O grande ditador
Diário da Manhã
Publicado em 1 de fevereiro de 2017 às 00:45 | Atualizado há 8 anos“Confia teus negócios ao Senhor e teus planos terão bom êxito. Tudo fez o Senhor para seu fim, até o ímpio para o dia da desgraça” (Provérbios 16:3-4)
impensável, o mundo articulado pensa e joga no tabuleiro do retrocesso político-econômico cultural. Mundializado, financiado no capital de guerra, bebe na fonte do lucro volátil. Aconteceu, neste momento, não há somente um culpado a brincar com o Globo Terrestre, plágio na contramão do personagem de Carlitos no clássico ‘O Grande Ditador’.
Há clones de Trumps em todas as cidades espalhadas pelo mundo moderno os quais entendem que se uma espada espichada na parede do bar de uma cidade abandonada, em nada interfere na paz, também, não serve de nada. Ameaçam raças e suas culturas, desconstroem a história das democracias sufocadas por oligarquias e ditaduras, Estados de exceção ou em guerra. “Se a violência tem uma origem histórica, cultural, social e radical, é mediante outro tipo de história, de cultura, de sociedade e de radicalidade que ela será minimizada, controlada em seu aspecto destrutivo” (BOFF, 2000, p. 59). Efêmera e banalizada a discussão entorna a lágrima de ética e transborda o oceano enlodado da moral. A vida não estanca se sua última gota cai sobre a semente em campo fértil onde a Filosofia é tipo estar em um quarto escuro e procurar um gato preto; a Metafísica é como estar num quarto escuro e procurar um gato que não está lá; a Teologia parece estar em um quarto escuro, procurar por um gato que não está lá preto e gritar: achei! E a Ciência pretende o quarto escuro onde um gato preto é buscado a lanterna.
Mais forte que o medo que engendra a massa amorfa, a fagulha da coragem assopra aos trabalhadores a criação do movimento global capaz de rachar o golpe rico, à direita, nas liberdades expostas na Declaração Universal dos Direitos Humanos básicos, adotada pelas Nações Unidas, em dezembro de 1948. Esboçado pelo canadense John P. Humphrey e intelectuais de outros países o documento nasceu para impedir aos abutres das dignidades e dos direitos humanos o poder de sugar o sangue da (des) humanidade, à época, sobrevivente aos horrores da Segunda Guerra. De acordo com Nietzsche: “Todos os operários filosóficos, plasmados segundo o nobre modelo de Kant e de Hegel, têm por função fixar e reduzir a fórmulas um vasto estado de valores – isto é, valores estabelecidos criados antigamente, que se tornaram predominantes e, durante certo tempo, chamados ‘verdades’- valores no domínio lógico, político (moral) ou artístico” (Além do bem e do mal, p. 132).
Noticiaram a grande imprensa e redes sociais o fato de que mais de dois milhões de pessoas assinaram uma carta aberta “do mundo para Trump” que se tornou manifesto para os próximos quatro anos, publicado e projetado na Trump Tower, em Nova York: “Caro Sr. Trump, não há grandeza no que o senhor está fazendo. O mundo inteiro rejeita seu discurso de medo, ódio e intolerância. Rejeitamos seu apoio à tortura, seu clamor à morte de civis e a forma como o senhor incita a violência em geral. Rejeitamos seu menosprezo às mulheres, muçulmanos, mexicanos e milhões de outras pessoas que não se parecem com você, não falam como você e não rezam para o mesmo deus que você. Decidimos enfrentar seu medo com compaixão. Frente à sua desesperança, escolhemos a confiança. E, em vista de sua ignorância, escolhemos a compreensão. Como cidadãos globais, nós resistimos à sua tentativa de separar-nos uns dos outros.”
A mensagem exposta ao planeta, vista milhões de vezes, serviu de ferramenta ao alistamento de eleitores ‘online’, com cobertura na Reuters, Washington Post, CBC e CNN. O republicano na Presidência dos Estados Unidos faz crer que o mau cheiro da política denuncia o que escorre nos bastidores do poder, e não é suor, nem lágrimas. Sobre o eco sem fim da loucura social, o jornalista, advogado e doutor em Sociologia Welliton Carlos lembra que: “Em Paris, no século XVI, um dos grandes prazeres das festividades do Dia de São João consistia em queimar vivos uma ou duas dúzias de gatos. Esta cerimônia era famosa e a população se reunia, música solene era tocada e, sob uma espécie de forca, erguia-se a pira enorme. Em seguida, um saco ou cesta contendo gatos era pendurado na forca. O saco ou cesta começava a queimar e os gatos caíam na pira, queimando até a morte, enquanto a multidão se regozijava em meio a enorme algazarra. (Norbert Elias, “O Processo Civilizador”).
Marcado pelo ódio, medo, sexismo e xenofobia os EUA–embora horrorizados com Trump, quanto o resto mundo–será separado dos imigrantes por leis racistas e um muro, ainda maior, proposto por quem entende que o destino da massa é o paredão. Manifestantes dançaram em frente à Trump Tower, em Vancouver, no Canadá, no Parliament Square, em Londres, e, na Cidade do México, mariachis anunciaram a expansão da incredulidade e vergonha que divide, desde o século passado, terras mexicanas de si mesmas. A Califórnia é terreno roubado pela ganância e exército americano – composto, em sua grande maioria, de soldados estrangeiros. A realidade, sem nexo, retrata milhares de Juans e Marias que, sob as bênçãos de Nossa Senhora de Guadalupe, desde criança, sonhavam com filhos, casa mobiliada e quintal onde pudessem plantar “arroz, frijoles e maiz”. Queriam mais na fome de mistura, elas, desejavam vestidos de renda e sonhavam com companheiros que as olhassem por dentro, até bater à porta, o próximo cliente. A ilusão vislumbra anjos e monstros que a frieza da realidade não enxerga em nada.
As lideranças mudam e fatos não alteram. O movimento tem importância e deve continuar acelerando em relação ao clima, independente de quem esteja no comando do planeta. Em tempos globalizados é hora de formar a aliança que o mundo lógico precisa para salvar o planeta a partir da mobilização fundada na garantia dos valores e visões de uma sociedade civil global capaz de dar solução às questões políticas nacionais e internacionais. Há que dar voz e canção, em várias línguas, a membros e ativistas que lutam pela (co) existência da humanidade. Por enquanto pode-se dizer que o resultado não foi surpreendente e que o Relógio do Apocalipse está a dois minutos e meio da meia-noite.
E o pulso, ainda pulsa!
(Antônio Lopes, escritor, filósofo,mestre em Serviço Social, pesquisador em Ciências da Religião/PUC-Goiás;
aluno-ouvinte em Direitos Humanos/UFG)
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