Opinião

No Brasil, pela legislação atual, “qualquer pessoa pode atuar como médica”

Diário da Manhã

Publicado em 12 de julho de 2016 às 02:42 | Atualizado há 9 anos

Esta semana hospitalizei um paciente  depressivo que estava em “clínica de recuperação para dependentes”, sem assistência médica-psiquiátrica nenhuma. Ele é que estava se “prescrevendo” e usando medicamentos por conta própria, as quais ele tinha acesso na clínica. Era assim: um “interno” dizia para ele – “olha, toma lítio que é bom” – e aí ele tomava lítio. Durante algum tempo, usou o tal do lítio, mas, sem acompanhamento médico, intoxicou-se  é uma droga relativamente fácil de autointoxicar-se). Foi levado para uma UTI, de onde saiu numa cadeira de rodas, teve trombose venosa profunda. No entanto, voltou para a mesma “casa de recuperação”, agora sem o lítio. Lhe disseram de novo – “ah, não deu certo com o lítio, toma imipramina que é bom”. Ele começou usar, mas esta medicação é indicada para depressão unipolar, e ele tinha depressão bipolar, aí piorou, ficou mais agitado, ficou insone, irritado. Além disso, não parou de fumar, e na medicina psiquiátrica bem feita é impossível tratar bem, com estabilidade adequada, um depressivo bipolar que fuma.

Muitas vezes, os antidepressivos, nos depressivos bipolares, podem até precipitar surtos suicidas, é fato comum que a gente vê em hospitais psiquiátricos.

Pois bem, o nosso paciente, fez uso do tal antidepressivo, ficou muito agitado, irritado, insone, começou a ficar com uma psicose depressiva grave. Foi até um banheiro, amarrou uma corda e enforcou-se. Com isto, ele fez um movimento de pêndulo, bateu violentamente com a cabeça na porta do banheiro, fez um grande estrondo, chamou a atenção de outros internos, mas ficou bloqueando a porta.  Isso atrasou vários minutos o seu socorro. Resultado, foi para UTI de novo, e dessa vez teve grave lesão cerebral, um tipo de lesão chamada LAD- lesão axonal difusa. Se já estava “ruim das pernas” (tanto pela trombose venosa quanto por uma polineuropatia alcoólica também não diagnosticada e tratada), agora saiu de lá numa cadeira de rodas, também com graves sequelas cognitivas. Está, agora, em nosso hospital, paraplégico, com incontinência urinária, fecal, e demenciado. Era um rapaz de 42 anos de idade, forte, inteligente, sadio, trabalhador, antes destas tragédias todas…

Alguém foi punido? A família notificou alguém ? Alguém foi processado por exercício incompetente da medicina? A resposta é não. Uma das causas disso tudo é que não há instrumento legal para punir ninguém, uma vez que o PT/Dilma aboliram a lei da regulamentação da Medicina. Para o PT/Dilma, de acordo com o entendimento legal vigente,  qualquer pessoa não-médica é capaz de fazer diagnósticos de doenças. Se pode diagnosticar, ainda mais facilmente pode também tratar, uma vez que a compra e venda de medicações, de instrumentações cirúrgicas, é praticamente liberada no país. Hoje em dia , por exemplo, conforme amplamente divulgado nas redes sociais, já é até permitido “consultas médicas  e prescrições médicas em unidades de saúde”, privadas e públicas, feitas por profissionais não-médicos… Consultas nas quais diagnostica-se doenças  (sabe-se lá como) e se medica… [claro, para medicar-se alguma coisa, há de se ter diagnóstico dessa alguma coisa]. Nem médicos e nem famílias de pacientes lesados- como esse descrito aí acima – têm instrumentos práticos para recorrer à Justiça face a estes descalabros. Por isso praticamente todos se calam. Até  os médicos, que estão vendo o “resultado” destas seqüelas no seu dia a dia hospitalar. Isso também acontece porque nenhum médico tem tempo, dinheiro, assessoria legal, política,  interesse corporativista, ou mesmo ódio, suficientes para encetar uma “cruzada” contra esse estado de coisas – e depois ser retaliado. Sobretudo porque vendo esse tipo de caso todos os dias , praticamente a toda hora (chego a ver uns quatro tipo de exercício ilegal da medicina por dia), teria de virar quase que um “médico-de-porta-de-cadeia” para fazer isso.

 

(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra)

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