Rebatendo críticas à minha pessoa
Diário da Manhã
Publicado em 19 de agosto de 2016 às 02:42 | Atualizado há 8 anosRecebi algumas críticas do leitor “R.B” sobre minha defesa de hospitais, médicos e medicina liberais (não dependentes do Estado). Diz ele: “o Marcelo se diz contra o SUS, contra carreira médica de Estado, contra médicos que se dedicam ao serviço público, porque é dono-de-hospital, empresário da saúde, não tem nada a ver com população carente, com os atendidos pelo Estado. No hemisfério norte há países desenvolvidos com esquemas parecidos com o SUS”.
Eu tento responder:
1/ Eu já morei na Europa, trabalhei como médico na França e Suécia. Na França, o médico, mesmo o do governo, atende um paciente, assina uma ficha, e depois é reembolsado pelo atendimento. Portanto, mesmo no serviço público, o atendimento não é como feito no SUS. Pelo contrário, ele ganha como um médico particular, ou seja, por produtividade, por excelência de atendimento, etc.
2/ Um amigo, T.B., professor na Universidade de Cambridge, médico no hospital estatal Adenbrooke, Inglaterra, me relatou a experiencia que teve com a esposa: “com apendicite, estava morrendo no NHS – o SUS britânico – tive de levá-la para Espanha, onde foi corretamente diagnosticada e tratada, operada. Na Inglaterra, os maus médicos, mau resolutividade hospitalar, falta de comprometimento, falta de qualidade técnica, estavam matando minha mulher, e olhe que eu sou médico e professor universitário. O filme “As Invasões Bárbaras” mostra todas as grandes falhas do sistema publico canadense, etc. Portanto, nada é esta “ilha de excelência” que os menos avisados fazem crer…
3) A Europa tem um outro tipo de organização da sociedade. É uma sociedade socialista, onde o que é publico é controlado como se fosse comunal, autogestivo. Tudo tem características autogestiva, não é uma coisa centralizada, estatal, monárquica, como temos aqui no SUS do Brasil.
4/ Outra coisa que não levam em conta, os que defendem os SUS do hemisfério norte, é o montante de recursos. É o chamado “Efeito Soros”, que é o seguinte: se você bota, num sistema, um montante de recursos 10 X maior do que o necessário, é claro que este sistema irá funcionar, já que o funcionamento dele, numa rede privada, requereria apenas 1X.
5/ Tipo assim, dizem que um hospital público terceirizado funciona bem, dizem que a Rede Sarah funciona bem, que o Hospital Ülehröker/Uppsala ou Instituto Karolinska funcionam bem (trabalhei lá). Ou seja, “é possível ter hospital público que funciona bem”. Eu diria: É claro que funcionam bem, pois tem um recurso 10 X maior do que eu, como ente privado, precisaria para fazê-lo funcionar…
6/ O mesmo se aplica a tecnologia, número de funcionários, budget/orçamento anual etc. Tudo é 10 X maior do que seria necessário numa entidade privada. É claro que alguma coisa tem de funcionar numa estrutura dessas, e aí dizemos que “olhem, vejam bem como esta estrutura funciona bem, e é do Estado”….
7/ Não sou “dono de hospital” como referido acima. Sou diretor administrativo, voluntário, de uma entidade filantrópica, e trabalho como médico assistente deste hospital filantrópico. Atuo e ajudo esta instituição filantrópica há 35 anos.
8/ Estou, desde 1981, sem um dia de interrupção, atendendo SUS, pacientes pobres, paupérrimos mesmo, meninos de rua, drogados, infectados por HIV nas bocas de fumo, doentes mentais moradores de rua, etc, ou seja, uma população que, geralmente, ninguém quer (nem mesmo o governo, que, como se sabe, vem é fechando hospitais psiquiátricos).
