Noite de crimes
Diário da Manhã
Publicado em 20 de outubro de 2018 às 01:51 | Atualizado há 6 anosEstá constituído o feriado nacional Noite de crime – 12 horas em que todos estão permitidos a agir de forma brutal, os crimes são lícitos. O instinto humano de violência precisa ser saciado, nem que por um breve momento. De acordo com o Presidente, o feriado diminuirá os índices de violência, pois é melhor que isso aconteça em doses controladas do que desordenadamente, no dia a dia.
O roteiro diz respeito ao filme “Uma noite de crime” (2013), escrito pelo cineasta James DeMonaco. De maneira análoga, o “script” parece retratar o conturbado período eleitoral brasileiro, em que “cidadãos de bem” se sentem legitimados a praticar crimes por intolerância política. Em nome da política do “vale tudo”, sentem-se validados a cometer violência moral e até mesmo física.
Seria até cômico – se não fosse trágico – ver pessoas, de variados partidos, defender nas redes sociais a honestidade e compartilhar “fake news”. Defendem a moral, no entanto, desde que favoreça o seu candidato, não se constrangem em mentir, não se preocupam com as trágicas consequências econômicas, políticas e sociais.
Um exemplo claro são duas imagens que circulam nas redes sociais. A primeira, do filho do candidato à presidência pelo PSL, mostra o rapaz vestindo uma camiseta com os dizeres: “Movimento nordestinos voltem pra casa. O Rio não é lugar para jegue”. A segunda, mostra a candidata à vice-presidência pelo PT usando uma camiseta com a frase “Jesus é travesti”.
Ambas imagens são montagens e têm o poder de alargar o extremismo entre grupos políticos. Quem a fez, e tão pouco quem compartilha – muitas vezes consciente –, não se importa em propagar mentiras e instigar o ódio contra nordestinos ou em denigrir a imagem de pessoas públicas. Na justificativa, afirma que é pela luta contra a corrupção e pela moral da família brasileira.
Entretanto, a “noite” de crime não para por aí. Como se não bastasse violar a moral, alguns partem para a violência física. As facadas em um presidenciável e as que levaram à morte o mestre de capoeira e ativista cultural negro Moa do Katendê são os exemplos mais gritantes desta “noite” política de expurgo.
Nas redes sociais, pessoas que sempre pregaram o bem e o amor ao próximo afirmam que a tortura, em determinado contexto, é algo necessário; como se tivessem faltado todas as aulas e fossem criados em uma bolha, desprovidos de sensibilidade, humanidade. Imagino que nem sequer se deram ao trabalho de olhar no dicionário o significado de torturar. Mas não é necessário excluí-los, pois assim que terminar a “noite” de expurgo e a missão de “salvar” o país, voltarão a defender a moral e a vida.
Sinto medo e torço para que esta “noite” política de expurgo – em que a sociedade, atônita, assiste à escalada de conflitos e violência – termine. Sinto saudades das fotos em família, dos animais de estimação, das frases de amor e fraternidade. É angustiante saber que essa real e tenebrosa “noite” de crime durará mais que 1h 26min.
(Paulo Martins, professor, escritor e autor do livro “Vamos Conversar: crônicas” (2017). Ed. Kelps, Goiânia, GO. E-mail: paulo.linguagens@hotmail.com)
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