Opinião

Por carnavais livres de violência

Diário da Manhã

Publicado em 24 de fevereiro de 2017 às 02:35 | Atualizado há 8 anos

Como a festa mais representativa do Brasil, o carnaval é, em muitos aspectos, um período especialmente preocupante para quem trabalha para garantir direitos da infância. Para além das marchinhas e desfiles, é nos bastidores da festa em que a ameaça da violência sexual contra crianças e adolescentes mostra-se mais cruel: sua invisibilidade.

Com dados subestimados, o Brasil não consegue proteger completamente crianças do abuso, exploração e do turismo sexual durante grandes eventos, como o carnaval. Segundo a Secretaria Especial de Direitos Humanos, há uma média de 47 casos todos os dias no país. Porém, como eles se baseiam apenas em denúncias anônimas ao Disque 100, o número de casos é potencialmente maior.

Gestores públicos e organizações sociais conhecem esse contexto e entendem a impossibilidade de implementar políticas públicas — pois elas existem— sem um diagnóstico preciso da situação. Embora os levantamentos do Disque 100 sejam imprescindíveis, é necessário considerar também outras fontes de informação como delegacias, escolas, conselhos tutelares, hospitais, centro sociais ou qualquer outro espaço. Cruzamento de informações que, até hoje, nunca saiu do papel.

As campanhas, governamentais ou não, que se avolumam durante o período carnavalesco, tendem a, invariavelmente, conscientizar a população a denunciar, seja pelo Disque 100, seja por aplicativos como o Proteja Brasil. Buscam que foliões não virem o rosto para violações e situações em que claramente uma criança ou adolescente mostra-se vulnerável.

O aprimoramento da rede de proteção à criança e adolescente nas últimas décadas, como os Conselhos Tutelares, mostram-se também importantes pontos focais para assegurar direitos, mas ainda não encontraram um caminho eficaz para o mais importante: a prevenção. Apenas com ações integradas que antecipem o risco é possível reduzir os efeitos captados pelas denúncias.

Como organização humanitária internacional que atua há 50 anos no Brasil, a Aldeias Infantis SOS lançou a campanha #DeUmBasta para que a população exija de municípios, Estados e Governo Federal a viabilidade de diagnósticos reais para a aplicação de políticas públicas de combate à violência sexual. Este é um primeiro passo de um processo para a sociedade civil se apropriar do tema e questionar gestores públicos sobre suas responsabilidades, planos, recursos e ações em prol da infância.

A cobrança e o apoio da sociedade são fundamentais para o enfrentamento de um problema que afeta crianças muito além de suas classes sociais, mas que se arvora, em grande parte, na vulnerabilidade de famílias e comunidades.

A violência sexual compromete o desenvolvimento, saúde, autoestima, aprendizado e vida social das crianças e, pior, se torna um ciclo permanente, pois tem o potencial de torná-las adultos que reproduzem essa violência. Esse não pode ser um legado do carnaval ou qualquer grande evento, tradicional ou não, do Norte ao Sul do Brasil.

 

(Sandra Greco da Fonseca é gestora nacional da Aldeias Infantis SOS Brasil)

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