O perigo da condenação nos crimes de natureza sexual
Diário da Manhã
Publicado em 1 de agosto de 2018 às 22:59 | Atualizado há 6 anosA jurisprudência dominante nos tribunais revela que, inexistindo outras provas, a tendência é impor a condenação com a palavra da vítima, contudo, houve casos que, a suposta “vítima” nutrindo-se de valores e arrependimento, revela posteriormente, com as cautelas, que o fato não existiu, quer seja, não passou de invenção, utilizando-se mecanismo como ato de vingança. Fato este que, gerou gastos com a máquina judiciária, dispêndio de tempo, refletindo em lentidão de outros processos, bem como, produzindo reflexos na esfera cível e criminal, inclusive, os transtornos do sofrimento da prisão injusta.
Força esclarecer, no caso da prisão preventiva, ou por objeto de condenação. Frise-se, os crimes de ordem sexual, são realizados de modo clandestino, quer seja, às escuras, longe dos olhos das testemunhas, tendo poucos elementos para a formação da culpa, especialmente às vítimas vulneráveis. Em face a este teatro, conquista especial situação no mundo jurídico. A jurisprudência, não veda a condenação baseada na palavra da vítima, entretanto, o ponto de tensão é que, os demais elementos, para embasar a condenação, deve estar alinhado às demais situações, com escopo de evitar injusta condenação e os transtornos demonstrados em linhas pretéritas. Não é raro ver matérias na imprensa, casos em que inocentes são condenados por crime não praticado, em certos casos linchados pela população, etc.
Como o Código Penal define a matéria.
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
- 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
- 2o Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009).
O que pensa a doutrina.
“Evidentemente, para que o sujeito ativo que praticou crimes contra a dignidade sexual seja condenado, é indispensável a comprovação da autoria e materialidade do delito, para que assim o magistrado possa avaliar as provas e julgar a ação procedente ou improcedente, aplicando-se o direito ao caso concreto (GRECO FILHO, 2013, p. 228).
Nesse sentido, foca-se o presente artigo, a princípio, na produção de provas especificamente nos crimes de estupro, previsto no artigo 213[1], do Código Penal e estupro de vulnerável, disposto no artigo 217-A[2], do mesmo diploma legal.
Desse modo, observa-se que os crimes sexuais em comento podem ser comprovados por documentos, que são definidos por Greco Filho (2013, p. 253) como “todo objeto ou coisa do qual, em virtude de linguagem simbólica, se pode extrair a existência de um fato” como, por exemplo, fotos, vídeos e laudos psicológicos. Contudo, importante frisar que tais documentos raramente existem em delitos de natureza sexual.
Nesse ínterim, a existência da prova testemunhal (tópico 1.3 do presente trabalho) também não é comum nos delitos em questão, por ocorrerem em sua maioria na clandestinidade, em sigilo (NUCCI, 2014, p. 38), longe dos olhos de outros senão dos próprios protagonistas, às escuras, sendo poucas as situações em que há abundância de provas para a condenação do acusado, mas não inexistentes, como se pode constatar pela seguinte jurisprudência (NUCCI, 2014, p. 142): “TJRJ: “Nos crimes sexuais, a palavra da vítima, ainda que de pouca idade, tem especial relevância probatória, ainda mais quando harmônica com o conjunto fático-probatório. A violência sexual contra criança, que geralmente é praticado por pessoas próximas a ela, tende a ocultar-se atrás de um segredo familiar, no qual a vítima não revela seu sofrimento por medo ou pela vontade de manter o equilíbrio familiar. As consequências desse delito são nefastas para a criança, que ainda se apresenta como indivíduo em formação, gerando sequelas por toda a vida. Apesar da validade desse testemunho infantil, a avaliação deve ser feita com maior cautela, sendo arriscada a condenação escorada exclusivamente neste tipo de prova, o que não ocorreu no caso concreto, pois a condenação foi escorada nos elementos probatórios contidos nos autos, em especial pela prova testemunhal, segura e inequívoca de E. e S., irmão e cunhada do acusado, que presenciaram a relação sexual através da fechadura da porta, bem como pelo depoimento da avó que também presenciou o fato, sem contar com a confissão do acusado e do laudo pericial que atestou rupturas antigas e cicatrizes no hímen” (Ap. 0009186-56.2012.8.19.0023/RJ, 1º C.C., rel. Marcus Basilio, 24.04.2013) (NUCCI, 2014, p. 142).
Ademais, os crimes contra a dignidade sexual podem ser comprovados também por meio de exame de corpo de delito e, finalmente pela declaração da vítima, lastreada ou não por laudo psicológico.
