Padre Almir, o missionário de Patos de Minas
Diário da Manhã
Publicado em 20 de agosto de 2016 às 02:41 | Atualizado há 8 anosAcaba de me chegar às mãos, por nímia gentileza de Donaldo Amaro Teixeira, jornalista mineiro, radicado no Triângulo das Alterosas, a obra “Padre Almir Neves de Medeiros, o Que a História não Conta”, Edição do Autor, Patos de Minas-MG, 2016, 257 págs., referta de depoimentos, fotos documentais e ilustrações várias. Trata-se de trabalho de natureza biográfica, que egistra a trajetória do jovem seminarista filho de família lusa, oriunda de Braga, Portugal, que migrou, ainda em tenra idade, com os pais, Anníbal e Rosária, para o novo continente, vindo fixar-se no Rio de Janeiro, Bairro Engenho Novo, vizinho ao Meier, Vila Izabel, Lins de Vasconcelos, Sampaio, Jacaré, Caxambi e Grajaú. Ali, no Engenho Novo, o casal Rosária-Anníbal alugou um apartamento modesto, onde, entre aflito e entusiasta, inaugurou, em 1926,” o que seria o sonho e, em breve, em tempo igual, a confirmação de terem optado pelo certo, num caminho que vinha recheado de incertezas. Era um estabelecimento que tinha, na placa destacada em sua entrada, duas palavras: “Açougue Lusitano” (pág.10).
Aos quatro dias do mês de agosto de 1929, na Igreja Matriz de Nossa Srnhora da Conceição do Engenho Novo, Almir Neves de Medeiros era solenemente batisado pelo Padre Paulo Stamile. Foram seus padrinhos os avós paternos Anníbal Máximo de Medeiros e Dona Rosária Marracho Medeiros. O Natal de 1935 foi, por certo, o primeiro marco na infâncias de Almir devido aos inúmeros presentes que recebeu. Mas logo no ano seguinte, 1936, Deus lhe tirou a principal dádiva, a mãe, vítima de tenaz moléstia, a tuberculose. Após o falecimento da mãe, Almir e o irmão Waldir foram morar na casa dos avós paternos. Na ocasião, o semblante de Alberto transformou-se. Sua tristeza era nítida , na ausência de sua mãe, Maria. Ele pouco se relacionava com os parentes e amigos. Meses após a morte da esposa, a angústia aumentava e, como conseqüência, o seu isolamento era uma constante. E, da mesma forma como as conquistas vieram em sequência, logo após a chegada ao Rio de Janeiro, assim também foram foram os dias enfileirados que pareciam não ter fim. A crisma ocorreu a 29 de novembro de 1936, na Paróquia de Engenho Novo, tendo como padrinho o senhor João Gomes Furtado. Almir se mantinha como companhia constante do pai, em sewu local de trabalho.
Por influência do sogro, o Capitão Albino Lopes Furtado, e da sogra, Virgínia Gomes Furtado, numa tarde chuvosa de dezembro de 1936, Alberto foi procurar os dirigentes do Colégio Sarmiento, numa tentativa de conseguir matricular o filho Almir, que já se encontrava apto a iniciar o Curso Primário e, graças aos jornais velhos que ele recolhia para embrulhar mercadorias do estabelecimento de seu pai, Almir já lia com rasoável desenvoltura. O início de janeiro de 1937 foi um período de intensa movimentação, com a ida de Almir para o Colégio. O entusiasmo do garoto de ser aluno do Colégio Sarmiento, e de ter a possibilidade de ler livros da biblioteca do Colégio, e não os jornais velhos do açougue do pai, trazia uma alegria enorme.
No mês de outubro de 1938, fez-se a preparação de Almir para a Primeira Comunhão, solenidade realizada na Igreja de Nossa Senhora da Conceição do Engenho Novo, precisamente dia 22, pelas mãos do Cônego Antônio Boucher Pinto. Nesse ano, Almir foi promovido do segundo para o terceiro ano, arrebatando o prêmio de melhor aluno de sua classe. Foi uma alegria enorme na família portuguesa de Almir. No Bairro do Engenho Novo, a vizinhança era uma mistura de funcionários públicos, comerciantes, imigrantes de vários países, gente de profissão indefinida, inclusive a aguns militares.
