Opinião

Preferimos ficar na caverna?

Diário da Manhã

Publicado em 14 de junho de 2017 às 02:34 | Atualizado há 8 anos

O mito da caverna de Platão, nos conta que havia uma caverna subterrânea, na qual os prisioneiros estavam amarrados pelos pés e pescoço e impossibilitados de olhar para trás. Atrás deles tinha um muro e um fogo que iluminava parte do local, atrás do muro as pessoas passavam com animais e objetos e suas sombras eram projetadas na parede que ficava na frente dos prisioneiros e que eles ao ouvirem as vozes destas pessoas entendiam ser das sombras.

Um certo dia, um deles consegue fugir do local e ao escalar o muro começa a ver as coisas como realmente são e não somente as suas projeções. Este ex-prisioneiro vendo que o mundo agora real não é feito de formas quanto as sombras projetadas na parede e sim de coisas concretas decide voltar a caverna e contar ao demais que o mundo em que eles vivem não é real e o verdadeiro mundo é o que ele passara a conhecer.

Quando conta aos outros prisioneiros a verdade conhecida por ele, os outros não acreditam, preferem ficar presos ao mundo das sombras que é o único conhecido por eles e perfeito aos seus olhos. E na insistência, este homem que lá volta, ou morre por insistir em sua verdade ou fica com eles preso novamente.

Em comparativo ao questionamento que essa fábula demonstra pode se destacar a atitude do ministro Herman Bejamim, relator da Aije 194358 (Ação que pedia a cassação da chapa Dilma-Temer por abuso de poder político e econômico) no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que em frente ao atual sistema político vigente no país, sistema esse que nos acostumou com uma realidade do ‘rouba, mas faz’. E na qual nunca tínhamos proposto conhecê-lo como as coisas realmente funcionam nesta luta pelo poder, foi ao centro da questão, saiu dos gabinetes e deixando os seus pares, foi buscar expor as entranhas do sistema, de quanto este está falido e como chegou ao seu ápice nas eleições de 2014.

Ao escolher enfrentar a empreitada, descobriu coisas que a seus olhos eram absurdos, como os depoimentos de Mônica Moura e João Santana, marqueteiros da Coligação Com a Força do Povo, que vinham recebendo valores antes das referidas eleições e só deixaram de receber, quando do crescimento da Operação Lava Jato, em novembro de 2014.

Além de mostrar que o caixa 1 (dinheiro recebido de doações legais) continha dinheiro de propina oriundas de contratos com a Petrobrás, o ministro relator coletou depoimentos de executivos da empresa Odebrecht que confirmaram o caixa 2 (doações e gastos de campanha não declarados à Justiça Eleitoral) e para susto maior ainda apareceu o novíssimo caixa 3 (uma empresa faz doação por meio de uma terceira, e, portanto, seu nome não aparece como doadora) quando a Odebrecht supostamente fez doações por meio da Cervejaria Petrópolis à chapa vencedora.

O voto de Herman Bejamin “foi no sentido da cassação da chapa presidencial eleita em 2014, pelos abusos que foram apurados nesses quatro processo” (SIC), afirmou o relator. Ele qualificou como abuso de poder político e ou econômico a “propina gordura” e “propina poupança” (dinheiro que recebiam antes mesmo de período eleitoral) que os colocavam na frente na largada do pleito eleitoral.

Assim como o ex-escravo que se soltou, escalou o muro e conseguiu sair da caverna, o ministro Herman Benjamin também foi atrás das coisas, vê-las além das formas, conhece-las como elas eram de fato, como se integravam e como elas se faziam serem verdades. Foi ver além das sombras projetadas no Tribunal e na sociedade.

Ao deparar com um mundo novo, propôs uma forma de trabalho que lhe deu possibilidades de conhecê-lo e ao descobrir como eram as coisas que antes viam somente projetadas por sombras, agora conhecedor da causa produz um relatório e resolve voltar a caverna -TSE-  e contar a seus pares e a sociedade o que vira.

E eles acreditaram?

Na oportunidade que teve, apresentou o seu relatório de tudo que vira lá fora e que visitara. Mostrou pontos e contrapontos e afirmou ser a oportunidade de saírem da caverna e mostrar que o país poderia ter dias melhores, bastasse que acreditassem nele e no seu relatório e a sua repercussão posterior poderia trazer luz ao tribunal e à sociedade. Quando afirmou que não era somente os partidos da chapa que estava sendo julgada que agiu de forma ilícita, jogou luz aonde havia penumbra, o problema é que aconteceu assim como Platão afirma: “Quem está acostumado com as sombras cega-se com grande feixe de luz”. O líder dos que ficaram lá na caverna – TSE – Gilmar Mendes disse que Herman estava com um discurso falacioso. Admar Gonzaga criticou o relator dizendo que ele estava fazendo um discurso para a plateia e com o objetivo de constranger os colegas.

O fim de quem procura explicar as ideias, os conceitos, novos paradigmas e trazer luz à realidade das coisas, sofrem por serem só ou minoria. Foi assim com Sócrates em Atenas, seria assim com quem voltasse a Caverna e foi assim com o relator e seu relatório da Aije 194358 que vencido por 4×3, expôs as vísceras do famigerado sistema político e parte dos colegas foram contrários formando uma maioria. Eles concordaram com os fatos, mas como preferiram não incluir verdades que mostravam o extrato do sistema, preferiram as sombras por acharem elas formas perfeitas.

E a sociedade ficou frustrada novamente, agora com um pouco de luz a mais, porém, sem forças para sair só da caverna.

Deixo como reflexão esta frase do relator Herman Benjamim que marcou o julgamento: “Eu, como juiz, recuso o papel de coveiro de prova viva. Posso até participar do velório, mas não carrego o caixão”.

 

(Paulo Teles, jornalista e comentarista político)

]]>


Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

últimas
notícias