Para Fernando Haddad, Raquel Teixeira
Diário da Manhã
Publicado em 21 de setembro de 2018 às 00:11 | Atualizado há 6 anos“O que nos falta é a capacidade de transformar em proposta aquilo que ilumina nossa inteligência e mobiliza nossos corações: a construção de um novo mundo”.
Herbert de Souza
As vozes que clamam por soluções para as mazelas políticas de nosso País precisam se atentar para o fato de que não é possível mais, enfrentarmos os mesmos problemas de séculos, com o mesmo olhar, o mesmo pensamento e as mesmas atitudes de antes. É preciso que se promova a metanóia necessária à esta era e suas transformações socioeconômicas.
A Educação, cada vez mais, dá lugar à aprendizagem e ao treinamento. Treinamento para o trabalho, para a servidão ao mercado. Não está ligada à produção ou ao consumo de conhecimento.
Contraditoriamente, à cada dia, a Educação tem recebido mais críticas, diante de resultados que revelam que a nossa juventude lê mal, mal escreve, mal fala, mal entende e mal se expressa, no geral. Pesquisas já indicam que a nossa sociedade dos diplomas não está apta a “satisfazer” o mercado. As estatísticas indicam deficiências e dificuldades, tanto de conteúdo quanto de habilidades.
A escola pública formal é rançosa; não está alfabetizando bem, não fomenta o desenvolvimento do senso crítico e não é atrativa ao alunado brasileiro. Não desenvolve laços de respeito, confiança, fraternidade, no geral. Precisa se relacionar com o Suas e o Sus, indo além dos seus muros, alcançando as comunidades, tanto quanto as famílias. Não há outra forma de Educação Integral.
Nossa sociedade precisa parar de educar e de viver para satisfazer o mercado. Precisa pensar a vida que vive e a vida que quer, trabalhando neste sentido. O setor público precisa parar de governar para o mercado. Precisa desenvolver políticas educacionais para além da escola formal, utilizando-se, para isso, os Cras e Creas da Assistência Social, por exemplo, que deve fazer mais do que oferecer “bolsas” de auxílio.
Precisa de uma Educação que alcance crianças e jovens e adultos, para uma sociedade que avance em sentido contrário ao da barbárie que temos visto.
Questões como educação patrimonial e ambiental, humanização de espaços públicos, depredação de parques e escolas, coleta seletiva e reciclagem de lixo, por exemplo, deveriam estar na pauta do dia, da Educação, que infelizmente só pensa a Escola e não trata estes temas ou outros, transversais, a contento.
Preocupa-me a falta da Educação na vida de pessoas adultas que se retiraram do processo educativo formal. É uma questão que tem que ser vista.
Nas cidades grandes, as constantes migrações geram processos de aculturação e bulling social. Soma-se a isso o baixo nível escolar e a espoliação da classe trabalhadora, que não consegue garantir qualidade de vida e tem, à cada dia, sua saúde mais comprometida. Inclusive, a mental.
Pensando a migração, quero poder sugerir uma Feira Anual dos Estados. Em Goiás, tínhamos as “barracas dos estados”, na pecuária, mas esta se descaracterizou e as barracas, que geravam uma competitividade festiva tão bacana, já não existem. Ali, conterrâneos se reencontravam, matavam a saudade dos costumes, alimentos, trocavam notícias, divulgavam sua cultura e experienciavam o orgulho com a terra natal, aqui, na terrinha escolhida para a vida, pelo aconchego ou por tantos outros motivos.
Bertrand Russel, em O Elogio ao Ócio, apregoa que “é necessária uma reforma educacional radical para que o conhecimento, o aprendizado e o saber sejam valorizados em si mesmo e para que o ócio, a diversão e o lazer substituam o trabalho como atividades dignificantes”.
O prof. Márcio Pochmann, doutor em Ciência Econômica, já disse que “continuamos discutindo as condições de trabalho como herdeiros do capitalismo do século XX”, afirmando que “é preciso considerar que estamos diante de uma nova possibilidade técnica de organização do trabalho, com jornadas diárias menores e ingresso no mercado de trabalho somente aos 25 anos”, considerando que “antes, a pessoa deve ser totalmente integrada a uma educação que deve ser recebida ao longo de toda sua vida, diante da complexidade da sociedade contemporânea”.
