Rachas, rixas e o lado satírico da história política
Diário da Manhã
Publicado em 25 de dezembro de 2017 às 22:15 | Atualizado há 7 anosSeja no teatro de escracho e absurdo ou através das marchinhas zombeteiras do carnaval, há uma tradição de deboche político no Brasil que nunca poupou governo nem oposição, sobretudo na euforia carnavalesca, mostrando que política e carnaval sempre estiveram juntos, segundo já escreveram e ainda está acontecendo, da metrópole como Brasília à cidade de médio porte como Mineiros, merecendo destaque o que se divulga só nas redes sociais, para desespero dos políticos, agora sim, encantoados, delatados, vários no xilindró, salvando-se as exceções, é claro!
De todo modo, vejo ser essencial a preservação da sátira, da crítica, da ironia, do humor e do deboche políticos; assim como o resgate das rixas e rachas político-partidários, comuns no interior brasileiro, enfeixando Mineiros, por ousado que pareça, configurando o objeto e temática do presente capítulo, do livro “A Cidade na História”. Tenho como uma boa prova do que denomino “racha”, aromatizado de “rixa”, num Partido Político, aí se vendo o lado satírico e pitoresco dessa história, o texto que transcrevo, publicado no jornal Semanário Mineirense, Ano I, nº 14, dezembro de1994, mostrando a briga política no PMDB, rachado e disputado por vários donos que, mesmo causando animadas intrigas nas esquinas e aparente paz política, aflorou na imprensa com uma novidadeira manchete: “PMDB mineirense em crise”, expondo seu já longo racha interno nas últimas décadas:
“É público e notório que o PMDB de Mineiros vive uma crise imensurável, provocada pela disputa do poder interno. E esta crise interna poderá, mais cedo ou mais tarde, provocar um racha no PMDB e, consequentemente, surgir um novo partido, com aquela corrente partidária que for vencida no embate político. De um lado o grupo Roldão de Rezende e de outro o grupo Agenor Rezende. Esta disputa pelo poder dentro do PMDB já é bastante antiga. A escolha de José Antônio como candidato a prefeito, desagradou naquela oportunidade, o então deputado estadual, Agenor Rezende, que preferia o nome de Laci Rezende como candidata do PMDB. Entretanto, o risco de perder as eleições para o PDS, os obrigou a superar as divergências e se unir contra a Oposição. Naquela ocasião Agenor deu a mão à palmatória. Agora que a oposição em Mineiros parece estar completamente nocauteada, Agenor e Roldão preparam-se para o Round Final. Tendo ocupado o cargo de governador do Estado por nove meses, Agenor entende que cresceu o seu cacife para indicar sua esposa como sucessora de José Antônio de Carvalho Neto se o grupo de Roldão e do ex-prefeito Tote permitir. O que é pouco provável, porque, hoje, o diretório municipal, que escolhe o candidato do partido à prefeitura municipal, está nas mãos do grupo Roldão de Rezende. Embora, Agenor tenha levado vantagem na briga pela Presidência da Câmara Municipal, Jota Miranda e Ernesto Vilela, foram derrotados pelo grupo de Agenor Rezende, Pedro Paulo, Jairo Rezende e Sansão, com ajuda de Osvaldinho (grupo Tote) e Orlando Mendonça (Independente). Nessa briga, Jota e Ernesto saíram bastante desgastados no PMDB. Embora a eleição de Orlando Mendonça tenha o dedo do prefeito, muitos se perguntam de que lado está José Antônio de Carvalho Neto? Só Deus e os botões do prefeito sabem.
