Pamonhas e confraternização
Diário da Manhã
Publicado em 28 de fevereiro de 2018 às 22:31 | Atualizado há 7 anosAté há pouco tempo, nas festas alusivas à despedida do ano velho e às boas vindas do ano novo, em torno do milho verde confraternizavam familiares, amigos e vizinhos(adultos e crianças) para elaborar pamonha. Em épocas um pouco mais recuadas, o carroceiro batia palmas às portas das residências:
– A senhora quer comprar milho verde, dona? Está mole, bom pra pamonha. Tantos cruzeiros à mão.
– Quero duas mãos.
Cada mão correspondia a 60 espigas geralmente entregues em sacos de aniagem. Grãos moles eram preferidos para pamonha de sal ou de doce; duros, para fazer curau. Milho cozido, milho assado, curau (geralmente com canela moída) e angu. Bastante apreciada a mistura deste último com quiabo e feijão (ou angu, quiabo, feijão e frango ao molho). Para o Lazito, meu irmão mais velho (falecido dia 7.2.2017) a mescla angu e quiabo se equiparava a banquete real.
Um adulto, geralmente do sexo masculino, com golpes de faca ou facão extirpava a parte extrema do fundo das espigas para facilitar a retirada da palha. Feito isso, ele passava a espiga para outro auxiliar que extraía os “cabelos” impregnados dentre os grãos e a seguir a entregava ao encarregado de ralar. Enquanto trabalhavam, conversavam alegremente. Lavava-se o tacho, acendia-se o fogo, temperava-se massa que era derramada em um recipiente, tipo sacola, feito de palhas daquelas espigas. Para que os pacotes não se abrissem, prendia-os com barbante ou fios de palha ou com tiras de borracha (comumente muito usadas para proteger de blocos de notas monetárias) e os punham na água contida no interior do tacho. Dentro de 30 a 40 minutos estavam prontas as pamonhas.
Havia “produtos de estação ou de época”. Milho verde cobria o período de dezembro a fevereiro. Tempo das mangas, das gabirobas, do cajuzinho do campo, dos araticuns. Os dois últimos se viram devorados pelo “progresso”. Todo tempo é tempo de manga, todo tempo é tempo de milho verde, curau, angu,pamonha. Não existe mais carroceiro a vender milho de porta em porta. O que se mercadeja de porta em porta são pamonhas transportadas em motocicletas, triciclos, peruas, carros de passeios. Ouvi, várias vezes, em Goiânia, o anúncio pelo serviço de som do mercador: “Pamonha de sal, pamonha de doce, pamonha quentinha, vamos chegando e levando”. Surgiram as lanchonetes que produzem e vendem esse saboroso bolo bem brasileiro de origem indígena. Em muitos lares – talvez a maioria deles – não se rala o milho, não se elabora curau, angu ou pamonha. Poucos vão à feira comprar milho verde para esses fins. Adquirir seus derivados é mais confortável. O lado negativo dessa história foi o fim das confraternizações em torno do ralo, das palhas, das espigas, da “pamonhada”.
(Filadelfo Borges de Lima – borgesli[email protected])
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