O livro de ouro da minha vida
Diário da Manhã
Publicado em 13 de março de 2018 às 22:49 | Atualizado há 7 anos“É certo que a República vai torta; / Ninguém nega a duríssima verdade. / Da pátria o seio a corrupção invade / E a lei, de há muito tempo, é letra morta.”
A atualidade desses versos é incrível, ante tanta corrupção e tanta impunidade nesta República Federativa do Brasil do século 21. Mais incrível ainda, contudo, é saber que eles foram escritos pelo memorável poeta Manuel Bastos Tigre, que nasceu no século 19, justo no dia 12 de março de 1882. Ele é considerado o primeiro bibliotecário do Brasil e, em sua homenagem, nessa data se homenageia os profissionais de bibliotecas.
Mas não vou falar de corrupção, neste artigo. Vou falar de livros, em homenagem aos bibliotecários e ao ilustre escritor. Ou melhor, sobre o livro da vida de cada ser humano. Aliás, são duas datas afins: o 14 de março, Dia do Vendedor de Livros; e o já citado 12 de março, Dia do Bibliotecário.
Não nos esqueçamos que a vida humana está contida num grande livro, onde diariamente é registrado cada pensamento bom que se tenha ou cada obra de bem que se realize, como também o que for mau, seja no pensar, no dizer ou no atuar. O homem, em geral, desconhece a existência desse livro porque não se dá ao trabalho de registrar, em sua consciência, os próprios pensamentos, palavras ou ações. Se assim fizesse, veria com surpresa quantas mudanças ou quantas correções deveriam ter sido feitas no curso de seus dias. Saberia, então, julgar-se com uma justa apreciação de seus valores e não cairia, como tão facilmente cai, na sobre-estima de si mesmo.
Mas para cada um escrever bem, com tinta de ouro, o livro da sua vida, deve antes conhecer o personagem principal; ou seja, a si mesmo. E aqui recorro mais uma vez ao bibliotecário e escritor Manuel Bastos Tigre, autor destes versos:
“Não sei quem sou nem sei por que motivo / vim ao mundo e o que nele vim fazer. / Sei que penso e, portanto, sei que vivo, / neste anseio instintivo de viver”.
Para se conhecer internamente e saber quem é, o interessado deve fazer uma formal auto apresentação, pois já é sabido que cada um dos seres é um desconhecido para si mesmo. Alguém poderá dizer que, ao fazê-lo, se vê diante de um ser mudo, que não sabe o que responder; entretanto, ele ali está, respondendo aos gritos por meio de tudo o que foi pensado e feito desde que nasceu neste mundo. Se é causa de desgosto o tempo que se perdeu e a miséria do trabalho realizado como ser inteligente e consciente, que então se controlem os pensamentos e a conduta mediante o ordenamento de uma nova e rigorosa disciplina, e que se consagre o tempo na recuperação das horas perdidas e na reparação das faltas cometidas, a fim de que a obra da vida seja uma obra de homens que souberam pensar e sentir.
Que a tinta empregada para gravar nas páginas desse livro os caracteres da própria história se transforme em ouro líquido, esse ouro que é a essência do pensamento vivo manifestando-se nos traços e nos feitos mais honrosos, mais elevados e heroicos que o ser humano deve condensar nas páginas de seu livro pessoal.
Quando chegará o dia em que esse livro deixará de ser feito de metal vulgar, simbolicamente falando, onde qualquer um rabisca os parágrafos que queira, para converter-se em livro de ouro, cujo autor seja um só, único e legítimo autor de sua própria história? Que o livro da vida seja uma obra de homens que souberam pensar e sentir.
(Dalmy Gama, escritor, professor, docente de Logosofia)
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