O baixo poder de compra salarial remete famílias inteiras ao mercado de trabalho, aumentando o exército de reserva e garantindo o ciclo de reprodução dessa situação. E as famílias, quase nunca conseguem garantir aos seus membros, saúde, educação, lazer, moradia e transporte com dignidade mínima, nos serviços públicos, embora os tributos fiscais destinados a garantir estes direitos básicos, onerem mercado e sociedade. Aí, nossa juventude serve de mão de obra barata e ocupa vagas que serviriam para chefes de família.
O trabalho na juventude é, estatisticamente, desde sempre, motivo de evasão escolar, e esta é a causa da falta de qualificação profissional no mercado. Além do mais, ao adentrar o mercado, o(a) jovem passa a ser responsável por si, a ir e vir por conta própria; em contrapartida, tem menos tempo para o convívio familiar, para os estudos, o lazer; adquire maus hábitos pessoais e sociais.
Também não comungo das maravilhas das creches e escolas integrais. Estas, devem valer como opção, não condição ou ideal. É a família que deve criar seus filhos, não o Estado. A prerrogativa das escolas integrais e creches é parte da ideia desenvolvimentista, e deveria ter sido efetivada nos idos dos anos 70, mas já não servem para este século, que vem imprimindo comportamentos e hábitos sociais que acenam para a necessidade da desaceleração do tempo e de uma maior e melhor convivência familiar e social na realidade concreta do nosso dia a dia.
O modelo educacional ideal passa por Paulo Freire, pela educação integral, mas não necessariamente pela escola integral – interessante para o século passado, a sociedade industrial.
A política desenvolvimentista brasileira, aliada à cultura ocidental pragmática e reproduzida a partir de uma história eivada pela concentração de renda e a exploração, em nome do acúmulo de capital, está em colapso.
Já é tempo de a Educação ser compreendida enquanto sistema para o desenvolvimento humano, fonte de conhecimento, libertária, e não como mecanismo de inculcação, como retórica populista ou instrumento para formação de mão de obra ‘qualificada’.
São muitas, as questões da Educação, que estão largadas. É tempo de investirmos em uma discussão fundamental, de acordo com Freud, para a nossa felicidade, enquanto humanidade: a nossa sexualidade. Educação sexual, não só nas escolas, para adolescentes e jovens. Precisamos que escolas, comunidades, igrejas, comércios, empresas enfim, toda a sociedade converse sobre o aborto, os inúmeros e até os ignorados estupros que sabemos que existem em nosso país, sobre violência doméstica, iniciação sexual e gravidez precoces. Ora, se nossa sociedade joga feto/bebê vivo no lixo, ou se mata antes de jogar, isto não é problema de foro íntimo, apenas. Se nossos homens (moços, até) se comportam como bestas, como animais rupestres, e estupram, violentam, desacolhem suas crias (mesmo que sejam frutos de relação “extemporânea”…), isto é uma questão de saúde mental, cultural e de educação e de segurança… É sim, uma questão de Estado.
O planejamento familiar, o estímulo aos bons hábitos da alimentação saudável, da prática diária de atividades físicas e a preocupação com o meio ambiente, retomando as discussões e atividades da antiga Agenda 21, são premissas básicas para as mudanças que o Brasil enseja.
Precisamos de investimentos em pesquisas nos campos da biologia, da tecnologia e também da sociologia e demais ciências humanas, nas quais quase nada, ou bem pouco, se investia, antes de piorar drasticamente com a atual política do Governo Federal.
Quero aqui, discordar da forma com que é tratada a questão do Trabalho. Da ideia purista de que “o trabalho dignifica o homem”, sem pensar no que significa ao trabalhador, trabalhar e não garantir vida realmente digna a si e sua família. Não se garante salário justo, saúde, lazer, transporte, educação, moradia. Não é só trabalho, o que dignifica a pessoa humana. É mais, o exercício de Ser pessoa humana, de desenvolver seus potenciais humanos.
Quando pensamos em saúde, apenas reclamamos sobre as condições para o tratamento de doenças, raramente pensando ou interferindo para que a doença não acometa.
Bertrand Russel, em O Elogio ao Ócio, afirma categoricamente, que “a moral do trabalho é uma moral de escravos, e o mundo moderno não precisa de escravidão”. Russel, nos anos de 1935, já defendia quatro horas diárias de trabalho e dizia que só assim “haverá felicidade e alegria de viver, em vez de nervos em frangalhos, fadiga e má digestão”.
Neste caso, a previdência social pode contribuir com dados sobre idades e problemas de saúde que demandam afastamentos remunerados e aposentadorias precoces. Constata-se, de fato, que o mercado de trabalho estraga e o INSS paga.
