Opinião

O Brasil vai aos trancos e barrancos

Diário da Manhã

Publicado em 13 de dezembro de 2016 às 01:34 | Atualizado há 8 anos

Eu acompanho o processo político brasileiro desde minha juventude. Na condição de estudante cometi a estupidez de conduzir bombas molotov nas manifestações públicas. Àquela época já havia a burrice de se investir contra os ônibus. Como se eles fossem culpados dos maus gerenciamentos nos negócios públicos.

No governo Mauro Borges defendia as suas idéias, sempre avançadas e que mudavam a visão administrativa. Na época, a novidade era a estatização, um nacionalismo mais arraigado, embora não xenófobo. A reforma agrária, por exemplo, estava na moda. Governo, portanto, tinha que ser da esquerda.

Tive a oportunidade de conhecer a Alemanha Ocidental e Berlim dividida por um muro. Na Berlim ocidental, se percebia a cidade viva. Letreiros luminosos chamavam a atenção do público. O comércio vibrante. Carros modernos para a época desfilando nas ruas. Um alemão mais confiante na riqueza do país.

Ultrapassando o muro de Berlim Oriental, num processo burocrático inimaginável na outra Berlim, a pessoa se deparava, como eu, com extensas ruas sem movimento e sem vibração. A diferença era gritante na cidade dividida. Para tirar fotografias, seus passos eram limitados pela polícia. Onde estava a democracia, o povo livre, imprensa livre?

O berlinense oriental ou da Alemanha comunista, teleguiada por Moscou, não podia ultrapassar as fronteiras. Qualquer insistência era punida e a morte era freqüente. Muitos queriam fugir do regime comunista. No Muro da Vergonha, como era chamado, pelo lado ocidental, naturalmente, cada morto pela polícia da divisa tinha seu nome relacionado na estrutura de tijolo.

Essa barreira era constituída, conforme consta do Wikipédia, de 66,5 km de gradeamento metálico, 302 torres de observação, 127 redes metálicas eletrificadas com alarme e 255 pistas de corrida para ferozes cães de guarda. O muro era patrulhado por militares da Alemanha Oriental Socialista com ordens de atirar para matar os que tentassem escapar, o que provocou, segundo dados do regime socialista, a morte de 80 pessoas, 112 feridos e milhares aprisionados nas diversas tentativas de fuga para o ocidente capitalista, além de separar, até sua queda, milhares de famílias berlinenses que ficaram divididas e sem contato algum.

Quando vi àquilo tudo, gradual e rapidamente fui mudando o meu conceito de regime socialista. Ainda mais eu um cidadão comum acostumado à liberdade, às idas e vindas. É como se me retirasse de meu cenário o Araguaia que tanto amo, suas praias de areia branca, mansidão dos remansos, a correnteza e suas cachoeiras. Não nasci para prisioneiro e nesse compasso defendo a liberdade para todos.

Não demorou muito, ruiu o Muro de Berlim. Desta vez, sem nenhum tiro. Os próprios guardas aproveitaram a deixa e buscaram uma nova vida no regime capitalista. Numa seqüência sem precedentes, ruiu também a outrora toda poderosa União Soviética. A Rússia tomou outros ares. A China, que para implantar o comunismo é apontada pela morte em massa de 70 milhões de pessoas, mais do que a população do Nordeste e Norte do Brasil, hoje se capitaliza. E as empresas norte-americanas, antigas vilãs, aportam em Pequim, Xangai e outras cidades chinesas, e contribuem para a geração e manutenção de empregos, além de nova tecnologia e gestão.

Nos idos de 64, o Brasil ensaiava adesão para o regime socialista, liderado então pela União Soviética. Parte dos brasileiros, no entanto, temia essa brusca mudança porque estavam governados por um presidente, João Goulart, que seguia uma linha populista. E era manobrado pela tendência esquerdista, liderada, entre outros, por Leonel Brizola, um caudilho, Francisco Julião, que pregava reforma agrária na marra, ou seja, patrocinando invasões de terras.

A reação conservadora mexeu nos alicerces políticos, econômicos e militares. Temendo a implantação do comunismo no País, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade reuniu milhares de pessoas. Se nos quartéis já havia ensaio frustrado com a posse de Juscelino, havia chegado a vez dos generais porem as tropas nas ruas e assumirem o poder. O regime militar perdurou por cerca de vinte anos. Nesse meio tempo, cassaram os mandatos de políticos por dez anos. Só foram permitidos dois partidos: Arena, do governo, e MDB, da oposição. As liberdades foram restritas.

