O belo e inofensivo lobo-guará e qual a importância da fruta-do-lobo
Diário da Manhã
Publicado em 23 de fevereiro de 2017 às 02:51 | Atualizado há 8 anosNuma das minhas últimas idas ao sertão de Conceição do Tocantins, ao passar no Traçadal de Zuza Vaz, parei o carro para admirar um guará que saiu imponente da chapada e, sem aparentar espanto, voltou para o lugar de onde saíra, quando passei eito de tempo olhando aquela maravilha.
Hoje, quase não se vê, a não ser em zoológicos, o lobo-guará, comumente chamado de guará, que era um bicho do mato não muito raro nos nossos cerrados.
É o maior canídeo da América do Sul, podendo atingir entre 20 e 30 kg de peso e até 90 cm na altura das espáduas; Tem um porte esguio, elegante, medindo mais de um metro de comprimento.
Suas pernas longas e finas e a densa pelagem avermelhada conferem-lhe uma aparência inconfundível. O lobo-guará é adaptado aos ambientes abertos, sendo um animal crepuscular e onívoro, com importante papel na dispersão de sementes de frutos do cerrado, principalmente a lobeira (ou fruta-do-lobo).
Solitário, o seu território é dividido entre um casal, que se encontra para acasalar no período do cio. Esses territórios são bastante amplos, podendo ter uma área de mais de 100 km². A comunicação entre eles ocorre não só através de marcação de território pelo cheiro (como todo canídeo), mas também ocorre por manifestações sonoras semelhantes a latidos.
A gestação da fêmea dura, em média, 68 dias, dando cria de até quatro a filhotes, que, apesar da cor castanho-claro avermelhada com manchas marrons nas pernas, cauda e pescoço dos adultos, nascem na cor preta, pesando menos de meio quilo.
Mas o lobo-guará não é exclusivo do Brasil Central, pois ocorre em savanas e áreas abertas no Paraguai, Argentina e Bolívia, sendo um animal típico do cerrado. Foi extinto em parte de sua ocorrência ao Sul, mas ainda é encontrável no Uruguai. No Brasil, podemos encontrar o lobo-guará na Chapada dos Veadeiros, Serra da Canastra, Parque das Emas, Serra do Cipó, Chapada dos Guimarães, Ilha Grande, Reserva Ecológica do Roncador e Serra da Bocaina.
Apesar de não ser considerado em perigo de extinção pela International Union for Conservation of Nature and Natural Resources (IUCN), todos os países em que ele vive possui algum grau de ameaça, apesar de não se saber a real situação das populações. Estima-se que existam cerca de 23 mil animais na natureza, sendo um animal popular em todos os zoológicos. Está ameaçado principalmente por causa da destruição do cerrado para ampliação da agricultura, fabricação de carvão para a indústria, atropelamentos, caça e doenças advindas dos cães domésticos. No entanto, é adaptável e tolerante às alterações provocadas pelo ser humano. O lobo-guará ocorre atualmente em áreas de Mata Atlântica já desmatadas, onde não ocorria originalmente.
O povo sertanejo carrega superstições sobre o lobo-guará e pode até nutrir certa aversão ao animal, em parte devido ao ataque que faz a galinheiros, como a raposa. Mas, em geral, o lobo-guará provoca simpatia em humanos e por isso é usado como espécie bandeira na conservação do cerrado.
Como possui pernas compridas e ágeis, pode facilmente subir em morros e montanhas. Essa característica física favorece também os saltos no momento da caça. Alimenta-se, principalmente, de aves, roedores, raízes e algumas espécies de frutos, notadamente da lobeira.
É um animal de hábitos solitários, não formando alcateias, como fazem outras espécies de lobos, e prefere a noite para caçar. É um mamífero de comportamento tranquilo, nunca atacando o homem, mas pode atacar para defender-se em situações de ameaça.
O lobo-guará, a exemplo de seu parente doméstico, o cachorro, pode viver até vinte anos.
Nesse ponto, a natureza é sábia: existe em abundância no cerrado uma árvore que produz a chamada fruta-do-lobo, ou lobeira, um fruto redondo de cor verde, que pode atingir até um quilo ou pouco mais, com aroma de maçã, mas de gosto amargo, que serve de alimento para o lobo-guará, daí seu nome. Quando menino, tentei provar a tal lobeira, e o amargor de seu sabor, que o guará come sem fazer cara feia, deixou-me um gosto ruim no encastoo da língua, que levou bons pares de dias para sumir.
Apesar do gosto intragável para nós, humanos, pode-se aproveitar quase tudo da fruta-do-lobo: quando verde, esse fruto contém um tipo de alcalóide chamado solasodina, que, após processado quimicamente pela indústria farmacêutica, fornece o princípio ativo de um poderoso anticoncepcional.
Outros componentes são utilizados pela culinária e pela medicina popular; a fruta madura é empregada no preparo de doces e geléias, embora não tenha um uso muito acentuado; sua madeira é empregada para fazer carvão industrial, fato que vem contribuindo para sua dizimação.
O consumo da referida fruta pelo lobo-guará tem uma razão: o lobo-guará possui um tipo de verminose que lhe acomete os rins, causando-lhe quase sempre a morte, e aquela fruta tem a substância que mata o nematoide, livrando o animal da morte.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa (AGI), escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])
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