O Estado e a moral
Diário da Manhã
Publicado em 29 de junho de 2017 às 03:33 | Atualizado há 8 anos“A política é a arte de gerir o Estado, segundo princípios definidos, regras morais, leis escritas, ou tradições respeitáveis”
(Rui Barbosa in: Teoria Política Vl. XXXVI)
Como pensar política sem abordar Estado? Como pensar no Estado na concepção moderna sem pensar na divisão dos poderes?
O conceito dos “três poderes” já havia sido mencionado na Grécia antiga por Aristóteles. Somente em meados do sec. XVIII que Montesquieu conceituou essa divisão conforme a concebemos em poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário.
Em tempos de crise institucional e social, como a que vivemos, seria sensato resgatar o sentido das nossas instituições e aplicação de nossas leis a fim de contemplar as referências sociais adquiridas e/ou conservadas. Nestes termos ambos os poderes buscariam, conforme suas prerrogativas, alternativas que conciliassem as perspectivas e valores vislumbrados pela sociedade em dado momento.
Desde o inicio da experiência republicana e do judiciário brasileiro, dois desses poderes já se mostraram descontentes quanto à criação de uma constituição que afirmava o poder de arbitramento da magistratura. Para cumprir seu propósito de proteger as leis construídas democraticamente, e para que essas não fossem atropeladas por leis ordinárias de interesses transitórios que ocupam outros dois poderes, o judiciário vem ao longo dos anos tentando resistir ao assédio moral de interesses privados representados politicamente. Portando não é demais afirmar que a falta de comprometimento de qualquer um dos Poderes com os “princípios definidos, regras morais, leis escritas ou tradições respeitáveis” de que fala Rui Barbosa, é comprometer um modelo Estado que a sociedade acredita estar vivendo.
Como os escândalos políticos envolvendo os poderes Executivo e Legislativo nunca saem de pauta no Brasil, a sociedade e a opinião publica deixam para segundo plano criticas contra a impunidade da Suprema Corte em inquéritos contra os mesmos, e do modelo seletista político que são feitas as indicações para as Supremas Cortes. A sociedade não sente ação dos representantes máximos do judiciário que repercuta contra a perpetuação de crimes que costumeiramente levam políticos as primeiras paginas dos jornais. Quanto a falta de decoro dos seus representantes, a Suprema Corte e o judiciário agem como uma confraria de amigos diante de ações claras de ministros, como Gilmar Mendes, em restringir exemplos atuais que rompem com a inércia da impunidade contra políticos que imperava há décadas.
Caso o judiciário, principalmente em instâncias superiores, tivesse histórico de punir crimes envolvendo agentes do executivo e legislativo, a corrupção no Estado não estariam os níveis atuais. Por sua vez, se o legislativo e executivo tivessem histórico de proteger, cobrar e questionar decisões de crimes cometidos por políticos, ministro do Supremo como Gilmar Mendes não estariam colocando o judiciário brasileiro sobre o julgamento moral da sociedade. Mesmo que toda generalização seja um equivoco, quando assistimos réus escolhendo o magistrado ou a instância que será instruída seu processo, fica nítida a tentativa de explorar situações que permitam sua absolvição por meio de trafico de influencia.
Se tratando do mais controverso ministro da Suprema Corte brasileira e presidente atual do TSE, observamos como estão sistematizados todo tipo de problema moral e de representatividade envolvendo os três poderes. Ainda que atribuíssem às questões de hermenêutica suas decisões, é mais que legitimo o questionamento das mesmas sistematizadas no pedido de impeachment assinado entre outras pessoas, pelo ex-procurador Geral da Republica e ex- subprocurador Geral Dr. Cláudio Fonteles e Dr. Wagner Gonçalves. A sociedade não precisa se aprofundar nas questões filosóficas da Ciência Política, contudo da constituição e do direito, para criticar e apoiar a ação feita pelos procuradores. Sendo a moral uma das bases da representatividade dos três poderes, remete seus representantes, e no caso especifico do judiciário, o magistrado, “agir sempre de tal forma que a máxima da tua vontade possa converte-se, a todo momento, no principio de uma legislação universal” ( Kant). Assim, as tradições respeitáveis que sustentam o Estado, não desejam fazer das decisões tomadas pelo ministro Gilmar Mendes uma “legislação universal” mencionada por kant.
Não precisamos de grandes conhecimentos para enxergar o comportamento destoante do ministro Gilmar Mendes no Supremo e no TSE, em relação aos princípios morais que exige o cargo, e até mesmo a jurisprudência. Não precisávamos resgatar referências jurídicas e filosóficas para mostrar que a amizade declarada e os encontros frequentes fora da agenda entre o ministro Gilmar e o Presidente Temer, o coloca impedido de julgar Temer o TSE. Outro ponto da denuncia contra o magistrado diz respeito ao habeas corpus que colocou o empresário Eike Batista em liberdade. Guiomar Mendes, esposa do Ministro, é proprietária do escritório que defende Eike. Outra acusação de que houve quebra de decoro tange as ligações telefônicas com senador afastado e indiciado por crime de corrupção Aécio Neves. Nesta ultima, Neves pede para o magistrado intervir junto ao um senador para atuar em favor da aprovação da lei que prevê punição por abuso de autoridade de membros do judiciário.
Se a crise política é consenso, quando as decisões do Poder Judiciário, responsável em proteger o Estado de modo permitir outras possibilidades para representatividade comprometida, perdem legitimidade moral, constitui-se um falso Estado. Pensar e agir como se não houvesse crise institucional no Brasil porque as instituições continuam funcionando, é abrir mão de todas as razões que dão manutenção a republica e investe os representantes dos três poderes do status que possuem e os diferenciam dos demais cidadãos. A conduta de Gilmar Mendes coloca a Suprema Corte, e por tabela todo o judiciário sob o clima de que o Poder Soberano inalienável de Rausseau é do político não do povo.
(Gildete Damascena Junior, historiador)
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