entre os seus interlocutores e Deus: “Jamais ouvistes a sua voz, nem vistes a sua face, e sua palavra não permanece em vós porque não credes naquele que ele enviou”. Se aqueles homens incrédulos não acreditavam no teor divino de tantos sinais operados por Jesus, como poderiam conhecer a face  ou a natureza de Deus?

A respeito da natureza íntima de Deus, Allan Kardec, em sua obra O Livro dos Espíritos, no item Atributos da divindade, perguntas de 10 a 13, ed. FEB, indaga aos espíritos superiores e obtém as seguintes respostas:

“10. Pode o homem compreender a natureza íntima de Deus?

“Não; falta-lhe para isso o sentido”.

  1. Será dado um dia ao homem compreender o mistério da Divindade?

“Quando não mais tiver o espírito obscurecido pela matéria. Quando, pela sua perfeição, se houver aproximado de Deus, ele o verá e compreenderá”.

A inferioridade das faculdades do homem não lhe permite compreender a natureza íntima de Deus. Na infância da Humanidade, o homem O confunde muitas vezes com a criatura, cujas imperfeições lhe atribui; mas, à medida que nele se desenvolve o senso moral, seu pensamento penetra melhor no âmago das coisas; então, faz ideia mais justa da Divindade e, ainda que sempre incompleta, mais conforme à sã razão.

  1. Embora não possamos compreender a natureza íntima de Deus, podemos formar ideia de algumas de Suas perfeições?

“De algumas, sim. O homem as compreende melhor à proporção que se eleva acima da matéria. Entrevê-as pelo pensamento”.

  1. Quando dizemos que Deus é eterno, infinito, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom, temos ideia completa de Seus atributos?

“Do vosso ponto de vista, sim, porque credes abranger tudo. Sabei, porém, que há coisas que estão acima da inteligência do homem mais inteligente, as quais a vossa linguagem, restrita às vossas ideias e sensações, não tem meios de exprimir. A razão, com efeito, vos diz que Deus deve possuir em grau supremo essas perfeições, porquanto, se uma

Lhe faltasse, ou não fosse infinita, já Ele não seria superior a tudo, não seria, por conseguinte, Deus. Para estar acima de todas as coisas, Deus tem que se achar isento de qualquer vicissitude e de qualquer das imperfeições que a imaginação possa conceber”.”

Jesus foi e é um exemplo de espírito perfeito que conhece a natureza íntima de Deus. Ele censura aqueles que examinam as escrituras em busca de “vida eterna”, isto é, de sabedoria, mas não compreendem que elas preconizam a sua vinda, preparando várias gerações para a compreensão dos seus exemplos e ensinamentos.

O Messias, no entanto, conhecia a sociedade do seu tempo e por isso nunca esperou a glória ou o reconhecimento dos homens, que não amavam a Deus e sim o personalismo dos religiosos do seu tempo.

O Mestre também reafirma que não veio em seu próprio nome e sim em nome do Pai e por isso não foi bem recebido. Nesse sentido, ele censura o vício do personalismo social: “Como podereis crer, vós que recebeis glória uns dos outros e não procurais a glória que vem do Deus único?” Isso, porque a glória que vem de Deus, não raras vezes, ocorre na intimidade da consciência por meio de vitórias morais distantes dos aplausos e das honrarias do mundo. São vitórias ocultas que fazem do espírito um herói de sua evolução intelecto-moral.

O Messias ainda explica a razão dos judeus não acreditarem em suas palavras, pois na intimidade dos seus corações não havia real adoração a Deus.

Jesus mais uma vez censura a incredulidade dos judeus do seu tempo diante dos preceitos de Moisés. O que relembra a indignação do Grande Legislador quando viu um bezerro de ouro sendo adorado pelo povo que ele libertou da escravidão egípcia (Êxodo, 32:19-20):

“Chegando ele ao arraial e vendo o bezerro e as danças, acendeu-se-lhe a ira, e ele arremessou das mãos as tábuas, e as despedaçou ao pé do monte. Então tomou o bezerro que tinham feito, e queimou-o no fogo; e, moendo-o até que se tornou em pó, o espargiu sobre a água, e deu-o a beber aos filhos de Israel.”

Jesus padeceu das mesmas incompreensões sofridas por Moisés e os profetas. Porém, diante da incredulidade dos judeus de Jerusalém, o divino Amigo  assevera, demonstrando compreensão, mas com argumentação teológica: “Não penseis que vos acusarei diante do Pai; quem vos acusa é Moisés, em quem pusestes a vossa esperança”.

Jesus ainda defende que muitos judeus do seu tempo não acreditavam nele porque também não creram em Moisés, que escreveu a seu respeito, conforme relata em Deuteronômio, 18:15-19:

“O Senhor teu Deus te levantará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, como eu; a ele ouvireis. Foi o que tu mesmo pediste ao Senhor, teu Deus, em Horeb, quando lhe disseste no dia da assembleia: Oh! Não ouça eu mais a voz do Senhor, meu Deus, nem torne a ver mais esse fogo ardente, para que eu não morra! E o Senhor disse-me: está muito bem o que disseram; eu lhe suscitarei um profeta como tu dentre seus irmãos; por-lhe-ei minhas palavras na boca, e ele lhes fará conhecer as minhas ordens. Mas ao que recusar ouvir o que ele disser de minha parte, pedir-lhe-ei contas disso”.

Filipe e outros discípulos de Jesus, no entanto, souberam reconhecer essa realidade, conforme narra o evangelho de João, no capítulo um, versículo quarenta e cinco:

“Filipe encontrou Natanael e lhe disse: “Achamos aquele sobre quem Moisés escreveu na Lei e a respeito de quem os profetas também escreveram: Jesus de Nazaré, filho de José”.

Jesus não foi reconhecido por muitos religiosos do seu tempo como o Messias esperado. No entanto, ao questionar a incredulidade diante dos escritos de Moisés, afirmou: “Mas se não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas palavras?” O pensamento do Cristo é de elevada precisão lógica. Afinal, como esperar elevada compreensão do Amor de Deus de quem ainda não entendeu os princípios básicos da Sua Justiça? De que modo apreender o valor do perdão aos inimigos quando ainda se permanece nos ditames da Pena de Talião? Como distribuir os bens aos mais necessitados, sem discriminá-los, se ainda há hostilidade diante dos que não comungam com as mesmas ideias?

Jesus demonstrou o atraso dos religiosos do seu tempo, mas convida-nos a todos para sermos sinceros em nossos pensamentos. Somente por meio dessa sinceridade de espírito é possível encontrar o verdadeiro sentido de todas as coisas. Aos sermos sinceros em nossos pensamentos, haveremos de desenvolver ao máximo os nossos conhecimentos. Isso, por meio do estudo, da observação e da análise. É por intermédio da sinceridade dos pensamentos e do conhecimento da verdade que é possível conhecer a natureza íntima de Deus. Para tanto, necessitaremos dos ensinamentos do Cristo, de compreendê-lo e de amá-lo, conhecendo-o melhor, dia a dia, em sua mais íntima natureza.

 

(Emídio Silva Falcão Brasileiro, escritor, conferencista, professor universitário, advogado, pesquisador, mestre em Ciências da Educação, doutor em Direito, membro da Academia Espírita de Letras do Estado de Goiás, da Academia Goianiense de Letras e da Academia Aparecidense de Letras. Site: www.cultura.trd.br)

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