Opinião

Nathalia: do sonho à realidade

Diário da Manhã

Publicado em 29 de fevereiro de 2016 às 00:26 | Atualizado há 9 anos

Os jornais deram destaque à morte de Nathalia Araújo Zucatelli, jovem com apenas dezoito anos, bonita, cabelos longos, esbanjando saúde e sonhos. Um deles era a medicina.

Veio de longe, neste Brasil continental, para estudar em Goiânia. Saiu de Rondônia, atravessando mais de dois mil quilômetros, neste imenso território brasileiro, para se preparar para o curso de Medicina.

Assassinada quase em frente ao colégio Protágoras, minutos após haver deixado a biblioteca do estabelecimento, onde estudara até quase 22 horas. Mais uma vez, mesmo após haverem roubado o celular que a estudante portava inocentemente na mão, a sede de violência dos bandidos contra pessoas indefesas não estava saciada. Era preciso disparar, ferir e matar quem já fora objeto da violência do roubo.

Protegidos pelos capacetes, a identificação deles é muito difícil e a polícia vai ter muita dificuldade para encontrar os assassinos. E, quando os encontrar, se os encontrar, sobrevirá o inquérito policial, o processo judicial e a possível condenação a uma pena que varia de 20 a 30 anos de reclusão. Sabemos, no entanto,  que o sistema de execução penal brasileiro admite a progressão do regime fechado para o semiaberto e depois para o aberto, significando dizer que, na verdade, o criminoso, na mais grave das hipóteses, poderá sair com  cinco ou seis anos do regime fechado para o semiaberto etc.

Isto na hipótese de o caso se enquadrar naquela pequena  percentagem dos crimes investigados com a consequente prisão do criminoso.

Em outras palavras, tirar a vida de alguém, ainda que pelo menor motivo ou mesmo sem motivo algum gera uma consequência de tal insignificância que o criminoso vai cada vez se sentindo mais à vontade, cercado pela impunidade da não descoberta da autoria do feito ou, se descoberto o autor,  da leniência de nossas leis.

Já estou indo longe neste comentário, e me escuso com meus leitores, mas é que esta situação causa nojo, revolta e indignação, quando temos uma organização política que sustenta mais de cinco centenas de deputados federais e o nosso Código Penal continua sendo um Decreto-lei de 1940!!!

Ora, o Estado e a cidade conhecem este quadro e continuamos com um efetivo policial infinitamente aquém das necessidades mínimas de segurança do cidadão, de quem ambos, Estado e cidade, cobram todo dia e a toda hora, todo tipo de contribuição para as mais complexos ou genéricas finalidades, menos a de servir ou proteger a pessoa humana, cuja dignidade, diz com ufania, a nossa Constituição, é o seu maior princípio.

Não havia polícia no local do crime, embora fosse a frente de um estabelecimento de ensino importante  e muito bem frequentado , e já fosse noite. Embora estejamos falando do setor Marista, um dos nobres da cidade,  a iluminação pública no local é precária, o que favorece mais ainda este tipo de acontecimento.

O pai de Nathalia resumiu tudo numa frase simples mas  lamentavelmente verdadeira e antológica: “ Minha filha está presa para sempre. Quem fez isto com ela é preso hoje e solto amanhã.”

Dói demais isto. É aquela pontada aguda, que alcança o coração da gente e nos deixa sem fôlego, sem fala, sem raciocínio, sem argumento.

Até quando vai perdurar a mentira, até quando o engodo, o palavrório e nenhuma atitude?

Até quando vão nos mostrar estatísticas e quadros falsos ao invés de policiamento ostensivo e garantia de vida aos cidadãos de bem, aos trabalhadores do dia-a-dia, aos estudantes idealistas, como Nathalia?

Não quero me estender para as inúmeras outras grandes mazelas da administração pública que empestam a nação brasileira, começando no âmbito federal e perpassando pelo estadual e municipal.

Abalou-me este caso dessa moça.

Não a conhecia. Vi a sua foto nos jornais. Vi e ouvi o depoimento de seu pai. O resumo da dor, da completa impotência paterna diante da situação. O travar no peito de uma dor inexplicável e de cura improvável.

Não ouso pretender explicar uma tragédia destas nem tenho palavras mágicas de consolo aos familiares dessa moça cujos horizontes quase ilimitados foram reduzidos a dezoito anos, muito sonho de salvar vidas e a realidade de perder a sua nas mãos de delinquentes que com ela jogaram como se estivessem brincando de boliche ou de outra brincadeira inocente qualquer, sem um pingo de sensibilidade humana, ou uma gota de amor à vida, que é dom de Deus e direito de todos e de cada um.

É preciso que se faça não alguma coisa, como se poderia dizer, mas muita coisa mesmo!

É preciso uma séria mudança de rumos, de métodos, de objetivos e uma regulação dos direitos, obrigações e respectivas consequências por sua infringência, lembrando-nos sempre de que a tragédia, que vemos, horrorizados, nas famílias dos outros, pode acontecer na nossa.

O único conforto que tenho é a certeza da misericórdia divina, presente em todos os cantos do Universo e o convencimento de que Deus também aprecia o bem, o que é bom.

Nathalia, você representou entre nós o bem, a suavidade, o idealismo, a vontade de servir. Não pode chegar a servir os homens, conforme seu sonho, mas está servindo o Criador de tudo e de todos, conforme o plano dEle.

E caminha, livre e feliz,  no espaço temporal da eternidade.

 

(Getulio Targino Lima:éAdvogado, professor emérito ( UFG ), jornalista, escritor, membro da Associação Nacional dos Escritores e da Academia Goiana de Letras. E-mail: [email protected])

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