Os “desaforados” estão em pânico
Diário da Manhã
Publicado em 12 de outubro de 2018 às 01:09 | Atualizado há 6 anosNesta quarta-feira, recebi um e-mail que me deixou particularmente feliz, seja pelo teor da mensagem, seja pela qualidade do seu autor. Meu querido amigo Bariani Ortencio assim se expressou, sobre o meu artigo “Um derrotado vitorioso” de 10/10/2018:
“Prezado Liberato. Ótimo o seu artigo de hoje. Eu votei em você (17900) – Seção 65-Liceu de Goiânia. Continue martelando na tecla, sempre com o dedo na ferida. Boa tarde. Bariani Ortencio”.
Na minha primeira incursão na política, aventurando, a conselho de amigos, uma cadeira na Assembleia Legislativa de Goiás, confesso que essa empreitada não me deixou saudades.
Não que eu tenha me arrependido da candidatura, pois conheci muita gente que merece confiança, mas, de outra banda, doravante vou ser mais cauteloso na escolha dos amigos e sobretudo saber que no vale-tudo da política a ética é uma mercadoria escassa, pois a palavra, outrora, um símbolo de valor e credibilidade, hoje se curva desavergonhadamente ao vil metal.
Experimentei a desilusão de pessoas que prometeram como sem falta, mas faltaram como sem dúvida, na hora de honrar o compromisso, e, após acertos que julguei confiáveis, recebi uma bacia de água fria em constatar que em cidades onde havia feito a campanha e teria um bom número de votos, não obtive um só nem pra remédio, pois na véspera da votação, chegaram os que não têm projetos, mas são donos do dinheiro, e compraram a consciência dos eleitores que, aliás, parece que nem consciência têm.
Mas não me desiludi, pois vi que o povo, apesar de venal e em grande parte não confiável, deu uma resposta à altura aos que mamaram nas tetas do Governo, apeando do poder pessoas que se julgavam intocáveis e que hoje viram que são pessoas alcançáveis pelos tentáculos da Justiça.
Uma chusma de políticos da Lava Jato que perderam as eleições e ficarão sem o privilégio de foro, que convenientemente criaram para eles próprios, foram alcançados. O resultado de 2018 simplesmente promoveu o desaforamento, tirando do STF (que não condena ninguém) a competência e levando-a para a primeira instância, que tem em Sérgio Moro e Marcelo Bretas o exemplo de julgadores afiados com a lei.
Mais de 30 políticos investigados na Lava Jato foram reprovados no teste das urnas e perderão o foro privilegiado em 1º de janeiro de 2019. A lista inclui alguns dos políticos mais tradicionais e poderosos do país, como o atual presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), e os senadores Romero Jucá (MDB-RR) e Edison Lobão (MDB-MA), Roberto Requião (MDB-PR). Eles tentaram mais um mandato de oito anos no Senado por seus Estados, mas acabaram derrotados.
Na esquerda, foram derrotados Dilma Rousseff (PT-MG), Lindbergh Farias (PT-RJ) e Jorge Viana (PT-AC), que também buscavam vagas no Senado. Mas a lista também é longa entre os deputados: tentaram a eleição e foram derrotados Heráclito Fortes (DEM-PI), José Carlos Aleluia (DEM-BA) e Lúcio Vieira Lima (MDB-BA), irmão do ex-ministro Geddel Vieira Lima (MDB), hoje preso no presídio da Papuda, em Brasília. Em Goiás, caíram tradicionais ocupantes de vagas no Congresso Roberto Balestra, Sandes Júnior, ´D. Iris Araújo, Jovair Arantes, Giuseppe Vecci, Lúcia Vãnia, Marcos Abrão, Raquel Teixeira, Isaura Lemos, sem se falar dos que, mesmo sem mandato, caíram antes de subir. E assim, ex-governadores, ex-prefeitos, senadores e presidentes de partido foram barrados pelo eleitor nas urnas.
Também foram derrotados na disputa pela Câmara os atuais deputados petistas Marco Maia (RS) e José Mentor (SP); o ex-ministro petista Luiz Sérgio (RJ) também tentou tornar-se deputado federal, mas não se elegeu.
Entre os tucanos, a lista de investigados e derrotados nas urnas inclui três ex-governadores: Yeda Crusius (RS) Marconi Perillo (GO) e Beto Richa (PR). Os dois últimos chegaram a ser alvo de investigações não relacionadas com a Lava Jato durante a campanha. Tentaram vagas no Senado por seus Estados, mas foram derrotados. Crusius tentou uma vaga na Câmara dos Deputados, mas também ficou de fora.
