O resgate não virá apenas com a intervenção
Diário da Manhã
Publicado em 20 de fevereiro de 2018 às 00:10 | Atualizado há 7 anosEmbora seja uma medida de exceção e quando não há mais recurso a adotar, fato é que desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, nunca houve uma intervenção federal desta magnitude e para restabelecer a ordem pública. O que houve foram pedidos de ajuda dos Estados por conta de distúrbios que ocorriam nos mesmos. Aí a Força Nacional de Segurança e também em alguns casos as Forças Armadas atuavam em conjunto e em acordo com as autoridades locais, mas tudo sem que houvesse a perda da autonomia do Estado em relação à governança ou a parte dela.
Apesar disso, foi acertadissima a medida do Governo Central de decretar a Intervenção Federal no Estado do Rio de Janeiro. Todos os dias acompanhamos pela mídia escrita e televisionada o estapafúrdio que está se tornando viver naquela cidade nem tão mais maravilhosa por conta desses acontecimentos. É como se o cristalino e azul das águas do seu mar ficassem turvo e barrento. As suas belas montanhas se encolhessem. O seu povo extrovertido se recolhesse e começasse a falar menos e baixo, por medo de ser notado. É como se a estátua do Cristo Redentor lá erguida no topo do Corcovado para abençoar aquele povo, agora ficasse olhando para um lado e paro o outro com o fito de se esquivar das balas perdidas. É uma pena, pois trata-se realmente de uma das mais belas cidades do mundo. Morei lá por alguns anos, nos idos de 90. A violência sempre existirá, naquela época num menor grau só que com o passar dos anos a escalada tem tomado proporções exponenciais.
Na nossa modesta opinião como administrador e gestor, sem considerar questões de habilidades estratégias e perícias militares e bélicas, não dá para apenas as forças armadas ocuparem as ruas por meses e depois se retirar. Isso já ocorreu em épocas de grandes eventos como as Olimpíadas, Copa de Mundo e etc. Esse tipo de atuação tem efetividade mas não é eficiente. Efetividade por que diminui os índices da criminalidade, a sensação de alívio e segurança da população realmente ocorrem. Não há eficiência por que esses benefícios não perduram por conta de não se observar outras questões paralelas importantíssimas para que essa aparente calma e tranquilidade, conseguida com os tanques e anfíbios se tornem perenes.
Quando há a retirada dos homens das ruas, aquele tempo todo a bandidagem ficou encolhida, tensionada e tal qual um estilingue quando soltamos o elástico ele volta com força total e indo mais longe e querendo mais.
Por isso, que paralelamente, reforço, apenas com uma visão gerencial, o interventor tem de se cercar de pessoas que também pensem a crise de segurança de maneira estrutural e não só pontual.
Neste ínterim tem que ser pensadas ações no campo da identificação da população circulante às quadrilhas. Essa população não é criminosa na essência ela assim está por uma questão de não ter outras oportunidades na vida social, como um trabalho digno e condições de educação e saúde adequadas e também por muitas vezes são obrigadas a colaborar com os facínoras. É preciso ajudá-los e resgatá-los para que saia, deste estado de subserviência ou conivência ao crime organizado, ou vocês pensam que quando vimos na TV membros das comunidades carentes, aqueles que lá estão, todos são bandidos!? A maioria com certeza não.
Quando se fala em crime organizado, as autoridades responsáveis têm de usar de meios de desestruturá-los, mas isso é mais uma questão estratégica e bélica e não nem me estender, mas que não deve passar apenas pelo choque nas ruas e nas comunidades. Passa por outras atitudes extremamente necessárias nas fronteiras e na vigilância das vias de acesso, por água, mar e ar.
Um outro fator crucial é que as polícias civis e militares têm de ser melhoradas em termos de equipamentos e principalmente na capacidade e integridade de seu corpo funcional. Creio eu, leigamente, mas com uma certa dose de estar certo que se a corrupção e os esquemas de conluio forem descobertos e banidos, ou pelo menos quase que totalmente as condições de trabalhos dos bons policiais, que são a maioria, melhorarão sensivelmente e eles terão de dar condignamente o respaldo que a população merece.
Agora não precisa ser Einsten ou um renomado cientista político, antropólogo, pedagogo, especialista em segurança pública etc, etc para perceber que tudo isso não será possível de ser feito no prazo que durará a intervenção, até 31/12/2018. Não por culpa do Governo Central que a estabeleceu, mas sim porque a intervenção federal por força constitucional tem de ter prazo para seu termo.
Essa luta árdua e muitas das vezes inglória deverá perdurar e persistir por muito mais tempo até que as coisas realmente voltem minimamente para os eixos. Pelo menos até a população do Estado do Rio de Janeiro ter a certeza de que a ordem está restabelecida e confiar novamente nos poderes públicos, atualmente totalmente desgastados. A intervenção vai ser temporária mas a vigilância e a perseverança pelo resgate da dignidade do povo do Rio de Janeiro tem de ser permanente. Só a intervenção que tenho cunho meramente bélico não será capaz de resolver o problema, a que se mergulhar em profundidades abissais para trazer à tona a essência dos problemas verdadeiros para poder atacá-los.
Nós que residimos nos outros Estados da Federação, em outras cidades, não devemos achar que estamos incólumes. Há que ter um planejamento, um preparo, uma atuação efetiva por quem de direito para que não cheguemos a tal inconcebível situação. Já tem Estados que estão tangenciando com tal episódio. Não cruzem os braços, ajam!
(Carlos Roberto Neri Matos, prof. especialista em Administração Pública e Direito Administrativo e sup. de administração do MF)
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