Temos pensado muito, as doenças, e nos dedicado à elas. Precisamos pensar mais, a saúde, e nos dedicar à ela. Precisamos de um Estado que a promova.
Diante disto é que o Brasil precisa pensar no lazer de sua população, investindo em programas de turismo social e garantindo por exemplo, o funcionamento de parques públicos em turno noturno, durante a semana, e 24 horas nos finais de semana, para pessoas que cumprem turnos irregulares de trabalho, considerando que o setor privado, investe em lazer e entretenimento, mas não se preocupa com os efeitos do que oferecem e trabalham 24 horas por dia. São bares, boates, lan houses, festas psicodélicas, filmes, jogos, postos de conveniência, tudo “educando” para a vida. A escala é industrial. No setor público, a escala é artesanal, e os resultados, podemos ver: violência nas noites, toxicomanias, insatisfação pessoal, egocentrismo e perda de vários valores humanos coletivos essenciais, em uma sociedade fútil, com apego em valores efêmeros e sem preocupação com a saúde e com a vida. Mas que trabalha muito.
Quanto ao Trabalho, é fundamental constituirmos um Movimento junto a trabalhadores(as), patroas e patrões, com uma ação genuinamente voltada para o bem comum, os ideais coletivos e a emancipação do homem, através do investimento na produção do pensamento coletivo acerca das questões humanas, associando a prática cotidiana aos ideais teóricos, requalificando postos de trabalho e refletindo sobre condições e modernização do mesmo, no sentido de ampliarmos o grau de satisfação de patrões, trabalhadores e usuários dos serviços e produtos oferecidos, pois não é apenas o setor público que carece de mudanças e seriedade em sua condução; a realidade econômica mundial nos remete a obrigação de buscarmos novos rumos para o consumo e a produção de bens e serviços, que garantam padrão de qualidade e sustentabilidade socioambiental.
Necessário se faz, então, a este Movimento, um sistema de site/intranet para apoio, contendo os pilares das ações, pesquisas e indicadores socioeconômicos, problemas/ encaminhamentos/soluções e outras informações relevantes, com disposição de material teórico para rodas de conversa entre o patronato e trabalhadores e para a implantação de uma Agenda Legal, que contenha um calendário geral de temas e ações importantes, mas que deverá ser adequado, conforme as diferentes realidades locais, de acordo com cada empresa participante. Neste viés, temos questões coletivas como redução de jornada de trabalho, direitos e deveres trabalhistas e patronais, e outras, pertinentes também à individualidade, como ética, saúde, direitos humanos e meio ambiente, entre outros temas relevantes e que afetam o humor do mercado, a classe trabalhadora e a sociedade em geral.
As “discussões” deverão ser no mínimo, quinzenais, com um tempo de no mínimo, 20 minutos, mas as ações deverão ser contínuas; tudo deverá ser definido de modo democrático, participativo. Pode-se programar gincanas, cartazes, adesivos, concursos, festas, seminários, enfim, atividades ao gosto e possibilidade local. As empresas/entidades classistas que aderirem deverão receber um selo de identidade.
A diversidade de opções do mercado exige competitividade. Por outro lado, administradores modernos indicam a visão de futuro como sendo quesito para qualquer empreendimento de sucesso, além do investimento no capital humano, com treinamentos e assistência aos funcionários, que acabam melhorando a produtividade, buscando realmente a inovação de alguns valores, regras e comportamentos, tanto no mercado quanto na sociedade como um todo, com vistas à superação da visão mercadológica do arcaico capitalismo selvagem, onde tudo é mercadoria, onde o lucro e a vantagem são premissas básicas.
Não precisamos formar uma “massa de trabalhadores apta” às condições e necessidades do mercado. O Estado cria determinado tipo de civilização, e o Estado atual não tem que criar trabalhadores úteis ao mercado, e sim um mercado e um Estado que sirvam à cidadania, aos cidadãos, criando assim, uma civilização mais feliz.
As famílias da classe trabalhadora precisam ter seus direitos básicos garantidos. Pensar que o estudo, o lazer, o esporte, o turismo, as artes e a cultura também dignificam o homem… Abandonar a moral escrava e a falsa moral politiqueira que tenta fazer do outro, o problema, sempre. Ou então, a massa de manobra da hora, sob os rojões de impropérios e de bravatas medíocres, que tanto agradam as turbas insensatas e repetitivas.
Sem mudanças de concepção, não teremos transformação!
(Alexandra Machado Costa, assistente social, funcionária pública)
]]>