Ouvindo rádio
Diário da Manhã
Publicado em 18 de agosto de 2018 às 23:15 | Atualizado há 6 anosAqueles tempos após a II Guerra Mundial trouxeram mudanças radicais, sim. Contavam os professores (era o meu tempo de criança, os professores tinham um papel importante na vida das pessoas) que as guerras ensejavam grandes mudanças na tecnologia, na medicina e nos costumes.
Partiu de escritores e artistas americanos, chamados de beatniks (neologismo originário do inglês beat em fusão com uma partícula russa – nik – que aparecia em termos como sputnik, lunik e outros), o movimento que contaminou a juventude – e o mundo nunca mais foi o mesmo
Falei no Sputnik – o satélite artificial soviético que assustou o mundo com o seu bipbipbip captado nos observatórios do mundo. Aquele aparelho é o símbolo máximo das novidades da época, mas, pelas ruas, os rádios a pilha se espalhavam rapidamente – como as calças rasgadas preferidas da juventude de agora. Os primeiros rádios pareciam um tijolo, pela forma de paralelepípedo e pela cor ocre do estojo em couro grosso que os revestiam. O minúsculo fone de ouvido, acessório importante, chegou para durar mais que os rádios.
Pois é! Ouvia-se muito rádio. O rock and roll conquistava o mundo, e a bossa nova também entrou na onda; nos estádios, os rádios eram indispensáveis. Os modelos menores, na dimensão de um maço de cigarro, eram trazidos nos bolsos das camisas. Notícias, música e radionovelas eram os motivos mais expressivos para os aficionados.
Era também o tempo dos grandes locutores. Mulheres e homens de vozes envolventes, com ótima dicção e uma busca incessante pelas melhores formas de texto e fala, com correção gramatical e vocabulário apropriado, capazes de ampliar o conhecimento dos ouvintes sobre quaisquer assuntos.
O rádio ainda é uma força no segmento da comunicação, mas hoje divide esse papel – e essa importância – com outros veículos. O lamentável, para quem conhece um pouquinho da história desses últimos 60 e poucos anos, é presenciar a decadência do nível de aprendizado e da qualidade profissional que temos hoje.
Os apresentadores, âncoras, repórteres e outras personagens do mundo radiofônico (podemos incluir também os da tevê) são orientados por excelentes instrumentos de trabalho, como o Manual de Redação da CBN (que ganhei de presente do meu filho Lucas). Infelizmente, os profissionais da rede noticiosa não leem o livro. Ou, se o leram (ou os que o leram) não assimilaram nada!
Regras gramaticais das mais simples são ignoradas solenemente. O uso abusivo de “muletas” – como a partícula “aí” – é uma tônica constante, com repetições insistentes. Palavras como “inclusive”, “insistem” e “interativo” transformam-se em “enclusive”, “ensistem” e “enterativa”; e é corriqueiro falarem “indentidade”, por exemplo.
Um repórter tentou quatro vezes e não conseguiu pronunciar “poliomielite” – no que foi auxiliado pela locutora-apresentadora que, justificando (?) o erro, finalizou com a frase “Tudo bem, está dado o recado”. Outro repórter, com a ênfase que se aplica em notícias de política, destacou que um candidato seria entrevistado “entre as 14 até as 16 horas”.
Noções de geografia e história? Nada! Há poucos meses, na mesma CBN de Goiânia, uma repórter noticiou: “A polícia encontrou um corpo de mulher num córrego da Marginal Cascavel”.
Tudo isso poderia ser evitado se os profissionais respeitassem o que recomenda o Manual da própria rede. Ou que tivessem aprendido as regras ensinadas em sua formação escolar. Mas nada disso é levado em conta. Nem mesmo o fato de, nas manhãs das segundas-feiras, um professor de Português prestar seus serviços à emissora.
(Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras)
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