Opinião

Medo da morte

Diário da Manhã

Publicado em 20 de julho de 2016 às 03:32 | Atualizado há 8 anos

Ninguém sabe transmitida por quem, chegou a uma cidade a notícia de que a morte passaria por lá e levaria 500 de seus habitantes. O pavor tomou conta da população. De fato, dias depois, chegou a macabra megera, que logo se foi, conduzindo 1.500 moradores do lugar.

Alguém, naturalmente aliviado por haver escapado, mas vencido pela curiosidade, perguntou à morte se ela não teria se enganado na contagem. A resposta não deixou dúvida:

– De fato, só vim buscar 500 pessoas . Entretanto, outras mil morreram de medo…

Certamente, na relação dos falecidos dessa história, um percentual muito elevado era constituído de cristãos. Na cultura ocidental, o medo da morte é lugar comum. Impingem o medo da morte à criança, ao adolescente, ao moço, ao adulto e ao velho com os tão mal interpretados conceitos de céu e inferno .

Por que isto acontece, se o Cristo sempre se referiu à morte com extrema naturalidade, insinuando-a como um sono?

Os primeiros cristãos compreendiam e assimilavam esse ensinamento do Mestre e se notabilizavam, a caminho da martirização, por adentrar, cantando com alegria a arena do sacrifício cruel, nas mãos dos gladiadores ou nas garras das feras, convictos de que a morte lhes significaria libertação e regresso a um mundo maior e melhor.

As palavras de Jesus foram demasiadamente claras e objetivas. Na passagem “Os doze e a sua missão”, ele chama a atenção para a superioridade incomparável do espírito encarnado, que é eterno, sobre o corpo, usado em cada existência e abandonado como roupa usada que não lhe serve mais: “Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma”. (Mateus, 11: 28).

Tristeza de Jesus só até a morte

No relato “Jesus em Getsêmane”, de Mateus, Marcos, Lucas e João, ele compara a tristeza do mundo material com a estupenda realidade que vem depois: “Minha alma está triste até a morte”. (Mateus, 26 : 38). Não depois dela. A apreensão só lhe perdura até a morte do corpo físico.

Em “Crucifixão”, descrita por Mateus, Lucas e João , o Filho retorna ao Pai. Cumprida a missão, deixa a matéria e se reincorpora à pátria da qual se ausentara no trabalho. Não mais o mundo passageiro do sofrimento. “Pai, nas tuas mãos entrego meu Espírito. E havendo dito isto, expirou .”( Lucas, 23 : 46).

“E quando Jesus tomou o vinagre, disse:–Está consumado.

E inclinando a cabeça, entregou o Espírito”.( João, 19 : 30 ). Missão cumprida, a colheita do semeado.

Em “Os saduceus e a ressurreição”, Jesus oferece a chave que escancara as portas do medo injustificável da morte: “Ora, Deus não é dos mortos, mas sim Deus dos vivos. Por isso vós errais tanto”. ( Marcos, 12:27)

Na Terra, somos sempre viajante e estagiário. Na espiritualidade, somos cidadão definitivo.

Aconselha o filósofo Huberto Rohden, que dedicou sua existência ao estudo dos livros sagrados:

– Homem cristão, risca dos teus livros e da tua alma o esqueleto da morte! Não foi o Cristo que tal coisa ensinou, foram cristãos que essa mentira inventaram. A morte não é um fantasma ósseo com uma foice fatídica ao ombro . A morte é um “sono”, disse o Nazareno, tão amigo da vida como da morte.

A morte é um anjo de Deus vestido de crepe, mas com o sorriso da esperança nos lábios e o fulgor da imortalidade nos olhos. A morte é um mensageiro de Deus para nos descerrar o cárcere corpóreo e restituir à alma a liberdade”.

Quem inventou medo da morte

O mesmo Rohden, autor de seis dezenas de livros de sabedoria, mestre de excepcional cultura, poliglota e pesquisador emérito, afirma que o Pai Nosso, em aramáico, tal qual foi ensinado por Jesus, tem todos os verbos no presente e não faz um pedido sequer . É a fé com a razão em Deus e a consequência da ação e reação no Universo:

“Pai Nosso, que estás nos Céus! Santificado é o teu nome, vem a nós o teu reino. A tua vontade é cumprida na Terra como nos Céus. Tu nos dás o pão-de-cada-dia. Tu nos perdoas as nossas dívidas, assim como perdoamos nossos devedores. Tu não permites que sejamos tentados. Tu nos livras do mal”.

Outra constatação indiscutível: em trecho algum da única prece ensinada pelo Cristo, se fala em morte.

Bem diferente é a primeira oração composta pelos cristãos, a Ave Maria. Sua primeira parte, transcrita do Evangelho de Lucas (28 e 42), é a saudação do Anjo Gabriel à Mãe de Jesus, na Anunciação, e a expressão de Isabel à prima que a visitava: “Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós, entre as mulheres. Bendito é o fruto do vosso ventre”.

E completa a manifestação dos cristãos à Mãe Santíssima: “Santa Maria, Mãe do Salvador, rogai por nós, os pecadores, agora e na hora de nossa morte”.

Na prece do Cristo, a saudação à vida.              Na oração dos cristãos, a preocupação obsessiva com a morte.

Indagação de Rohden:–Se foi boa tua vida , como será má tua morte? Ignoras que a morte é o eco do viver? Por que hesitaria a fruta madura em desprender-se da haste? A morte não retoca a alma. Revela apenas o que a vida fotografou.

 

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