No início de 1941, Alberto, o pai de Almir, adquiriu uma mala de maior dimensão para acomodar a mudança do filho, a bagagem acrescida de roupas novas, calçados novos, meias novas, pijamas novos, matearial de toucadaoar: Sabonete, creme dental, cadernos, lápis, etc. E no primeiro dia de março daquele ano, Almir ingressou no Seminário , sentindo que aquela seria uma virada de página em sua vida. Afinal, ele estava ingressando no Colégio para cursar a primeira, a segunda, a terceira e a quarta séries do Ginásio (hoje, sexta, sétima, oitava e nona séries do Ensino Fundamental) e, em seguida, o Científico (hoje, Ensino Médio). Assistir à subida de degraus da escada que o levava ao oponente prédio escolar, foi emocionante, tanto para o pai Alberto, quanto para o avô Anníbal. Alberto levava a mala, tentando demonstrar tranqüilidade; Anníbal, com as mãos nos bolsos, em silêncio, Almir, pouco entendendo, mostrava-se receoso. O eco da porta fechando-se, separando o pequeno Almir do pai e do avô, ressoou pelo longo corredor de entrada do prédio. Aquele eco ressoaria por muitos meses na mente do garoto. Até o cumprimento do Padre recepcionista foi frio, pegando a mala das mãos do pai, e dizendo apenas um ‘passe bem’. Almir foi levado até onde seria a sua nova residência: Um quarto com doze camas e, ao lado de cada uma, um pequeno criaado. Duas grandes janelas davam para um pátio e vários banheiros de tamanhos razoáveis preenchiam o espaço. O quarto estava ainda desabitado. Almir era o único destinado a ocupá-loÚnico óvel de sua bagagem, sua mala foi colocada sobre o criado. À tardinha, quando se debruçava sobre a janela, mirando o vazio, adentrava o quarto aquelle que seria o seu segundo ocupante. No dia seguinte, ainda pela manhã, chegavam os outros alunos, completando uma dúzia de novos ocupantes. Como ainda não se conheciam, pouco conversara. Mais tarde,já no refeitório, os olhares se entrecruzavam, misturando-se. Almir, tímido, esperava uma boa oportunidade para saber onde ficava a Biblioteca.
Com a chegada de julho, as férias tradicionais, em casa. A alegria dos pais e dos avós era contagiante. No início, houve certo constrangimento: Almir usava batina. No decorrer dos dias, no entanto, a batina ia se tornando uma vestimenta rotineira. Pouco se aventurava a sair de casa. Já nas férias de dezembro, Almir se apresentava mais descontraído, talvez pela comemoração do Natal, e se mostrava mais maduro. E, pela vez primeira,participava, ativamente, dos assuntos comunitários, mostrando-se um pré-adolescente maduro cada vez mais.
No final de 1945, Almir foi passar as férias de dezembro rm casa de seus familiares, sendo recebido por parentes, vizinhos e curiosos, numa grande festa. Havia há pouco, sentira o chamamento para a carreira sacerdotal. Seria o primeiro padre da família. Por essa época, seu genitor não manifestou intenção de contrair novas núpcias, embora com a situação financeira sensivelmente melhorada, e já fosse um rapazola.
A decisão de Almir de tornar-se sacerdote encheu de júbilo toda a família, quer pelo lado paterno, quer pelo lado materno. Além de sua ferrenha vontade visando a se aplicar mais e mais à leitura e aos estudos regulares, Almir era frequentemente incentivado a enriquecer seus conhecimentos. Entre os qe mais o incentivavam, destava-se o Reitor do Seminário, Monsenhor Virgílio Lapenda, posteriormente substituído pelo Cônego João Batista da Mota e Albuquerque, mais tarade Bispo da cidade de Vitória, Capital do Espírito Santo, o Diretor Espiritual, Cônego Othon Mota, que seria Bispo da Cidade de Campanh; e seus professores, Dom José Newton de Almeida Batista, mais tarde Arcebispo de Brasília, Distrito Federal; Dom José Newton de Almeida Batista, mais tarde Arcebispo de Brasília; Dom Jorge Marcos de Oliveira, depois, bispo de Santo André, no ABC paulista, e Dom José Alberto de Castro Pinto, posteriormente Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro. O Científico, Almir fpo realizá-lo nos anos de 1946, 1947 e 1948. Foram tempos de aprendisado, em que ele mostrou aos seus mestres a sua vocação ainda latente. E quando recebeu novas férias, foi, novamente, ao encontro familiar, em busca de alegria e calor humano.
