Os poderes na gangorra do supremo tribunal federal
Diário da Manhã
Publicado em 8 de setembro de 2018 às 21:51 | Atualizado há 6 anosQuando Roma era o centro do mundo, o chavão jurídico era: “Roma locuta, causa finita” (traduzido vulgarmente: Roma falou, água parou). Em nosso direito de tradição romana, o Supremo Tribunal de Justiça tem o mesmo poder decisório em última instância: quando o Supremo diz sim ou não, morre a questão. Em sentido territorial, o STF tem mais poder do que a ONU. Pois se a ONU (Organização das Nações Unidas, de que o Brasil faz parte) tem a função de ponderar e mover a balança da justiça, o Supremo Tribunal brasileiro tem o poder de gangorrar controlando os pesos e contrabalançando as forças opostas no jogo do poder. Quando as questões sociais e as mazelas do País deságuam no Judiciário, geram o efeito cascata da interposição de recursos, que vão se multiplicando ao alcance das instâncias superiores até chegar ao último recurso previsto em matéria constitucional – o chamado recurso extraordinário – que provoca a decisão da Corte suprema.
GANGORRA DO
JUDICIÁRIO
Mas a decisão suprema dos doutores da lei em última instância, dentro da nossa dogmática e hermenêutica jurídica, canalizada para a função do balancear, supera os limites da própria Carta magna, conforme seja o peso ou contrapeso colocado na gangorra do Poder judiciário, decidindo questões tanto constitucionais quanto infraconstitucionais ou supraconstitucionais, conforme soprem os ventos ameaçadores do equilíbrio ou desequilíbrio dos poderes paralelos das forças políticas e econômicas, internas e externas, capazes de provocar abalos sísmicos, tremores de terra (nada a ver com os canhões do exército no Rio de Janeiro), ou mesmo terremotos capazes de destruir o planeta Brasil. Mas isso não é um discurso sério – intervém nosso interlocutor – ponderando que essa ironia à nossa balança judiciária provoca a maldição da deusa da justiça. Diríamos que essa maldição já recai sobre a cabeça dos iconoclastas do direito, ameaçando a segurança do povo brasileiro.
CONTRAPESO NA
BALANÇA
Para ficar mais claro como é a arte de jogar cartas do Supremo, recomenda-se ler o artigo de Mino Carta, “Por que os males do Brasil, inúmeros e crescentes, estão na cara” (DM, 1° de setembro), bem como o questionamento de Luiz Flávio Gomes, “Candidato que é réu pode ser eleito e tomar posse como presidente da República?” (DM, mesma data), que mostrou e demonstrou as contradições da nossa suprema Corte envolvendo o caso polêmico do ex-presidente e metalúrgico que ousou desafiar as elites dominantes do País. Não moro nem demoro nessa questão, vez que o Supremo já decidiu enquadrando o caso da cassação da candidatura de Lula na “lei da ficha limpa”, desviando a questão do foro da Lava-Jato, deixando claro que ali o presidenciável é “ficha suja”. De perguntar-se por que outro réu, Re(u)nan Calheiros, também considerado “ficha suja” na Lava-Jato, continuou na presidência do Senado, com a conivência do Supremo. Não é um acordo entre poderes no contrapeso da balança?
DO ECTOPLASMA
POLÍTICO
Agora Elio Gaspari, entrando no circuito político, afirma em seu recente artigo “Gilmar Mendes expôs o tamanho do desastre” (O Popular, 2 de setembro). Ipsis litteris: “Poucas vezes um magistrado foi tão autocrítico e preciso como o ministro Gilmar Mendes quando disse o seguinte: – “Nós já produzimos esse desastre que aí está. Ou as pessoas não percebem que nós contribuímos com a vitimização do Lula? Estamos produzindo esse resultado que está aí”. E pondera o articulista: – “ Sem o ‘prende-solta’ de julho e o ‘pode-não-pode’ da Justiça Eleitoral, dificilmente o Lula estaria com menos de 39% das preferências nas pesquisas do Data-folha”. Assim deduz: – “Quem acha que um confronto Haddad x Bolsonaro ajuda a eleger um ou outro não quer um processo eleitoral, mas um daqueles espetáculos sanguinários que aconteciam no Coliseu de Roma”. Conclusão de Elio Gaspari: – “O desastre está aí, mas Lula pode ser acusado de tudo, menos de ter sido o causador da barafunda criada pelo Judiciário. Sua vitimização entra agora na última fase, fabricando-se uma eleição presidencial influenciada por um ectoplasma político”.
DAS DECISÕES
CASUÍSTICAS
Outros articulistas têm debatido e combatido essas contradições da nossa Corte suprema, cortando aqui, remendando ali, costurando ou cerzindo partes da nossa Constituição, que é uma concha de retalhos, até hoje não complementada com as necessárias leis infraconstitucionais. Essa lacuna preenchida pela jurisprudência emergente é, sem dúvida, resultado do nosso sistema positivista sustentado em leis decorrentes de situações casuísticas. Falar em igualdade de direitos e que todos são iguais perante a lei, é já uma desigualdade, como diria Rui Barbosa. Veja-se como exemplo, a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, atualizada com redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017, que estabelece tempos desiguais entre os partidos, privilegiando as siglas já estabelecidas como prioritárias no jogo competitivo do poder. Nosso Estado burocrático assenta-se num tripé de poderes, sendo que um faz as leis, outro as executa e o terceiro as julga, formando o contrapeso absoluto. Quem vê o Estado e se ilude com a polêmica dos poderes, acaba por entender o papel da Corte suprema agindo ante a total incongruência das leis.
DO CORPO DE
BOMBEIROS
Diante de tantas contradições de um país tão conturbado como o nosso, com uma sociedade desigual e multifacetária, não se pode culpar a Suprema Corte no seu papel de gangorra entre os demais poderes, tentando evitar os extremos que nos colocam ante o risco de nova intervenção militar. (Salvo a estratégia de eleger-se um paramilitar no atual Estado burocrático). Daí entendermos a justificativa do ministro Barroso no seu recente voto sobre a cassação da candidatura de Lula, explicando que, de sua parte, não tem interesse pessoal, nem partidário, nem ideológico, a não ser defender o papel de nossas instituições. Ora, defender o papel das nossas instituições na forma como estão constituídas, é defender os interesses da classe dominante que detém o Poder Executivo, mancomunado com o Legislativo, que por sua vez deságua no Judiciário, afastando-se também do seu desiderato histórico como instituição da justiça. Nessas circunstâncias emergenciais, o poder Executivo, temerosamente, aumenta o salário dos operadores da gangorra, que afinal deslindam a questão: “Roma locuta, causa finita”. (O STF falou, água parou). – “Façam o que eu mando, não olhem o que eu faço”. – É a voz de comando da Corte Suprema agindo como age o Corpo de Bombeiros quando chamado a apagar o incêndio.
(Emílio Vieira, professor universitário, advogado e escritor, membro da Academia Goiana de Letras, da União Brasileira de Escritores de Goiás e da Associação Goiana de Imprensa. E-mail: evn_advocacia@hotmail.com)
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