Onde se esconde o racismo
Diário da Manhã
Publicado em 14 de agosto de 2018 às 22:02 | Atualizado há 6 anosO pensamento conservador brasileiro, de direita ou esquerda histórica, política, filosófica, pedagógica, fisiológica, teológica etc., além de conservar e manter o racismo na mente colonizada das pessoas, deixando a falsa impressão de que nem existe, o vem aflorando de diversos modos, sobretudo nesses tempos em que os sentimentos emocionais, sempre perigosos e sem consistência de perenidade, estão à flor da pele, como acontece muito nesses períodos chamados eleitorais. Trata-se de fenômeno racista que vem se dando muito bem no sistema político-econômico apelidado neoliberalismo, há várias décadas presente nas sociedades do mundo, criando e mantendo novas formas de escravidões, presentes no Brasil com as suas peculiaridades, inclusive a de serem as mais disfarçadas e hipócritas, de todo modo aflorando o racismo dissimulado ou encoberto do brasileiro.
O mesmo pensamento conservador ajudou a esconder o racismo quando admitiu que as “raças” se dão bem quando se misturam, na tese defendida pelas ideias tradicionalistas do sociólogo Gilberto Freyre, através do livro “Casa Grande & Senzala”, edição de 1933, obra de estilo agradável, parecendo mais literário do que científico, tendo o autor seus reconhecidos méritos; contudo, escondendo o nosso racismo sutil, dissimulado, ficando a falsa impressão de que nem existia, chegando a virar slogan virtuoso de democracia inclusive “racial”, defendida e divulgada no país e no Algarve como a mais singular e cristã das Américas, levando o autor de Casa Grande & Senzala aos níveis mais elevados em seu prestígio intelectual, na verdade encobrindo a mais deplorável das maldades, o racismo, modalidade brasileira, como o tenho mostrado, na imprensa e, sobretudo, no livro Racismo à Brasileira: raízes históricas, já reimpresso em 4ª edição pela Editora Anita Garibaldi.
Com a mistura de raças como aconteceu no Brasil, sempre privilegiando o branco europeu, português ou não; tratando e colocando o índio e o negro na berlinda, como ainda acontece, é que surgiu a fórmula dissimulada do pensamento pé-de-boi ou conservantista, encobrindo o racismo através de slogans ou conceitos como o tal “cadinho cultural” ou de raças, sempre repetido por expoentes da vida civil, sobrando para militares da mente certamente colonizada, como ocorre com o presidencial Jair Bolsonaro e seu candidato a vice-presidente, general Antônio Hamilton Mourão, dizendo em tom professoral, aparentemente erudito, durante um evento em Caxias do Sul, no Rio Grande, que o Brasil herdou “indolência” da cultura indígena e a “malandragem” do africano, realçando em nota que o fez baseado em “estudiosos gabaritados”, ao que estou informado, sem declinar nomes, quem sabe, recaindo nos mesmos que dissimulam e encobrem o racismo até em teses de doutoramento, havendo, por isso, o douto racismo acadêmico, posto no livro citado na primeira edição (1985).
O importante é que esse modo dissimulado de esconder o racismo, adotado pelo general, foi prontamente repudiado Brasil afora. Em nota, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) disse que repudia veementemente a declaração do general e que ela alimenta o racismo. Segundo a entidade, a fala é injusta, injuriosa e deve ser investigada pelo Ministério Público em nosso país”; acrescentando: “Tais declarações explicitam profunda ignorância e alimentam o racismo de parcela da sociedade brasileira contra essas populações historicamente injustiçadas e massacradas em nosso país”. Também em nota, a ONG Educafro disse estar preocupada com a visão “equivocada” da participação do povo negro na construção do Brasil. Para a ONG, a fala do general Mourão é “ofensiva” à comunidade negra. De sua parte, por telefone, a presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), Cármeno Dorade Freitas, disse que a fala do general caracteriza apologia ao racismo.
Sei que há mais repúdios à desventurada fala do general, evidenciando racismo de modo dissimulado, como é muito comum no Brasil, onde essas ideias anacrônicas dificilmente se modificam ou se reciclam, justamente por manter o racismo ali escondidinho, vale dizer, escondido ou sumido na mais profunda subjetividade das pessoas, até no subconsciente de sábios e letrados, de mente colonizável, decerto elucidados por Freud, de todo jeito mantenedores do racismo dissimulado à brasileira, também chamado sutil, às vezes surpreendente, como o do general, admitindo que o índio seria preguiçoso, na indolência, como já foi considerado desde tempos pretéritos, e o negro com o estigma ou estereótipo de malandro, como já foi tratado e definido até em norma legal, justificando se dizer que “quando parado é suspeito, quando correndo é ladrão”, fato que mostra o quanto o racismo no Brasil é real, incontroverso, sem deixar de ser pilhérico, chistoso, às vezes até pitoresco, porém sempre aparecendo através de dissimulações, como a do general.
O certo, possíveis leitores, é que, se não bastasse o lado podre do ofício político brasileiro, secularmente comprovado e tanto tempo disfarçado ou no mínimo esmaecido, o pensamento conservador aludido, além de manter e preservar o racismo, como já exposto, de tão atrasado e mesquinho, vem, pari passo, tentando eliminar os verdadeiros ideais dos Partidos Políticos, tornando-os instituições ocas, espécie de corpo sem alma, sem ideologia, sem rumo e sem projetos programáticos, restando-lhes somente o nome ou sigla, para efeito de registro de candidaturas, notando-se que são mais de trinta sob a égide do Tribunal Superior Eleitoral.
Se não fosse suficiente, o pensamento anacrônico citado, quer eliminar e tirar de cena ainda – pasmem! – o pensamento político, revolucionário de Karl Marx, sempre polêmico mas respeitado, em âmbito do comunismo ou não, a ponto de se poder dizer que dele nasceu a sociedade moderna e que nunca se completa, sempre inspirando os mais notáveis escritores e filósofos do universo, na sua já longa tentativa para compreender os constantes e convenientes conflitos do capitalismo, objeto de estudo e profunda análise na obra de Karl Marx, talvez a mais abrangente, ajudando-me a desvendar as formas e estratégias como o racismo brasileiro se mantém e se aflora no ambiente social, mais vezes usando táticas do camaleão.
(Martiniano J. Silva, escritor, advogado, membro do Movimento Negro Unificado – MNU, da Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHGGO, Ubego, AGI, mestre em História Social pela UFG, professor universitário, articulista do DM – martinianojsilva@yahoo.com.br)
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