Perdas
Diário da Manhã
Publicado em 31 de março de 2018 às 23:18 | Atualizado há 7 anosA cada dia o que se observa é a proclamação de todos de que os dias estão passando ligeiro demais.
Sempre se mencionam festas clássicas do país como Natal, carnaval, semana santa, para acrescentar, em seguida: parece que foi ontem e já estamos quase chegando lá, de novo.
E expressões como “ o ano está voando” ou “ tudo está passando muito rápido”se repetem todo instante e esta sensação começa a firmar residência em nosso inconsciente.
Parece que tudo isto tem a ver com o acúmulo de funções, atribuições e problemas que acumulamos no nosso dia a dia, de modo a sempre, ao final da jornada diária, descobrirmos que quase metade da agenda ficou em aberto, sem ser cumprida…
Então, não foi propriamente o dia que encurtou, mas a soma das atribuições diárias que cresceu demais, afetando-nos em muitos setores de nossas aspirações e desejos.
Uma das facetas da vida mais afetadas é a da comunicação com os amigos…
Aquilo que acontecia às vezes semanalmente, ou mensalmente, agora não acontece nem de ano em ano, salvo se acontecer um aniversário muito relevante ou uma tragédia.
De repente, a visita que gostaríamos de ter feito não mais se pode fazer porque a pessoa faleceu e nem sequer tomamos conhecimento.
A vida, esta viagem cheia de estações, de paradas e saídas, pode nos causar surpresas denunciar muitas perdas.
Ultimamente tenho repassado fatos de minha vida e pessoas nela envolvidas, aproveitando para agradecer a Deus por sua graça e grande benevolência para comigo.
Para lembrar um fato, em julho deste ano, se Deus me permitir chegar até lá, estarei completando vinte e sete anos de quando tomei conhecimento da presença de um aneurisma cerebral gigante, denunciado por uma dor de cabeça que achei inoportuna, quando ocorreu.
Diagnóstico rápido e certeiro. Se houvesse rompido, praticamente estaria morto ou inválido. A cirurgia indicada, evidentemente, era de alto risco e nenhuma surpresa seria se, mesmo bem sucedida, ficassem permanentemente em mim os rastros de sua passagem.
Nada disto, porém, ocorreu. E aqui estou eu, escrevendo mais esta crônica, sem a menor sequela ou rastro deixado por este poderoso inimigo.
Mas há poucos dias, enquanto buscava documentos junto a Associação de Procuradores do Estado de Goiás, para declaração do imposto de renda, perguntei por vários colegas, aposentados, com os quais não tinha conseguido fazer contato e surpreendi-me demais quando um deles me foi noticiado como falecido. Enorme perda.
Figura insigne e serena de advogado, extremamente competente e estudioso, milimétrico em suas avaliações e profundo em suas incursões jurídicas, o colega era, sem dúvida, símbolo e referência das maiores na advocacia goiana.
Além disto, extremamente ético, seria incapaz de uma descortesia e muito menos de uma deslealdade profissional. Colega a quem, mesmo estando atuando no pólo oposto da demando, se podia confiar que levasse as próprias testemunhas, juntamente com as dele, para a audiência, sem que qualquer tentativa de influência ou desvio pudesse ocorrer,
Brilhante, quando se levou a efeito o lendário primeiro concurso público para a carreira de Procurador do Estado de Goiás, em 1971, com bancas examinadoras onde pontificavam nomes como os de Paulo Torminn Borges, Marcelo Caetano da Costa, Jaci de Assis, Marcos Afonso Borges, e José de Jesus Filho, entre muitos outros e no qual , além das provas de disciplinas específicas ( Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Tributário e Fiscal , Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito do Trabalho ) havia prova de tribuna ( sustentação oral perante o Tribunal de Justiça ) e prova de Conhecimentos Gerais, abrangendo as áreas de Direito Romano, Direito Internacional Privado, Sociologia do Direito, História Geral e Literatura Brasileira( incluindo a goiana ) e no qual os pontos da prova do dia eram sorteados na presença de todos os candidatos e a prova elaborada em seguida pela Banca e apresentada aos concorrentes, para solução no prazo de até cinco horas de duração, sendo todas e cada uma delas eliminatória, não podendo o candidato reprovado numa se submeter à seguinte, foram aprovados menos de uma dezena deles e o citado colega, logrou obter o 2º lugar.
Por longos anos, comigo, fomos os responsáveis pelas defesas orais do Estado junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, em memoráveis jornadas.
Foi assim, meu caro, ilustre e saudoso colega SILVIO MESQUITA, que você me assustou com sua partida por mim até agora desconhecida.
Havia me prometido visitá-lo para relembrarmos jornadas empreendidas e vencidas, mas não foi possível.
Saiba,porém, que nós todos que o conhecemos lhe prestamos e prestaremos imorredoura homenagem de respeito e admiração.
(Getulio Targino Lima: Advogado, Professor emérito ( UFG ), jornalista, escritor, membro da Associação Nacional de Escritores, do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás e da Academia Goiana de Letras. E-mail: gtargino@hotmail.com)
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