Não posso saudar jamais a falta das liberdades humanas, mas também não posso por uma questão de justiça, enumerar alguns dos feitos do período militar, sobretudo à condição de que não se tem notícia de falcatruas cometidas por seus líderes.

Nesse período, foram criados 13 milhões de empregos. A Petrobrás aumentou a produção de 75 mil para 750 mil barris /dia de petróleo. O crescimento do PIB foi de 14%. Foram construídos quatro portos e recuperação de outros 20; criação da Eletrobrás; implantação do Programa Nuclear; Criação da Nuclebrás e subsidiárias; Embratel e Telebrás (antes, não havia ‘orelhões’ nas ruas nem se falava por telefone entre os Estados); Construção das Usinas Angra I e Angra II; Desenvolvimento das Indústrias Aeronáutica e Naval (em 1971 o Brasil foi o 2º maior construtor de navios do mundo); Implantação do Pró-álcool em 1976 (em 1982, 95% dos carros no país rodavam a álcool); Construção das maiores hidrelétricas do mundo: Tucuruí, Ilha Solteira, Jupiá e Itaipu.

Houve, ainda, brutal incremento das exportações, que cresceram de 1,5 bilhões de dólares para 37 bilhões. O país ficou menos dependente do café, cujo valor das exportações passou de mais de 60% para menos de 20% do total; rede de rodovias asfaltadas, que passou de três mil para 45 mil km; criação do Funrural – a previdência para os cidadãos do campo; Programa de merenda escolar e alimentação do trabalhador; criação do FGTS, PIS, Pasep; Criação da Embrapa, Infraero, implementação dos Pólos Petroquímicos em São Paulo (Cubatão) e na Bahia (Camaçari); Promulgação do ‘Estatuto da Terra’, com o início da Reforma Agrária pacífica; Polícia Federal.

Rede Ferroviária ampliada de três mil e remodelada para 11 mil Km; abertura da Transamazônica com instalação de agrovilas; Asfaltamento da rodovia Belém-Brasília; Construção da usina hidrelétrica de Boa Esperança, no Rio Parnaíba; Ferrovia do Aço (de Belo Horizonte a Volta Redonda); Ponte Rio-Niterói; rodovia Rio-Santos (BR-101), entre outras obras.

Com o povo demonstrando cansaço do regime dos generais, num pleito de eleição indireta para a Presidência da República e indicação de governadores nos Estados, começou a haver pressão pelas eleições diretas. No MDB, partido da oposição, começou a despontar líderes de expressão como Ulisses Guimarães, Tancredo Neves, Mário Covas, Franco Montoro, no plano nacional, e Iris Rezende e Henrique Santillo, em Goiás. Com o pedido das Diretas Já, o general Ernesto Geisel e presidente da República se comprometeu com o processo de abertura política. O general João Figueiredo, dentro desse plano, cumpriria o último mandato do governo militar.

Tancredo Neves (MDB), um articulador nato, foi escolhido para a presidência com o senador José Sarney (Arena) na vice. Tancredo morreu antes de tomar posse em decorrência de uma diverticulite aguda. Sarney no governo foi um desastre. Collor prometeu combater os “marajás” ou o funcionário que ganha bem. O povão caiu na conversa do candidato oriundo de Alagoas. Deu no que deu. Foi cassado por prevaricação, longe, no entanto, dos mensalões atuais. Itamar Franco na condição de vice assume e surpreende. Com ele, e Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda, é articulado o Plano Real. FHC sucede Itamar e a inflação galopante é, finalmente, detida. Fernando Henrique implantou ainda o ajuste fiscal. Isto é, o governo não poderia gastar mais do que arrecada. Sucesso total que resultou na sua reeleição.

Depois de ser derrotado por Collor e FHC em duas oportunidades, finalmente Lula é guindado ao poder. Justamente, àquele que saiu dos rincões do agreste nordestino para buscar trabalho em São Paulo. Luis Inácio da Silva viajara em pau de arara, caminhão que conduzia migrantes da seca para a capital paulista. Ele chegou à condição de líder sindical. Lutou também pelas Diretas Já. Contribuiu pela fundação de um partido que na teoria seria diferente dos demais. O PT no começo ganhou a adesão dos intelectuais e, finalmente, os trabalhadores teriam representantes no Legislativo e no Executivo.