Ganhava, assim, novos amigos e vizinhos, e sempre gostava de mostrar aos garotos de sua idade o valor de ser um torcedor do Flamengo. E conseguiu aumentar, significativamente, , o número de torcedores do ‘mais querido’, como chamava o seu time. Waldir, seu irmão, continuava os estudos no mesmo Seminário, mas não demonstrava vocação sacerdotal. Os dois se encontravam, diariamente, no Colégio, e conviviam mais frequentemente nas férias. A comida portuguesa era sempre saboreada , como prova de amor pelo país de origem entre bacalhau e bolinhos de arroz. Nos finais de semana, até o famoso pastel português a avó Rosária fazia. E era um sucesso! Almir, embora nunca tivesse sido um bom apreciador da culinária, deliciava-se com os pratos da avó.
O fado, ritmo musical português, era muito ouvido pelos avós paternos e também pelo pai, no período de sua infância e na adolescência. Mesmo sendo, o fado, um sentimento que não se explica, mas que se cantae que deve ser ouvido em silêncio, Almir nunca gostou e nunca chegou a se interessarpor ele. De Portugal, sempre foi um tanto distante. Assim, nunca chegou a perceber nenhuma dose de influência dos avós ou do pai pelo país lusitano.
O bairro onde moravam, o Engenho Novo, era de classe média, localizado na zona Norte na cidade do Rio de Janeiro. Almir viveu momentos felizes naquele bairro, nas ruas próximas de sua casa, onde passeava com amigos há pouco adquiridos. E como já estava determinado, firmemente, seguir a carreira sacerdotal, não surgiu, nem ele procurou namorada.
O jovem Almir concluiu o Curso Científico, recebendo várias homenagens do Seminário como aluno-destaque, após o que vieram as justas homenagens, pela família, pelos amigos e vizinhos. Momentos inesquecíveis.
No início de 1949, Almir voltaria às fileiras do Seminário Arquidiocesano de São José, para estudar Filosofia. Foi um grande júbilo da direção , dos professores e funcionários a serviço do Seminário. Almir era muito querido, e a Filosofia era eficaz instrumeno para ajuda-lo a atingir seus objetivos. De todos 0s colegas contemporâneos e que cursavam o Seminário Maior, o que mais despontava, com o melhor desempenho, pelos trabaalhos apresentaados, e pelo que ele expressava, em algumas oportunidades. Almir admirava-o, mas não se aproximava dele, talvez por ainda cursar só Filosofia, enquanto Cony já despontava ewm estudos mais avançados. Nesse período, obteve um amadurecimento de grande valia, que já o preparava para o Curso de Teologia, quando quando se aprofundaria mais na palavra de Deus. Almir fazia parte do Coral do Seminário, e quando ainda cursava o Segundo Ano de Filosofia, foi surpreendido por uma visita que o encheu de orgulho: Recebeu, junto com os demais colegas, ninguém menos que Heitor Villa-Lobos, considerado expoente máximo da música do modernismo brasileiro. O maestro regeu o Coral por quarenta minutos.
O ano de 1951 finalizava, e, com ele, também o Curso de Filosofia. E mesmo tendo encerrado com júbilo, a ansiedade aumentava dia a dia, provavelmente com a aproximação da grande novidade escolar: a Teologia.
No Arcebispado, seu nome já era conhecido, pois tinha sido levado pelos seus mestres do Seminário. E, por esse motivo, em março daquele mesmo ano, Almir interrompeu o recém-iniciado Curso de Teologia para cursar Ciências Sociais na Universidade de Laval, Quebec, Canadá. A proposta veio por parte de Dom Jayme de Barros Câmara, Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro.
