Opinião

Preguiça gigante

Redação

Publicado em 16 de novembro de 2015 às 20:50 | Atualizado há 9 anos

– Alô, bom dia, Doctor Jones?

– Sim. Bom dia.

– Megatherium.

– Eremotherium lundi e Catonix cuvieri, são as mais bonitas.

– Então você conhece a região da Serra da Capivara.

– Toca da janela da Barra do Antonião e Toca do gordo do Garrincho.

– Você já esteve lá! O Brasil não conhece o Piauí e muito menos suas pinturas rupestres, o primeiro homem americano e essa coleção de fósseis da mega fauna. Incrível! Superbe!

O francês não se continha em si ao saber que encontrara o explorador que faltava. Numa fenda praticamente inacessível na Serra da Confusão, uma sonda havia descoberto um esqueleto completo do maior mamífero terrestre que pisou em solo americano, a preguiça gigante. Encravada a mais de 100 metros de profundidade, no meio dos paredões, num salão escuro, a foto mostrava sua ossada. Ao lado dela, um pouco estilhaçada pela queda, o seu perseguidor, um Smilodon fatalis, mais conhecido como tigre dentes-de-sabre.

– Preciso do registro fotográfico e amostras de ambos. Dinheiro não é problema. Mas a equipe está difícil de montar. São necessários de três a cinco homens fortes para levar as cordas, carregar o equipamento e pelo menos um muito alto para fazer o pêndulo e cravar no arenito os pinos de segurança. Também tem que arrumar um cara menor, com excelente flexibilidade, para entrar na primeira fenda. Outro bom de orientação para saber sair do labirinto de água e por fim um que mergulhe em cavernas e saiba liderar os outros. Homens assim não obedecem ninguém.

– Você não vai, Claude? E Martine, onde está?

– Fiquei paraplégico, Martine morreu.

Silêncio. Seus mestres de aventuras pelo mundo estavam fora da zona de combate. Sujeitos do século XIX, dos descobrimentos, das regiões ermas e inóspitas. Curiosos por excelência, capazes de aprender uma língua desconhecida para apenas se comunicar com aquele ancião local que saberia onde ficavam os segredos, como fizeram na Tanzânia.

– Tenho meu próprio time. Somos quatro.

Seu filho gigantesco levou o material e sua força era maior do que cinco homens adultos. Além de forte, descomunal. Ao chegar à fenda cravou facilmente os ganchos. Muito ágil nos seus 100 quilos bem distribuídos e 195 cm de altura e 9% de gordura. Coração gentil, alimentara um casal de mocós e seus filhotes. Conseguiu descer – no braço – toda a cavidade.

Por suas costas vieram a filha, esposa e ele, o pai. Uma década de balé deram a filha a capacidade de coçar o nariz com o pé, estando de quatro. A estreita janela foi ultrapassada com gestos precisos e artísticos. Acendeu o sinalizador iluminando toda a caverna. Consegui encontrar a passagem para os demais, enquanto apertava com carinho seu inseparável chaveiro de lêmure.

O labirinto de rochas, água cristalina e vento encanado não foram obstáculos para a mãe. Com sua memória prodigiosa e senso de orientação, resolveu apagar as luzes e conduzi-los todos até o salão secundário. Sete metros de queda livre os separavam dos cobiçados fósseis. Sua voz acalmava os excitados casal de filhos e o líder.

Já escalara montanhas em todos os continentes, mergulhara em Galápagos no meio dos tubarões martelo, estudara com afinco línguas mortas e vivas e seu único ponto fraco era a coluna; vítima de três delicadas cirurgias. Uma aterragem dessa altura teria um impacto danoso na sua combalida lombar. Porém, o filho dependurado pela janela de arenito e com seus pés tamanho 45 encaixados nas reentrâncias da caverna, conseguira segurar pelos pés a mãe e esta a irmã. Ele descera rapidamente por essa escada humana invertida e com o resto de corda alcançara o chão arenoso e macio. Não fazia frio. Aquela temperatura constante de cavernas era confortante, acendeu a tocha e a lanterna de cabeça iluminou o salão. Do alto, via sua família sãos e salvos. E a sua frente, a surpresa.

Ao lado dos esqueletos -completamente conservados- um casal de hominídeos com seus dois filhos. A prova inconteste de que o ser humano americano é mais antigo do que se pensa. A preguiça gigante e o tigre dentes-de-sabre ficaram pequenos diante da magnitude arqueológica.

Prova de que a família – o quarteto fantástico, igual ao dele- é a base da existência humana, há mais de 40 mil anos. E que nada no mundo, pode vencê-los.

JB Alencastro  é médico e escritor)

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