9/ Não sou “empresário de saúde”, (e se fosse um “bom empresário” não teria problema nisso) não tenho fazenda, bens imobiliários, contas no exterior, carro chique, chácara de veraneio, sítio de lazer, casa de montanha, casa de praia, jet-ski, amantes, viagens para o exterior, hoteis e restaurantes caros, etc. Levo uma vida espartana, modéstia à parte, o que eu ganho é integralmente aplicado no hospital que eu dirijo, na minha profissão, para melhorá-la, tanto é que só tenho minha casa e meu carro (popular), não acumulo riqueza, etc. Minha vida é de casa para o trabalho e vice-versa, você não me vê frequentando nenhum tipo de high-society, salões e clubes nobres, inclusive nem em Congressos médicos em praias ou em qualquer lugar eu vou. E se eu fosse tudo isso, com meu próprio esforço, não teria nada demais.
10/ Não sou contra nenhum sistema estatal que vise atender populações de baixa renda. Inclusive porque eu faço isso a vida toda. O que eu sou contra é um governo, usar um tal sistema, para fazer politicagem e outros tipos de desvios. Não sou contra nenhum profissional estatal em particular, nunca falei mal de nenhum serviço ou pessoa em particular. Falo destes temas de modo geral, abordando um “sistema”, não um indivíduo. Inclusive porque eu mesmo, como já disse acima, me encontro entre médicos estatais que atendem SUS…
11/ O que eu sou contra é, p.ex., a classe média usar de cargos estatais para “se arrumar”, deixar de progredir o país, deixar de evoluir enquanto ser humano (pois todo ser humano, ao meu ver, tem de deixar de ser passivo e se tornar ativo, e ser “funcionário do Estado”, nos dias de hoje, é, em regra geral – há nobres exceções é claro – entragar-se a uma passividade). Por exemplo, uma das causas dos hospitais no Brasil estarem morrendo é justamente a ingerência excessiva do Estado e a falta de interesse/disposição/coragem/empreendedorismo dos médicos, quase todos voltados para uma mais confortável “carreira de Estado”.
12/ Não sou contra ninguém que queira ter sua Carreira de Estado, não sou contra ninguém que queira trabalhar no SUS, nunca critiquei ninguem por causa disto. Eu apenas critico um sistema, voltado só para o Estado, que tem causado todas as enormes distorções que vivemos na prática médica do dia de hoje (p.ex., falta de Regulamentação da profissão médica, profissionais cubanos que trabalham sem terem diploma médico, invasão da Medicina pelo charlatanismo, cobranças e criminalização excessivas dos médicos do serviço público, falta de condições de trabalho, etc ).
13/ Sou contra um sistema que recolhe, ou seja, extorque, praticamente 45% do que cada brasileiro produz, para não oferecer nada que preste, inclusive um sistema de saúde. Não sou contra algum sistema de atendimento de pobres (repetindo, eu faço isso a vida toda), só sou contra dizer que vai pegar o dinheiro do povo para fazer isso e não fazer….
14/ Vou então, repetir aqui, para finalizar, o que tenho dito em inúmeros artigos: sou favorável a que o governo deixe de sugar tudo isso da sociedade e deixe com ela o dinheiro para ela pagar o médico e o hospital que ela escolher. Se o governo parasse de sugar todos estes recursos, sobraria dinheiro demais para todos pagarem decentemente um médico, um plano, um hospital.
15/ Por exemplo, fiz algumas contas e cheguei à conclusão de que o governo gasta (ou desvia, como queira) aproximadamente 500 reais por mes com cada usuário do SUS. Ora, 500 reais daria para qualquer um pagar um plano de saúde bem razoável….
16/ Os pobres, os comprometidos, que, mesmo assim, não tivessem dinheiros, deveriam ser atendidos pela filantropia, pois se esta também não fosse taxada demais pelo governo, poderia atender a toda esta pobreza que iria sobrar.
17/ Será que ainda iriam sobrar pobres sem atendimento? Aí, se isso viesse a acontecer, aí sim, ao meu ver, o governo deveria fornecer um sistema de “vouchers”, um sistema onde o paciente vai no médico, no hospital, laboratório, gasta, depois justifica isso e é ressarcido pelo Estado (o próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já falou nisso). Só os muito pobres, e sob justificação bem auditada teriam esse direito. Com essas medidas aí acima , ao meu ver, o problema estaria bem melhor resolvido do que o SUS, no modelo atual .
(Marcelo Caixeta ([email protected]). Escreve às terças, sextas, domingos)
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