O homem de uma mulher só
Diário da Manhã
Publicado em 27 de janeiro de 2018 às 02:12 | Atualizado há 7 anosHá dentro em mim um estranho a quem chamo de eu-autêntico, porque possuo um modo peculiar de viver a vida: sou um homem de uma mulher só. Meus amigos estão sempre me convidando para sair por aí, jogar conversa fora, beber a noite inteira, dançar e fazer outras coisas que não quero revelar. Mas eu sempre respondo a mesma coisa: sou um homem de uma mulher só.
O nome dela é Bárbara e certamente ela é a mulher mais diferenciada que conheço. Bárbara, Bárbara! Como ela é Bárbara! Não Bárbara no sentido de barbárie, mas no sentido de sensacional, dinâmica, criativa e inteligente. Eu tenho por ela o maior amor do mundo. Por ela é que acordo todas as manhãs, por ela eu daria a minha vida. Não há no mundo companhia mais atraente, para mim, do que a de Bárbara.
Outro dia uma amiga, a Cristina, veio falar comigo. Estávamos à beira da piscina, quando a bela mulher me fez um convite empolgante. Disse-me que sua família tem uma casa em Angra e que poderíamos ir para lá no final de semana. Eu respirei fundo, mas, sério, respondi que não poderíamos ir para Angra, porque sou um homem de uma mulher só.
Confesso que mesmo amando Bárbara loucamente, às vezes sinto-me cansado de ser esse homem de uma mulher só e tenho vontade ou, sei lá, necessidade, de sair por aí, conhecer outras pessoas, sorrir com elas, querer e ser querido. Congratular… sim, eu adoraria! Mas como, se sou um homem de uma mulher só?
O problema maior é que nesses últimos dias eu me sinto um girassol: dependente de luz e de calor humano, dependente de encantamento. Sinto-me estranho e muito só! Embora minha mente esteja repleta de pensamentos e sentimentos e desejos de fugir, eu simplesmente não consigo me mover além de uma caminhada no parque à noite. Se não for com Bárbara, não sei me divertir.
Ontem, as ruas estavam molhadas, porque chovera o dia inteiro presenteando a noite com lindas estrelas e um clima de agradável frescor. Caminhei sem destino. Pensava nos meus amigos que naquela hora estavam em um barzinho qualquer, ouvindo boa música e sorrindo. Desejei estar com meus amigos. Pensei em Cristina que estava com a família em Angra e desejei estar com eles.
Num repente, lembrei-me de Bárbara e visualizei a razão de ser um homem de uma mulher só. Voltei para casa com uma decisão em mente. Encontraria Bárbara e lhe diria que eu não estou satisfeito com essa situação, que não quero mais ser um homem de uma mulher só.
Então, entrei devagar, passo a passo, com cuidado. Não queria assustá-la. Subi as escadas quase flutuando e vi a porta do quarto semiaberta. Pude vê-la sentada e no seu colo, jacente um computador aberto em meia página em branco. Bárbara, sem notar a presença, continuava a tambolilar o teeclado com harmonia, musicalidade e cores textuais em Arial 12.
Pensei: – “Não, ela não é só. Definitivamente Bárbara não é uma mulher só. Ela tem a literatura por companhia” – E eu, diante da sua criativa solidão, quedo-me e a reverencio.
(Clara Dawn, romancista e produtora de conteúdo do Portal Raízes – portalraizes.com)
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