O trabalho de médicos psiquiatras com toxicômanos controlado pelo Judiciário
Diário da Manhã
Publicado em 18 de junho de 2017 às 01:23 | Atualizado há 8 anos“Marcelo, vai aqui uma crítica à sua defesa de Dória na Cracolândia (internação à força de dependentes químicos que não querem se tratar); você diz que entre ricos e classe média, quando há drogas, problemas de comportamento, a família chega no hospital psiquiátrico onde vc trabalha e interna, sem burocracias. Já com os pobres da Cracolândia, você diz que o Estado/governo interpõe uma série de dificuldades, tem de passar por promotores, juízes, direitos humanos, equipes multidisciplinares, ONGs, etc. Eu não concordo com sua opinião, acho que os médicos não tem de ter “esse poder todo” de dizer quem vai internar ou não; acho que o médico tem de ter um controle social; acho que os médicos são muito paternalistas; por isso precisariam dos juízes para corrigirem esses desvios”.
Resposta: Caro amigo: você julga que um gari “tem algum poderzinho“ por estar varrendo uma rua e precisa, por isso, ser “controlado”? Se um bebê seu chega com uma convulsão febril a um pronto-socorro, você acha que antes de interná-lo, medicá-lo, salvá-lo, você, como pai precisaria de um “controle social” exercido pelo juiz sobre o “poder do pediatra?”. Pois bem, para nós, psiquiatras hospitalares, que lidamos com os casos graves, de gente morrendo, a situação é a mesma. E temos muitos critérios objetivos para mostrar que aquele paciente toxicômano não é apenas “alguém que escolheu viver na rua e comer lixo”, é alguém, de fato, doente. Quero evitar tecnicidades pedantes, mas, entre numerosos critérios, temos exames objetivos (ou seja, que não dependem da avaliação subjetiva de ninguém) de medicina nuclear (p.ex. cintilografia cerebral: SPECT, PET), temos exames neuropsicológicos, temos o exame psicopatológico estandartizado (BPRS, SCID, DSMV, etc, etc). Todos apontam para uma grave disfunção cerebral do portador, aqui, no caso , do toxicômano.
Não é, então, questão de “escolha”, “liberdade”, “privação de autonomia”, (ou seja, conceitos jurídicos/sociológicos) é uma questão de doença. Quem pode opinar sobre a questão de doença é o profissional de saúde, não o profissional do Direito; do mesmo modo que , como médico, eu não tenho nada a dizer sobre o Código do Processo Penal aplicado a “criminosos normais” como Renan, Lula, Temer, Joesley, Odebrecht, etc. O sistema de “controle social” pode sim, até deve, opinar sobre qualquer atitude de qualquer profissional, inclusive do médico. No entanto, a isso deve aplicar-se o princípio jurídico da “razoabilidade”, ou seja, você não pode colocar um Juiz do lado de cada médico da UTI para ver se “ele está matando ou não os pacientes”. Inclusive porque o juiz sozinho, não tem capacidade técnica/médica para isso, apesar da onipotência, plenipotencialidade e ética acima-de-qualquer-mortal que você tenta outorgar a esse profissional…
Talvez seja um pouco incongruente dizer que o Judiciário, o rei do paternalismo estatal, o rei do “socialismo judicante”, o rei das “benesses sociais feitas com o chapéu alheio”, o rei da justiça-coitadista-trabalhista-que-está-afundando-empresas-e-a-economia, vir agora controlar um tal e pretenso “paternalismo médico”…. E é incongruente também dizer que é “paternalista” alguém que quer internar um paciente à força. Nesse caso mesmo, em particular, paternalista é o Judiciário que quer livrá-lo disso…
Quanto à necessidade de “controle social” sobre o médico, isso me parece mais uma falácia para dar mais uma justificativa para a existência de um Estado Invasivo e Plenipotenciário. Eu posso alegar, do mesmo modo, que o Juiz que você diz que deve controlar o médico também precisaria ser controlado. E daí? Onde vamos parar? Em Deus? Inclusive porque ´”seu” idealizado sistema judicial/estatal também precisaria de controle, não? Vejamos o próprio depoimento do Joesley, só para refrescar a memória, se ela não me falha, dizendo que tinha comprado um procurador, tinha um outro procurador infiltrado na Lava Jato, já tinha comprado um juiz titular e estava comprando um juiz substituto…. Então, caro amigo, “quem vai controlar quem controla?”. Vamos transformar Deus em funcionário público ? Mas aí o seu legalismo, caro amigo, irá impugná-lo dizendo que o Estado tem de ser laico …
(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra ([email protected]). Artigos às terças, quintas, sextas, domingos, no Diário da Manhã, Goiânia. Acesso gratuito em impresso.dm.com.br)
]]>