Opinião

O isolacionismo americano

Júlio Nasser

Publicado em 10 de abril de 2017 às 23:31 | Atualizado há 8 anos

Estamos todos profundamente impressionados pelas propostas isolacionistas que envolvem o governo americano neste momento de graves indefinições que ameaçam, ao mesmo tempo, a ordem mundial e a democracia. Mas não devíamos. Trump talvez seja menos maluco do que finge ser. A história dos Estados Unidos mostra que a arrogância, o desprezo e a falta de solidariedade da maioria da nação americana em relação ao resto do mundo é algo profundo.
Para entender esse fato, basta olhar para o comportamento do país depois da vitória na Primeira Guerra Mundial, da qual emergiu como o credor “universal”. Na famosa Conferência de Paris pela Paz, em 1919, o então presidente dos EUA, o democrata Woodrow Wilson, o primeiro-ministro da França, Georges Clemenceau, e o da Inglaterra, David Lloyd George, e mais uma dezena de líderes mundiais trabalharam meses para determinar quais “reparações” seriam exigidas dos vencidos e como reorganizariam o seu espaço geográfico. Por sugestão e pressão de Woodrow Wilson, criaram a Liga das Nações, destinada a terminar com as guerras e garantir a “segurança coletiva”.
O resultado não poderia ser mais trágico. Como Keynes apontou no seu The Economic Consequences of the Peace (1919), as “reparações” impediram a reconstrução da Alemanha, logo depois envolvida numa voragem inflacionária que preparou a chegada de Hitler, ou seja, preparou a Segunda Guerra Mundial. Wilson voltou aos EUA e gastou o resto do seu mandato tentando convencer o Senado a autorizar o governo a participar da Liga das Nações.
Não foi ouvido e terminou desmoralizado. Seu sucessor, Warren Harding, um republicano, morreu no final do seu mandato (1921-1923). Sob a influência do setor privado americano, temeroso de que a Liga das Nações pudesse diminuir a hegemonia que havia adquirido com a vitória na Guerra, fez sua campanha criticando a entrada dos Estados Unidos no organismo. A história da Liga das Nações é uma saga que revela bem o papel da realpolitik que controla as nações, com idas e vindas de países oportunistas.
Como a sua sucessora, a ONU, criada depois da Segunda Guerra Mundial, revelou-se absolutamente impotente para manter a “segurança coletiva”: trata-se de um custoso clube onde diplomatas fazem discursos sem consequências… As grandes potências, que têm poder de veto, fingem aceitá-la porque ela é ineficaz e inofensiva.
Para se ter uma ideia do isolacionismo americano estimulado por Harding e confirmado por seu sucessor, John Coolidge, outro republicano (1923-1929), e também inimigo da Liga das Nações, é preciso reconhecer que, desde a posse do primeiro, em 1921, os republicanos, que depois da Guerra sentiram a competitividade dos EUA diminuir, exigiram políticas protecionistas. Não foi por outro motivo que, em 1922, o Congresso aprovou o Fordney-McCumber Tariff Act, que simplesmente dobrou a tarifa média dos EUA.
Mas há mais. Em 1924, já sob a presidência de Coolidge, o Congresso americano aprovou o Immigration Act, que inaugurou o controle por cotas da imigração para os EUA. Limitou-se a imigração de qualquer país a 2% do número de descendentes de imigrantes da mesma nacionalidade, residentes nos Estados Unidos em 1890.
A ideia, provavelmente, era a de que, fixando esse ano, a composição étnica do país se manteria relativamente estável. Em 1890, a população de estrangeiros era 13% do total, o mesmo que em 1920. O que os distinguia era a profunda mudança na nacionalidade dos imigrantes. Esses fatos exprimem, mais que mil palavras, o viés étnico que dominou Harding e Coolidge, reforçado agora por Trump. A restrição não é contra qualquer imigrante, mas contra particulares imigrantes. Em 1920, contra italianos; em 2017, contra latino-americanos.
Em 1929, tomou posse outro republicano, Herbert Hoover (1929-1933), com o qual se completaram 13 anos de domínio do partido, que terminou no isolacionismo e na tragédia de 1929, enfrentada depois por Franklin Roosevelt, um democrata (1933-1945), mas isso já é outra história.
Essa pequena excursão à essência do pensamento republicano faz parecer menos idiossincrático o estranho comportamento do presidente Trump. Ele talvez responda a um profundo sentimento de parte da nação americana, que sempre pensou: “Somos tão bons, que é melhor andar sozinhos do que mal acompanhados”.

]]>


Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

últimas
notícias