Por exame de corpo de delito, entende Avena (2009, p. 267) que: “Compreende-se a perícia destinada à comprovação da materialidade da infração que deixa vestígio […] Tal conceituação decorre da exegese do art. 158 do Código de Processo Penal, dispondo que “quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”.
Sendo assim, a não observância de citado dispositivo legal pode acarretar nulidade processual.
Em sentido oposto, porém, há que se ressaltar o artigo 167, do mesmo diploma legal, que traz uma ressalva quanto à indispensabilidade do exame pericial, não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.
Assim, verifica-se que nos crimes sexuais, em que há a conjunção carnal, consagrada na doutrina e na jurisprudência como a cópula pênis-vagina, ou outro ato libidinoso, definido como aquele capaz de gerar prazer sexual, ou seja, todos os demais contatos físicos que não a cópula vaginal, passíveis de gerar satisfação da lascívia, como sexo anal, oral e toques em partes pudentas da vítima, dentre outros (NUCCI, 2014, p. 38), existe a possibilidade de se comprovar a materialidade por meio de exame pericial, quais sejam: Exame de Conjunção Carnal, Exame de Ato Libidinoso e Exame de Pesquisa de Espermatozoides, além do Exame de Lesão Corporal, utilizado geralmente para caracterização do emprego de violência, para alcançar o constrangimento inerente ao crime de estupro.
Ocorre que, não raro, a materialidade do delito sexual não consegue ser devidamente demonstrada, mesmo com a realização de citados exames, tendo em vista que grande parte destes crimes não deixam vestígios, seja pelo decurso do tempo, por peculiaridades pessoais e físicas da vítima ou pela própria característica do abuso realizado”. (Todos grifados).
Sob esta ótica ao condenar alguém por crime de natureza sexual baseado apenas na palavra da vítima resulta em grave e irreparável dano judiciário.
Vale gizar que, crianças e pré-adolescentes, são facilmente sugestionáveis por diversos fatores.
Ao estarem em juízo, evitam desagradas quem lhe pergunta, como o advogado de acusação, juiz, promotor, psicólogo, inclusive, ao responsável que lhe acompanha, e evita desmentir o que lhe fora sugestionado, inclusive, por eventualmente sofrerem represália.
Por conseguinte, nas vigas mestras do direito, no caso vertente, é necessário frisar, os condenados por crime de natureza sexual são brutalmente estigmatizados pela sociedade e pelo sistema prisiona, degradante, um dos piores do mundo, com superlotação, falta de higiene, doenças, desrespeito à dignidade. Permita-me esclarecer, não sou contrário ao encarceramento, contudo, é necessário impor condições de respeito ao ser, a exemplo dos países desenvolvidos.
Sob outro vértice, nas vigas mestras do direito, no caso vertente, é necessário enfatizar que, os condenados por crime de conotação sexual, são brutalmente repudiados pela sociedade, inclusive, no sistema prisional pelos demais detentos.
Outro elemento de relevo, ocorre com erro da “vítima” ao reconhecer o seu agressor, em especial à forma de falsas certezas, em face do trauma experimentado.
É bom frisar que, trata-se de crime grave e que por vezes esclarecido e encerrado com poucas provas. Reiterando que, especialmente com afirmação da vítima, que em face à circunstâncias da tipicidade penal. Nesse caso a “suposta vítima”, com caracterização pelo ódio, nutrida por interesses pessoais, e até mesmo por busca de vantagem financeira e eventualmente outros motivos, faz uso do processo para alcançar objetivo indevido.
A conduta traz consequências desastrosas à pessoa injustamente condenada.
Evidente que, a pretensão não é necessariamente a condenação, mas, a busca objetivando apurar a verdade, entretanto, reitere-se, o perigo da injusta condenação pela unicidade da prova. Lembrando o trágico dano aos dirigentes da Escola Base e muitos outros casos amplamente divulgados.
Sendo assim, é urgente adotar mecanismos para ampliar a segurança e evitar dano irreparável.
Lembre-se da máxima, no Direito Penal, “na dúvida em favor do réu”. (Grifo).
Reitere-se, as consequências repousam na multiplicidade da injusta condenação, os danos sofridos pelas agruras do sistema prisional brasileiro, os danos à imagem, a perda da credibilidade na sociedade, e os reflexos na família.
(Vandelino Cardoso, advogado, pós-graduado em Proc. Penal, professor, conselheiro da OAB-GO. Cursou a Adesg – Escola Superior de Guerra. Especialista em Política e Estratégia. Aulas ministradas na TV Justiça/STF. Conselheiro do Conselho Penitenciário)
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