No entanto, a partida não aconteceu.Por conselhos médicos, Almir optou por não viajar, e acabou ficando por quase um ano fora do Seminário para tratar de sua saúde. A verdade é que ele passava muito tempo imerso na solidão, e, como conseqüência, passara a sofrer de uma angústia profunda e constante. A depressão chegava, Almir tentava contê-la, mas seu estado psíquico já era preocupante. Numa ida ao médico, indagou-lhe ‘Doutor, estou deprimido’?
Foi um enorme transtorno para seus seus professores, diretores do Seminário e familiares. Almir voltou para casa, e ficou sob os cuidados dos avós e do pai. O médico, que lhe dava assistência e aos demais alunos do Seminário, visitava-o semanalmente, procurando, junto à família, dar-lhe conforto, visando à sua recuperação. Com sua fragilidade física, Almir ficou propenso a outras doenças. A recuperação parecia distante e, por isso mesmo, a atenção do médico, dos avós, e do pai tornou-se cada vez mais muito especial. O jovem Almir recebeu visitas de vários colegas, professores, funcionários e diretores do Seminário, além dos vizinhos, que faziam orações, suplicando melhoras.
Em maio de 1952, recebeu alta médica, mas ainda não havia perspectiva de retorar ao Seminário naquele mesmo ano. Foi, então, à procura de seu grande amigo e ex-colega, que já se havia ordenado, Padre Wilson Saraiva Vermelingue. O encontro aconteceu na cidade de Sapucaia, no Estado do Rio de Janeiro.
O próprio Almir contava: ‘Cheguei a Patos com a Tia Carolina de Araújo, esposa de Dr.José Batista de Araújo, que não pôde sair de Belo Horizonte naquele dia, e repassou-me a passagem. Fomos para a casa do senhor Adélio Reis da Cunha e de Dona Aída Beluco, sua esposa e prima da Tia Carolina.
Meses antes, Dom Alexandre Gonçalves do Amaral, Arcebispo de Uberaba, Diocese à qual a Igreja Católica de Patos de Minas se subordinava, visitara Dona Isaura, na cidade de Presidente Olegário, acompanhado de sua mãe, DonaLília, e lhe mostrara uma carta a ele direigida pelo Cardeal Dom Jame de Barros Câmara, – um pedido que Dom Alexandre encontrasse uma família católica que pudesse acolher e amar como um filho seu o seminarista Almir Medeiros, cuja vocação sacerdotal era muiito promissora.
Ao chegar à cidade que iria adotá-lo, Almir encontrou-se com seu novo pai, Jorge, e os novos irmãos, Maria Mafalda, Terezinha Maria, Rita de Cássia, José Aleixo, Mônica, João Bosco, Paulo Afonso, Geraldo Humberto,e Jorge Eduardo, então com apenas cinco meses de idade. Apenas Antônio não estava presente, pois morava ainda na cidade de Sapucaia, onde Padre Wilson era o pároco.
Aproximava-se o Natal e, mesmo a família tendo forçado a permanência de Almir em Presidente Olegário, onde se sentia muito feliz, ele resolveu retornar a Sapucaia, onde permaneceu até o princípio de 1953. Embora encantado com essa pequena cidade mineira, e com a família que tão bem o acolhera, Almir entrou em contato com o Seminário São José, na cidade de Uberaba, que abriu as portas para o jovem seminarista. Padre Wilson e Antônio vibraram com a decisão, já que Presidente Olegário e Patos de Minas são cidades próximas de Uberaba.
Após, Almir retornou à cidade do Rio de Janeiro, onde, no Bairro do Engenho Novo, iniciou sua preparação para a mudança. Novas roupas foram confeccionadas. Almir retornou ao Seminário, despediu-se de cada colega, de cada funcionário, de cada professor. Lágrimas de tristeza e de alegria se misturavam. Almir sentia que, ali, terminava uma luta e, em Uberaba, iniciaria outra.
Com efeito, no dia 23 de abril desembarcaria na cidade de Uberaba, onde passaria a residir. O Seminário São José passou a ser o novo cenário em que Almir iria escrever outras páginas de sua brilhante história de vida.
(Licínio Barbosa, advogado criminalista, professor emérito da UFG, professor titular da PUC-Goiás, membro titular do IAB-Instituto dos Advogados Brasileiros-Rio/RJ, e do IHGG-Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, membro efetivo da Academia Goiana de Letras, Cadeira 35 – E-mail [email protected])
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