Opinião

Personagens improváveis (I)

Diário da Manhã

Publicado em 23 de maio de 2017 às 02:20 | Atualizado há 8 anos

Enquanto estremecem os alicerces da República, abalados por delações de criminosos que se tornaram donos do poder, o cidadão comum torra os miolos, tentando entender como chegamos a esse túnel escuro, sem vislumbre de luz.

Protagonistas de um enredo que privilegiava a ambição, a desonestidade e a desfaçatez, revezam-se personagens improváveis, mas infelizmente verdadeiros. A começar por Aécio e sua irmã (e guardiã) Andréia, netos de Tancredo Neves, o presidente que foi sem nunca ter sido.

Há muitos anos, eu ia com frequência a São João d´El Rei, bela cidade mineira de ruas calçadas de pedra, casario antigo e expressiva tradição cultural. Que incluía o Jornal do Poste, periódico artesanal independente, literalmente afixado nos postes de iluminação.

Certa noite, saí a vagar pelas ruas à clara luz da lua cheia. Enquanto as estrelas piscavam friorentas, nas calçadas alongavam-se as sombras. De longe vinham sons de uma orquestra e segui nessa direção. Cheguei a um largo onde sobressaíam uma belíssima igreja e um sobrado imponente, com pórticos de pedra e sacadas de ferro batido. As janelas abalcoadas estavam abertas, deixando entrever móveis solenes e lustres de cristal. Carros chegavam com pessoas trajadas a rigor, que eram recebidas à entrada, enquanto alegremente tilintavam as taças.

Em frente, formavam-se grupos de populares, sendo a maioria de mulheres que se divertiam com a visão da festa e os vestidos das madames. Juntei-me ao “sereno” e fiquei sabendo que aquele era o Solar dos Neves, onde se festejava o aniversário de um dos integrantes do clã.

O sobrado pertencia a Tancredo Neves, advogado e político do Partido Social Democrático (PSD) que se elegera para a Câmara Federal, mas continuava com escritório na cidade natal. Ao longo dos anos, viria a destacar-se nos muitos cargos que exerceu no Legislativo e no Executivo, como o de ministro da Justiça do último governo de Vargas.

Conta-se que na madrugada de 24 de agosto de 1954, finda a dramática e última reunião ministerial, o combalido Getúlio subiu a escadaria do Palácio do Catete, acompanhado por Tancredo. Antes de recolher-se ao quarto, o presidente entregou-lhe sua caneta – uma Parker 51 de ouro, cravejada de brilhantes e rubis – e disse: “Ao amigo certo das horas incertas”. Anteriormente, com essa mesma caneta Vargas assinara a Carta Testamento, com que se despediria da vida para entrar na História. O histórico presente viria ter às mãos do neto de Tancredo – o supramencionado Aécio.

Como um dos mais destacados políticos de seu tempo, durante o regime militar o deputado federal Tancredo Neves evoluiu de oposicionista moderado para a liderança das “Diretas Já”, que marcou o fim dos governos de exceção. Em uma sequência de fatos que guardam a feição de tragédia grega, ele foi eleito presidente da República pelo Congresso Nacional – mas adoeceu gravemente e não chegou a tomar posse, vindo a falecer em 21 de abril de 1985. Com o que a Nova República teve início pelas mãos do vice-presidente eleito, o maranhense José Sarney. O resto é História que desemboca no impasse vivenciado nos dias de hoje – do qual são coprotagonistas, muito embora como vilões, os irmãos Aécio e Andréia Neves.

Como todos sabemos, Aécio esteve perto de eleger-se presidente da República (2014), quando foi derrotado pelo “poste” de Lula, a atrapalhada d. Dilma Vana Rousseff. Na qualidade de dirigente do maior partido de oposição, o político mineiro assumiu um discurso inovador e moralizador – ora reduzido a frangalhos, na delação premiada de Joesley Batista, o condestável da JBS que bancou a política brasileira nos últimos anos.

O ex-líder oposicionista não se acanhou de receber dinheiro desse empresário suspeito, bilionário fabricado com recursos públicos  para ser um dos “campeões nacionais” e, obviamente, financiar a perpetuidade do PT e seus aliados no poder. Fora o que tais beneméritos embolsariam por fora, que a vida está difícil e ninguém é de ferro!

Tudo gravado, filmado, documentado; tudo em dinheiro vivo, cédulas grampeadas, malas chipadas, os emissários se revezando em coleta e entregas clandestinas. E isso em pleno desenrolar da Lava Jato, “para pagar o advogado” que defenderia Aécio de acusações no âmbito da Lava-jato!

Em São João D´el Rei, cidadãos revoltados protestaram em frente ao Solar dos Neves contra a traição dos netos,  Aécio e Andréia, aos ideais e à postura ética do avô, Tancredo. Junto à estátua que a cidade erigiu ao filho ilustre, alguém colocou uma placa onde está escrito: “Vergonha dos meus netos”. Ao que acrescento: vergonha de todos nós. (Continua).

 

(Lena Castello Branco,[email protected])

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