Quarto Poder
Diário da Manhã
Publicado em 5 de abril de 2017 às 03:07 | Atualizado há 8 anosA democracia pode não ser um excelente regime político, mas não existe outro melhor que possa substituí-lo. Seguindo este raciocínio é o menos pior. Tem-se conhecimento de outros, tais como ditadura, monarquia com suas dinastias, poder militar temporário ou a longo prazo, e mesmo despotismo esclarecido, etc. Mas nenhuma outro regime demonstrou, na prática, ser melhor que a democracia. Contudo, é correto afirmar que a democracia não é perfeita. Convencionou-se dividir o Estado democrático em Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), cada um autônomo e independente em sua área de atuação. O Legislativo elaborando leis, o Executivo administrando conforme a legislação vigente e o Judiciário atuando quando as leis não forem cumpridas. Este seria o Estado ideal no pensamento de filósofos que se dedicam ao assunto.
Mesmo reconhecendo ser a sociedade que detém todos poderes do Estado, no dia a dia a democracia se revela imperfeita e suas imperfeições são extravasadas no comportamento de representantes dos diferentes poderes. Nem mesmo as tentativas de separar Chefe de Estado de Chefe de Governo, quando quem governa não representa o Estado e quem representa o Estado não governa, propiciou a tranquilidade almejada pelos governantes e governados.
Ao longo da história muitos estudiosos defenderam a necessidade de um Quarto Poder. Não se trata do Poder Moderador, que já existiu no Brasil no período imperial. O Quarto Poder seria o Poder Fiscal, encarregado de fiscalizar o Executivo, Legislativo e Judiciário. Mas ai fica a pergunta sem resposta: quem fiscalizaria o Poder Fiscal? Certamente um Quinto Poder não seria a solução. O que se verifica, na prática, é uma disputa velada entre o Ministério Público independente e a Imprensa livre, cada um pretendendo ser o Quarto Poder, mesmo que não institucionalizado. Sem Imprensa livre e Ministério Público independente não existirá democracia. O Ministério Público pretende ser o representante e defensor da sociedade, enquanto que a Imprensa não abre mão do seu dever de levar ao conhecimento de todo cidadão as ocorrências negativas que envolvem os representantes dos Três Poderes, e mesmo do Ministério Público, cumprindo seu papel de informar.
Um assunto por demais polêmico, que reuniu defensores tanto de um lado como do outro, refere-se à competência do Ministério Público para promover investigações penais por conta própria. Com argumentos robustecidos por fortes embasamentos, desenvolvidos pelos contrários e os favoráveis, o problema chegou ao Supremo Tribunal Federal, com reconhecida repercussão geral. Na mais alta Corte de Justiça brasileira ainda aconteceram divergências, com posicionamentos a favor e contra. Entretanto, ao final, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, por maioria de votos, que o Ministério Público dispõe de competência para promover, com autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado. Foi uma decisão excelente para a sociedade, pois a Polícia, mesmo que imbuída das melhores intenções, não teria poder de fogo para levar avante as investigações de condutas ilícitas envolvendo políticos poderosos.
Sobre a Mídia, assim entendendo os Meios de Comunicação de Massa, exercendo seu papel ao analisar, denunciar e investigar, levando ao conhecimento do público os atos ilegais e ilícitos, corruptos e incorretos, em diversos setores, principalmente político, estaria exercendo, de fato, atividades próprias de um Quarto Poder. Na versão oposta, o Ministério Público é interpretado como o Quarto Poder do Estado. Alguns integrantes do Ministério Público se sentem representantes do Quarto Poder, mesmo não manifestado expressamente. O problema se repete com alguns jornalistas. A titulo de exemplo em Goiás já existiu um jornal com o nome de “Quarto Poder”, que era editado pela UFG, portanto estatal, que foi fechado pelo governo militar instalado em 1964.
Tanto a Imprensa como o Ministério Público são integrados por pessoas. Se as pessoas são imperfeitas, é natural que tanto um como a outra sejam imperfeitos. Também o Estado não é perfeito. Especificamente no caso do Brasil a imperfeição se faz presente no conduta de políticos, amplamente noticiada pela Imprensa. Uma verdade não pode ser olvidada. Se a competência para investigar fosse somente da Polícia, a Lava Jato não teria chegado até onde chegou, porquanto o Executivo, com pressão do Legislativo, já teria impedido seu prosseguimento, simplesmente afastando os delegados encarregados das investigações. Com o Ministério Público independente ao lado da Polícia não há como impedir o prosseguimento dos esclarecimentos, em razão da maior autonomia dos procuradores, somada ao elogiável trabalho da imprensa em noticiar as bandalheiras.
Por tudo que foi dito, mesmo reconhecendo algumas falhas, no Brasil não é necessário um Quarto Poder de direito, pois de fato as funções desenvolvidas pelo Ministério Público e as atividades realizadas pela imprensa dispensam um Quarto Poder.
(Ismar Estulano Garcia, advogado, ex-presidente da OAB-GO, professor universitário, escritor)
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