Derrotado na disputa presidencial em 2018, Geraldo Alckmin viu o principal inquérito contra si deixar a esfera criminal no começo de 2018, e agora é investigado pela Justiça Eleitoral. A rigor, nem ele nem Dilma Rousseff (PT) gozam hoje de foro privilegiado – Alckmin perdeu a prerrogativa ao deixar o governo de São Paulo em abril de 2018, e Dilma perdeu a prerrogativa com o “impeachment”, em 2016.
Mas ainda há uma série de políticos investigados que infelizmente conseguiram a reeleição: Renan Calheiros (MDB-AL), Ciro Nogueira (PP-PI) e Jader Barbalho (MDB-PA), que, embora com votações acanhadas em comparação às anteriores, foram reeleitos para o Senado e respiram aliviados.
A presidente nacional do PT, Gleisi “Lula”” Hoffmann (PR), e o presidenciável tucano em 2014, Aécio Neves (PSDB-MG), hoje com mandato no Senado, conquistaram uma cadeira na Câmara dos Deputados – o que fará com que seus casos continuem tramitando no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na verdade, nem todos os casos de ex-deputados, ex-senadores e ex-governadores derrotados nas urnas irão necessariamente para a mesa do juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, em Curitiba: o deslocamento só ocorrerá nos casos em que a Justiça entender que exista uma relação clara com os desvios praticados na Petrobras.
Em geral, as ações penais em Curitiba avançam num ritmo muito mais rápido que aquelas em andamento no STF, em Brasília, pois a competência criminal do Supremo foi uma “ajeitadeira” do constituinte de 88 em benefício próprio.
Foi só em maio deste ano que o Supremo condenou o primeiro político investigado na Lava Jato, o deputado Nelson Meurer (PP-PR), que não disputou as eleições deste ano.
Enquanto isso, Moro já expediu 45 sentenças em processos de sua competência, segundo levantamento preparado por sua assessoria. Os casos mais emblemáticos de políticos hoje cumprindo pena após condenações de Moro são os do ex-presidente Lula (PT) e o do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (MDB).
A prisão do ex-governador goiano Marconi Perillo na última quarta-feira, dia 10, já era esperada, posto que estava sob a proteção da lei eleitoral, que veda a prisão de candidato no período que vai até a dois dias depois da votação. Escoado o prazo, Marconi estava prestando depoimento na Polícia Federal, e lá mesmo já ficou “guardado”, por decisão do juiz da 11ª. Vara Federal de Goiânia, Rafael Ângelo Slomp.
E parece que a Justiça está criando vergonha e fazendo valer a lei, antevendo nova prisão de gente graúda:
A Primeira Turma do STF determinou, em 25 de setembro, o imediato cumprimento da pena de prisão do senador Acir Gugacz (PDT-RO) por crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, condenado a quatro anos e seis meses de prisão e tentava, por meio de recurso, impedir o início da execução da sentença, que impõe regime semiaberto de reclusão.
Mesmo com a decisão do colegiado, o senador não foi preso na ocasião por ser candidato ao governo de Rondônia. Na última quinta-feira (4), a três dias da eleição, o TSE negou recurso de Gurgacz, que teve o registro de candidatura rejeitado, e determinou a interrupção imediata da campanha do senador. Mas outra regra da lei eleitoral impediu o cumprimento da prisão de Acir. De 2 de outubro até as 17h de 9 de outubro nenhum eleitor podia ser preso, exceto em flagrante. É o mesmo caso de Marconi.
Ante a possibilidade de a Polícia Federal cumprir a determinação contra o senador, a Mesa Diretora do Senado, no já manjadíssimo e deplorável “espírito de corpo”, pediu ao STF a suspensão da ordem de prisão até que fossem esgotadas todas as possibilidades de recurso. Com o pedido negado pelo ministro Dias Toffoli, presidente do STF, e na mesma quarta-feira (10), ao tomar conhecimento de sua derrota judicial, depois de se entregar à Polícia Federal no Paraná, Acir Gugacz passou mal e foi hospitalizado, já na condição de preso. Mas nossa Justiça é uma gracinha: nem bem Marconi esquentou a cela, o desembargador Olindo Menezes, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), determinou sua soltura, nesta quinta-feira. No Brasil só fica na cadeia é o pessoal dos três pês: preto, pobre e prostituta.
Vamos aguardar novos episódios. Enquanto isso, os “desaforados”, que migraram do STF tangidos para a Justiça de primeiro grau pelo insucesso nas urnas, devem estar vivendo momentos de pânico.
Mas nem tanto, porque os tribunais “ad quem”, escolhidos por políticos, estão lá justamente para evitar que seus padrinhos vejam o sol nascer quadrado por muitos dias.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras escritor, jurista, historiador e advogado. liberatopo[email protected])
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