No poder, para governar buscou aliados nem sempre condizentes com a linha ideológica do partido. Os maiores aliados, no caso o PMDB, jamais comungaram a mesma cartilha. Mas, participaram de fatias nobres do poder.

Até entendo que uma campanha os gastos são desmedidos. Um vereador precisa gastar além de sola, dinheiro com motoristas, carros, assumir os desgastes financeiros com os veículos que rodam dia e noite e assim por diante. Com o deputado a história se repete em grau maior ainda porque ela tem que percorrer suas regiões eleitorais. Para o Senado, para o governo do Estado, então nem se fala. É necessário avião, às vezes dois, três aparelhos. É cara uma campanha, sair aplainando líderes políticos, enfim a busca do eleitor para convencê-lo a votar em si.

Mas, pegar o dinheiro que seria do partido para proveito pessoal, em minha opinião vai uma diferença oceânica. Lula e demais membros fortes de seu partido, como José Genuíno, José Dirceu, Antônio Palocci, e muitos outros fizeram isso. Quem aderiu ao PT, sentiu a traição de um partido que pregou a moral antes mesmo do parto. O governo petista deixa, com a cassação de Dilma, uma herança maldita, que seu sucessor, Michel Temer, tenta consertar.

Essa herança se compõe de 13 milhões de desempregados, que equivalem a duas populações inteiras de Goiás, inflação que corrói a renda do empregado ou do empregador, PIB em desgraça, relação de confiança abaixo de zero com o investidor nacional e internacional. Escândalos incomparáveis. É Petrobras, Lava Jato, Mensalão, e por ai vai. A moral brasileira está em desgraça.

Mas, felizmente, ocorre uma história paralela. Nos últimos meses, o poder judiciário tomou coragem e está pondo os marginais, os ladrões do erário público, na cadeia. Prender presidente de empreiteira, governadores, ex-governadores, políticos da pesada. Jamais acontecera isso no País. A sociedade brasileira foi para as ruas gritar contra Dilma, Lula, enfim contra a corrupção. O povo vai para as ruas e aplaude Sérgio Morro, o herói de Curitiba, pelas suas decisões corajosas. O povo vai para as portas da Polícia Federal e faz comício pelas prisões.

Gente é um ato bonito, histórico. O brasileiro está fazendo a coisa certa. O que se percebe no Brasil é sua caminhada. Mesmo que aparentemente ou não por linhas tortuosas. O Michel Temer compôs a chapa da Dilma, mas o seu partido desde há muito dava demonstrações públicas (é só rever os horários eleitorais do PMDB) de contrariedade com os rumos de Dilma/PT. Digo por questão de justiça, jamais por qualquer interesse político, partidário ou ideológico. Quem me conhece, pessoalmente, sabe perfeitamente que torço pelo Brasil.

Confio que o atual presidente quer salvar o Brasil. Ele, pessoal e politicamente, está se queimando porque toma medidas antipopulares. A sociedade ou parte dela, pelo que se depreende do Ibope, age muitas vezes de forma emocional. O cara pegou uma casa em frangalhos, precisando de reformas, pintura para dar uma aparência melhor, sanitários quebrados. Isto tudo tem um custo. Tomou o controle, viu as dívidas. No entanto, não fugiu à luta. Se quisesse vida boa, renunciaria, e deixaria o País na lavoura. Ao contrário, preferiu pegar o barco naufragando e salvá-lo. É motivo para alegria e nunca para tristeza.

O Brasil já começa a ganhar a confiança dos investidores. A recuperação leva tempo. Um, dois anos ou mais. Pouco importa. O importante é que tem alguém que quer salvar o barco. Os Estados Unidos e a Europa, considerados 1º Mundo, passaram por crises e se recuperam.

 

(Wandell Seixas , jornalista voltado para o agro, bacharel em Direito e Economia pela PUC-Goiás, ex-bolsista em agropecuária pela Histradut, em Tel Aviv, Israel, e autor do livro O Agronegócio passa pelo Centro-Oeste)

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