O paradoxo dos desinformados na era da informação
Diário da Manhã
Publicado em 20 de janeiro de 2018 às 00:15 | Atualizado há 7 anosNão há dúvidas de que estamos na era da informação. Basta que você reflita brevemente sobre isso que serão muitos os exemplos que se tornarão visíveis: os periódicos que você assina e recebe diariamente, os canais de filmes e séries por streaming que seus filhos assistem, as redes sociais e os aplicativos de mensagens que toda a sua família participa, a própria cultura atual de uso massivo de recursos da tecnologia da informação que todo o mundo compartilha e muito mais.
São os sabores da vida moderna, que para os mais jovens parecem que sempre existiram e que os mais velhos abraçaram como sinal de conformidade com o mundo em transformação. O que dizer? Os horizontes de possibilidades são tantos e toda essa onda de novidades chegando a todo o momento que não tem como ficar de fora. Aliás, não é de se estranhar que até aqueles que não participam de forma direta do grande sistema são incluídos nele pelo governo e pelas empresas ao modernizarem as suas bases de dados.
Nesse aspecto e de uma forma bem geral, as pessoas podem ser classificadas em dois grandes grupos. O primeiro deles é formado por uma minoria para a qual a inclusão digital chega de forma indireta. Eles recebem os reflexos dessa modernidade de forma passiva e, sem qualquer surpresa, também figuram em desvantagem em outras classificações ao longo de suas vidas, principalmente pela falta de instrução, oportunidades e incentivo. São exemplo as pessoas idosas, anteriores às redes sociais, que não possuem o entendimento sobre a amplitude e o uso de certas tecnologias e – de uma forma bastante reprovável – acabam se tornando a piada ao protagonizarem vídeos disseminados na Internet em que não conseguem mesmo que pronunciar o nome de determinada tecnologia da forma esperada.
No outro grande grupo estão aqueles que abraçaram a tecnologia da informação com todos os seus recursos e possibilidades e acreditam estar na vanguarda. São pessoas que curtem, compartilham, postam e “twittam” freneticamente enquanto vivem as suas vidas e seguem as demais. Para eles, a vida monótona principalmente vivida nos pequenos vilarejos é substituída por outra, de visibilidade plena e alcance global. As tecnologias lhes dão a oportunidade de expressarem opiniões, acompanharem os seus artistas preferidos, acompanharem produções internacionais, aumentarem o seu ciclo de “amizades”, conversarem com qualquer pessoa ao redor do mundo, “evoluir” das telenovelas para as séries e filmes, criarem novas modalidades de trabalho, etc.
As possibilidades para eles são tantas que acabam por gerar uma fascinação excessiva que privilegia a experiência e ignora questões cruciais e que regulam esse novo mundo digital. Assim, a cintilação acaba por produzir um efeito negativo sobre todo o conhecimento adquirido – por mais atualizado que seja – sobre as tecnologias disponíveis e o grupo tido como a elite acaba compondo um novo rebanho de desinformados. Um exemplo disso está nos termos de uso e declarações de privacidade que geralmente aparecem quando há o ingresso em um determinado serviço oferecido pela Internet e que a pressa para curtir a experiência de uso faz com que o interessado ignore.
O pior de tudo é que a pressa acaba por retirar o poder de análise, discussão e posicionamento sobre temas centrais como a relação entre as pessoas e as organizações que disponibilizam os serviços. Discutir sobre esses aspectos pode parecer mera burocracia do mundo moderno, mas não é. Há questões centrais importantíssimas como privacidade, coleta de dados pessoais quase que de forma arbitrária, uso e compartilhamento de informações sensíveis, o poder das empresas para realizarem alterações contratuais unilaterais, inclusive para incluir novas regras, etc.
É a equação perfeita: a falta de interesse das pessoas e o entendimento por parte das empresas do papel da tecnologia da informação como instrumento de controle e o poder que isso representa. As empresas têm a localização, as preferências, o histórico de pesquisas, os contatos da agenda telefônica, fotos e vídeos – algumas enviadas pelo próprio usuário pelas redes sociais e aplicativos de mensagens e outras apenas armazenadas nos smartphones -, entre outras coisas. Um exemplo simples disso reside no fato de que a maioria das fotos capturadas por smartphones carregam a localização, os detalhes da exposição, da lente e uma série de informações adicionais que podem ser usadas conforme o bom senso daqueles que têm o poder de decisão em tais empresas. Isso reflete em domínio que está sendo usado de forma massiva e as pessoas acabam não se importando.
O comportamento despreocupado das pessoas reflete muito mais que apenas desinteresse. Nele, estão contidos a passividade, a desinformação, a aceitação tácita com requintes de submissão consensual, a ignorância e dependência e uma série de outros aspectos que devem ser repensados. De outra forma, corre-se o risco de evoluirmos de uma sociedade “informada” para outra que apenas escolheu curtir.
(João Renes A. B. Barreto, engenheiro da computação, pós-graduado em Computação Forense e Perícia Digital e um estudante assíduo)
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