Opinião

O voto-desempate de Gilmar estava escrito nas estrelas

Júlio Nasser

Publicado em 4 de maio de 2017 às 22:00 | Atualizado há 8 anos

A recentíssima decisão do ministro Gilmar Mendes em desempatar o HC 137.728 em favor de José Dirceu estava prevista. Quando Toffoli e Lewandowki repeliram a prisão preventiva do ex-homem forte do governo Lula (2003-2010), já estava mais do que certo que Gilmar iria desempatar em favor do paciente.
Se levado em consideração o argumento do STF, de que as sentenças contra ele não foram confirmadas por um tribunal de segunda instância e por isso a prisão era ilegal, pelo menos 221 mil outros presos deveriam voltar às ruas. Esse é o número de brasileiros que estão presos provisoriamente e aguardam julgamento em segunda instância, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça. Só para ilustrar, Ednaldo José da Silva, foi liberado pelo STJ em 30 de maio de 2006 após dez anos cumprindo preventiva em Pernambuco.
Antes, como já comentei aqui neste espaço, ele concedera a ordem em favor de Eike Batista, como também votara para soltar, uma semana antes, dois notórios envolvidos na Lava Jato: o pecuarista José Carlos Bumlai e João Carlos Genu, já estava se sedimentando o entendimento de que a Segunda Turma do Supremo iria abrir as portas do xadrez para soltar todos os atingidos pela custódia preventiva, sob o mesmo argumento. Ao mandar o ex-ministro José Dirceu para casa, o Supremo leia-se Segunda Turma) reforçou a tese de que no Brasil só quem fica atrás das grades é o pobre.
Mas Gilmar já tem um passado comprometedor: além de Eike e agora José Dirceu, ele já fizera história: em 2008, mandou libertar, por liminar, o banqueiro Daniel Dantas da prisão preventiva decretada pelo juiz da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, e no ano seguinte, em 2009, voltou a “pisar na bola”, ao determinar a soltura do médico Roger Abdelmassih, condenado a 278 anos de prisão por 56 crimes de estupro, permitindo que aquele médico fugisse do país, indo homiziar-se no Líbano, terra de seus ancestrais, que não possuía tratado de extradição com o Brasil.
No caso de Dirceu, o paciente fora condenado duas vezes pelo juiz Sergio Moro por lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva dentro das investigações da Lava Jato de desvios na Petrobras, com sentenças que somam 32 anos de prisão. Agora, ele poderá responder em liberdade até uma decisão em segunda instância.
O Supremo (aliás, Gilmar, Toffoli e Lewandowski) está apenas precavendo-se: como Palocci declarou que vai entregar, na sua delação premiada (que será pior do que a de Marcelo Oderbrecht), alguns ministros do Supremo (como os que votaram pela liberdade de José Dirceu), bastou Palocci acenar que “abriria o bico”, para que esses ministros se mobilizassem para soltar Bumlai, Genu e Eike Batista e, agora, José Dirceu, para firmar jurisprudência
A trinca, que faz maioria na Segunda Turma do STF, mandou um claro recado para o Palocci: para que não “abra o bico”, e, em troca, será solto em breve. Podem anotar, pois no dia seguinte à soltura de José Dirceu, o advogado Adriano Brettas, contratado por ser especializado em delação premiada, foi dispensado da defesa de Antônio Palocci, numa clara evidência de que entendeu o recado dos ministros que abriram as portas para soltar corruptos e não permitir que a Lava Jato pise o terreno dos intocáveis.
Com isto, começa a ruir a Lava Jato, e o próximo passo será fazer um grande retrocesso jurisprudencial: derrubar a histórica e aplaudida decisão que permite a prisão do criminoso logo após a confirmação da pena em segunda instância. E com isto favorecerá os bandidos que acabaram com o Brasil.
Em meio a um e outro julgamento, Gilmar Mendes faz aquilo de que mais gosta: elogiar o PSDB e criticar o PT, não deixando de falar mal dos colegas que julgam em desacordo com seu casuísmo, e já fez vítimas seus colegas Luiz Fux e Marco Aurélio, criticados publicamente, como se ele-Gilmar fosse o dono da verdade. Ele chegou a ter o “impeachment” pedido por duas vezes, mas Renan Calheiros mandou arquivar os dois processos. É dando que se recebe…
Não bastasse a estranheza com que o povo recebeu esse teleológico desempate de Gilmar Mendes, o procurador Deltan Dallagnol, que integra a força-tarefa do MP responsável pela Operação Lava Jato, classificou como “incoerente” a decisão do Supremo. Segundo ele, Dirceu foi tratado de forma diferente pelos ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffolli e Gilmar Mendes, complementando: “Diz-se que o tráfico de drogas gera mortes indiretas. Ora, a corrupção também. A grande corrupção e o tráfico matam igualmente. Enquanto o tráfico se associa à violência barulhenta, a corrupção mata pela falta de remédios, por buracos em estradas e pela pobreza. (…) Gostaria de poder entender o tratamento diferenciado que recebeu José Dirceu, quando comparado aos casos acima”, afirmou.
Sobre a nomeação de Gilmar Mendes para o Supremo, há quinze anos, o respeitado jurista Dalmo de Abreu Dallari, no artigo “Degradação do Judiciário” publicado na “Folha de São Paulo” de 8 de maio de 2002, que gerou muita polêmica, profetizou: “Gilmar Mendes será uma tragédia para o Judiciário”, em que questionava a escolha, e dali a pouco mais de um mês, apesar das fortes críticas do eminente jurista, ele foi nomeado em 20 de junho de 2002, fato que repercutiu negativamente na mídia e nos blogs da época.
Agora vemos que Dallari tinha razão, e o voto de Gilmar foi um indisfarçável puxão de orelhas nos “meninos de Curitiba”, que podem não ter a experiência, o sólido currículo – e a malandragem – do ministro, mas têm uma coisa que falta ao compenetrado magistrado: caráter e imparcialidade.

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