O lirismo rural na poesia de Gilberto Mendonça Teles
Diário da Manhã
Publicado em 20 de fevereiro de 2018 às 22:44 | Atualizado há 7 anosAcredito que o escritor e ensaísta Gilberto Mendonça Teles, para alcançar o nível intelectual e literário que conseguiu, dignificando o país e até incomodando os “medianos”, baseou-se em três requisitos essências: talento, concentração e dedicação. Só com o intenso uso dessas condições, devidamente pensadas e planejadas, alcançou a plenitude de sua vida literária. Escreveu seus importantes ensaios, na prosa e na poesia. Por que o último deles, bilíngue, chamou-se “Lirismo Rural: o Sereno do Cerrado?” Criou a interessante metáfora da Saciologia Goiana, para defender-se dos mais esquisitos atrasos, valendo-se das manhas do saci fálico, condição que nem Monteiro Lobato e Hugo de Carvalho Ramos tinham percebido, tornando-se o próprio, assim como os negros também o fizeram, no sofrimento da escravidão, devendo se imaginar os muitos significados da palavra kalunga/calunga, sempre na defesa de uma Cultura. Isso mesmo, com “C” maiúsculo, do segmento étnico africano.
Enfim, dentre outros âmbitos, compreendeu no mais profundo de sua alma o que quer dizer telurismo rural em Goiás, sua terra onde, apesar da destruição sinistra, continua forte, incomparável, sobretudo em sentido poético, o que Gilberto mais aprofundou e já registrei em capítulo do livro “A cidade na História”, em elaboração, merecendo transcrição:
Em sentido poético, creio que ninguém mostrou melhor a vida “rural goiana”, do que o escritor – fundamentalmente poeta – Gilberto Mendonça Teles que, além de notável escritor e ensaísta nas terras de nascimento, onde consegue ser universal e regional como um dos maiores expoentes da literatura brasileira, jamais esqueceu o forte telurismo e lirismo rural dos seus saudosos rincões goianos, nesse mais centralizado Estado do Brasil. Faz isso através de apurado trabalho intelectual, mais precisamente poético, tendo como melhor exemplo a justificar o seu projeto “subjetivo-estético”, a oportuna metáfora “Saciologia Goiana”, representada em livro homônimo de 1982, onde a preocupação campesina começa num traçado da capa, exibindo um papagaio de fronte azul, uma cobra jiboia e uma onça pintada, sobre bucólica vegetação do cerrado, saindo a 7ª edição em 2013, ainda mais esmerada, com brilhante prefácio do escritor Carlos Gomes de Carvalho. Além de uma síntese da poesia trabalhada de Gilberto, é uma obra de amor à terra natal – com seu povo, suas lendas-mitos, como a emblemática do Saci Pererê, suas árvores, rios e bichos, sem qualquer sentido pejorativo dos que acham que podem dominar a natureza.
Com as edições citadas, “Saciologia Goiana”, mostra o lado campesino goiano de diversos modos, sempre através de apuradas e comoventes poesias. Na memória e esperteza de um saci, na metáfora do próprio livro onde Gilberto, sem a menor dúvida, é o personagem mais importante; na linguagem, onde algumas vezes se “alembra duma tarde na roça: a poeira da boiada e o berrante cortando e dando nó; numa declaração/inventário, onde recorda cinquenta alqueires goianos de montanha e lagartixas tenho alto paraíso deste planalto, onde habito plantando pedras, criando nuvens, num vago projeto de gado e mina de urânio, central de léguas e ventos na chapada mais bonita de Goiás”; na Geografia do mito, além de várias outras modalidades, o “saci goiano é do Pererê: passa o ano todo junto de você, erguendo saia de moça dengosa. Pulando cerca e contando prosa, ver redemoinho de poeira junto à porteira, numa perna só, com seu lápis preto fazendo soneto de vento e cipó”. E a fascinante descrição desse bicho do mato, tirando sarro com seu gorro, berrando, pulando, guloso? Ao certo, Gilberto, assim como Bernardo Elis e Cora Coralina, é uma vítima das injustiças do atraso.
(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro do Movimento Negro Unificado – MNU, da Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHGGO, Ubego, mestre em História Social pela UFG, professor universitário, articulista do DM – martinianojsilva@yahoo.com.br)
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