Plaza de La Inquisicion, Cartagena
Diário da Manhã
Publicado em 27 de agosto de 2018 às 23:16 | Atualizado há 6 anosChegamos bem cedo a cidade murada. Juntos com os carrinhos de sucos e frutas típicos do local. O encanto era tamanho que nem percebemos que a cidade também funciona lá dentro. O calor equatorial não impedia de caminharmos por todas as ruas, praças e fotografar as lindas bancadas de madeira, as candelárias e os vários formatos de aldravas.
Antes que alguém pergunte, aldravas são os antigos desenhos de ferro, bronze ou latão que ornam as portas e que com elas batemos para chamar os donos do local. São as campainhas da alma que refletem os pensamentos dos donos. Em forma de cães, leões, peixes, lagartos, com muitos ornamentos. E as portas? Seculares de madeira que guardam segredos e testemunharam amores por entre ruas de lamparinas e lampiões.
O dia brotando pelas ruas e a luz invadindo as praças monumentais como a Plaza de Santo Domingo, com sua cadeiras acolhedoras e uma farta mulher deitada, obra de Botero, o escultor predileto da minha esposa. Outra praça bacana é a de San Pedro Claver, com suas esculturas espalhadas e pombos idem. São ideais para ensaios fotográficos e poses turísticas. A Plaza de Aduana, enorme e aberta, seria convidativa para um concerto noturno. Assim como a Plaza de Los Coches, com seus arcos e carruagens, nos remete a um passado colonial.
Entretanto, depois de tomar sorvete, beber água e apenas parar para ver o movimento, sentamos naquela que oferecia o que melhor há numa praça: sombra e gente. A estátua equestre de Simón Bolivar intitula atualmente o que seria La Plaza da La Inquisicion. Sua árvores deitadas, a fonte de água, os esquilos passando e uma ave preta de rabo branco, compõe o cenário inicial.
De mãos dadas embevecidos, observamos um casal de senhores com aproximadamente trinta anos mais do que nós. Nosso futuro está ali, em cumplicidade e comunhão. Ele limpa o banco para sua querida sentar-se e vai comprar uma salada de frutas para ela. Enquanto isso um pregador liga sua caixa de som e começa o seu discurso.
Muitas pessoas passam céleres e outras nem tanto. O calor é evidente. Ele tira um lenço (quantos homens ainda carregam lenços em seus bolsos?) e enxuga sua testa e delicadamente as faces de sua amada. Ele se levanta com anuência dela e se inscreve para jogar damas. Particularmente prefiro xadrez, mas… primeiro as damas.
Uma brisa leve e marítima nos enche com um lufada de paz. Homens e mulheres de todas as idades enfeitam o pequeno oásis de Cartagena cercada. Os turistas estão presos ali entre bolsas coloridas, museus e restaurantes. E eles estão livres no seu dia-a-dia que passa lentamente.
Reparo o linho branco, o chapéu panamá, o cabelo bem cortado. Seria um personagem de G.G. Marquez, um Gabo estilizado. Ou até meu favorito, Florentino Ariza, o homem que escolheu e esperou ela, dentre todas a mais bela. Poderia jurar que o vira antes em uma esquina qualquer, mirando-a debruçada na janela com cotovelos grossos de tanta espera.
O horário do almoço é bem mais cedo para eles e justo para nós que madrugamos para sorver o dia com graça e leveza. Sem pressa alguma já se passa mais de uma hora que sentados estamos. Inclusive o engravatado senhor de apertadas calças de catar siri resolve desligar o som e sair de braços dados com uma bela morena. Tenho certeza de que será a sua salvação.
Forte abraço e delicado beijo se impõe a cena quando nos levantamos. Permanecer calado ao lado de quem se ama é poder admirar ainda mais a beleza do par e do lugar.
Ao adentrar no restaurante minhas origens maranhenses me obrigam a pedir um peixe. Apesar da porta da casa permanecer aberta e o mundo lá fora passar, ainda assim escolho uma mesa ao lado de um enorme janelão.
Estivemos lá há quatro anos atrás, perdi todas as fotos. Só sobrou o diário escrito a noite e as memórias afetivas. Talvez o turista diga que essa praça não tem nada. Mas para nós despertou o desejo de continuar a rodar o mundo e deixar ele rodar também. Com graça. Com tudo.
(JB Alencastro, médico)
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