Opinião

Os perigos de usar fosfoetanolamina como anticâncer

Diário da Manhã

Publicado em 7 de abril de 2016 às 03:05 | Atualizado há 9 anos

Estamos vivendo tempos tão absurdos e abstrusos no Brasil que há algumas façanhas não menos estapafúrdias que passam até ao largo do conhecimento da imprensa e das pessoas comuns. E o fazem com razão. Num Brasil com tantos escândalos políticos e de corrupção, há fatos que vão se tornando menos atrativos e pouco interessantes. Principalmente para as redes de televisão e mídias digitais.

Dentro dessas considerações vamos dissertar sobre um fato. Apenas esse meio esquecido, que é a liberação da fosfoetanolamina para tratamento de câncer. Tal liberação está sustentada na suposição, repiso o termo, suposição de que tal substância tenha efeitos anticancerígenos. Chegamos ao contrassenso de algum parlamentar encampar a ideia da eficácia da já popular substância e apresentar tal argumento para a câmara dos deputados. Um projeto de lei nesse sentido está correndo nas duas casas do congresso nacional.

Trata-se de uma idiotice, estultice ou aberração no que se refere à decisão das duas casas legislativas no referido projeto de lei. Usar tal droga por conta própria, ou  ser ela prescrita por qualquer profissional constituem atitudes de charlatanismo e de risco à saúde. Para tanto vamos às razões.

O emprego de qualquer medicamento em humanos se dá com os resultados da chamada medicina baseada em evidências. Expliquemos melhor o termo em nome do bom entendimento. Evidência significa verdade real, certeza de que aquele insumo farmacêutico tem tais e tais efeitos terapêuticos, tais e tais efeitos colaterais e o percentual de eficácia quando empregado em conformidade com os resultados de todos os estudos científicos e ensaios clínicos; primeiro em cobaias e depois em seres humanos. Referidos estudos e ensaios envolvem várias etapas. Pode-se chegar, o grupo de estudo, a conclusões claras em cinco anos, mas pode-se prolongar por uma década a plena certeza da eficácia e segurança daquela droga em investigação, ou a absoluta ineficácia e contraindicação para o fim proposto. E assim procedido, não se precisam nem de tantas fases de estudos, se no início já se tem resultados negativos.

Recomendar a fosfoetanolamina como quimioterápico anticâncer é no mínimo antiético e ato de grande irresponsabilidade do médico que assim o faz, ou mesmo do próprio paciente numa atitude de automedicação.

Vamos, a título de ilustração, pegar dois casos públicos, que fizeram tratamento anticâncer.

O ex-presidente Lula fez tratamento de câncer de faringe (ligado ao fumo). Suponhamos que ele confiasse na fosfoetanolamina e desistisse do tratamento padrão. Ele se tratou dentro dos padrões éticos e científicos . A chance de sucesso se o tratamento fosse com a droga em questão (fosfoetanolamina) era como se ele se lançasse de um vazio, com algumas almofadas em embaixo  e esperar esse ou aquele resultado de se salvar ou de se espatifar. O mesmo raciocínio poderíamos fazer com a quase ex-presidente Dilma Rousseff que se tratou de linfoma. Ela também seguiu as diretrizes corretas em seu tratamento. Ou seja, usar uma droga para uma doença séria e grave, sem comprovada eficácia é por demais temerário. Seria como uma pessoa pular do 5º andar de um prédio, em cima de uma rede que não foi previamente testada quanto a segurança e resistência para tamanho impacto.

No caso da rede não testada são três os resultados possíveis: a pessoa manter sua integridade e sair incólume  (eficácia) se machucar levemente (eficácia parcial), ou se matar (ineficácia total). É o mesmo resultado que se espera de estágios de estudos científicos e ensaios clínicos com qualquer procedimento terapêutico ou diagnóstico. Essas pesquisas são as evidências da eficácia ou não de qualquer medicamento.

Portanto, dirijo-me à presidenta da República, a quem cabe a palavra final de referendar o comentado projeto de lei ou vetá-lo na sua inteireza.

Exma presidenta Dilma Rousseff; Vossa Exa. que já foravítima de uma forma grave de câncer;  que se tratou e continua em monitoramento; e certamente curada graças a Deus,  aos médicos e ao tratamento correto. Atenha-se, sobretudo, ao risco do nocivo, intempestivo e esdrúxulo projeto de lei da aprovação de um medicamento, que nada de concreto se sabe sobre ele. Vete tal iniciativa de nosso congresso e mostre sensatez e ética com a saúde dos compatrícios que porventura tenham algum tipo de câncer, e queiram, ao livre-arbítrio, ou por indicação de algum médico fazer tratamento com  tal medicamento.

 

(João Joaquim – médico – articulista DM www.drjoaojoaquim.com [email protected])

 

]]>

Tags

Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

últimas
notícias