O racha do PMDB, provavelmente, deve se completar na eleição do novo diretório Municipal, em março de 95, no qual Agenor Rezende tentará de todas as formas possíveis colocar mais nomes do seu grupo na composição do diretório. Mas como a renovação do atual diretório deverá ser apenas 25% dos membros, a hegemonia deve continuar com o grupo Roldão de Rezende, que apoiado pelo grupo Tote, certamente, lançará o próximo candidato a prefeito do partido. A não ser que saia o famoso acórdão, unindo na divergência, Roldão e Agenor, para derrotar, mais uma vez, as oposições. O que desde já é pouco provável, pois o atual governador não atendeu ao desejo do grupo Roldão e grupo Tote, no sentido de concluir as obras inacabadas de nossa cidade, o prédio do Fórum Municipal, da gestão de Roldão de Rezende, e o Ginásio de Esportes, da gestão de Erasmo Rodrigues de Souza (Nico), irmão de Tote. Portanto, se ocorrer a cisão peemedebista, com a Vitória do grupo Roldão, o candidato do partido deve ser o próprio Roldão, ou ainda Tote ou Nico. Os demais nomes desse grupo é só para fazer figuração”.
O racha no PMDB ocorreu após a Arena deixar o poder em 16 anos, durante o golpe ou revolução de 1964. Mais propriamente, a partir da eleição de Erasmo Rodrigues de Souza, em 1982, com mandato de 6 anos, quando toda a elite ou cúpula desse Partido, antes retraída e calada, já estava animada, uns até deslumbrados, com a eleição do governador Iris Rezende Machado, sem esquecer a expressiva vitória do partido pelo Brasil afora, deixando arenistas e aliados de queixo caído. Foi assim que o PMDB conseguiu três mandatos seguidos: de Nico (Erasmo Rodrigues de Souza), Dr. Roldão Ernesto de Rezende e Dr. José Antônio de Carvalho Neto, perfazendo período de 14 anos no poder, quando Dr. Roldão, experiente político, houve por bem em disputar outra eleição a prefeito, agora contra a figura pouco conhecida mas obstinada de Aderaldo Cunha Barcelos, pessoa simples, vinda da periferia, apaixonada pela política, vereador por mais de uma vez, intransigente defensor da política de Marconi Perillo, estrela maior do PSDB de Goiás ou Social Democracia Brasileira, dissidência do velho PMDB.
Acontece que Aderaldo, não raro entusiasta da política, não se vinculava ao elitismo político, por certo, desconhecendo a erudita teoria das elites, nem sobrenome de família tradicional tinha a ostentar em sua biografia de homem simples, devotado ao trabalho de contador; nem outros poucos requisitos da nobreza, estéticos ou sociais, exigidos pela sociedade e até passados pela mídia, exigindo modelos cativos até de beleza para ser candidato. Certamente, por isso, foi recebido com grande estranheza por parte da sociedade e, sobretudo, do grupo político que lhe fazia oposição, dos quais recebeu uma forte carga de discriminações, através das mais indecorosas sátiras, intrigantes deboches e até uma deliciosa dose de picardia, pois os pícaros não perdoam, sem esquecer os apelidos mais estranhos, propalados nas ruas e destacados sobretudo nos palanques por Ronaldo Caiado, como o de “Tiririca”, ornado de outras chufas ou zombarias, transformando-o no mais popular vilão ou “erva daninha” do lugar, a ser alcançado pelo deboche, a comicidade e a ridicularia, justificando se poder dizer que na história política de Mineiros, foi o mais judiado e difamado; ainda mais que a eleição de Roldão, de forte tradição familiar e nobreza de ser advogado, era contada como certa.
Contudo, não é do jeito que se pensa que as coisas acontecem. Em Mineiros, no Estado e Brasil afora, os velhos partidos políticos e seus aliados, por certo seguindo velhos atavismos culturais do antigo coronelismo, tem seu tempo certo para alcançar o poder, mandar, desmandar, quase sempre mais de 12 anos, evidenciando longos períodos ou “ciclos de governança” que, de tão extensos, os acomodam no domínio do poder, mais vezes sem perceber que estão na iminência de sofrer uma ou mais derrotas, havendo até os que defendem 16 anos para cada ciclo de chefia e mando, acredito velha mania de dominação política, parece mais visível a partir de 1930, quem sabe, inspirada na antiga Intendência predecessora e mantenedora do coronelismo.
(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro do Movimento Negro Unificado (MNU), Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHGG, Mestre em História Social pela UFG, professor universitário. (martinianojsilva@yahoo.com.br))
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